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Dia da Marinha 2004 – Viana do Castelo
           Dia da Marinha 2004 – Viana do Castelo



             e as características geográficas de Portugal mostram como nasceu e se
             desenvolveu virado para o mar, não é menos verdade que a esse mar
         Sdeve a sua independência, pela forma como se afirmou diferente do
         resto da Península Ibérica. As nações não são o resultado político de um mo-
         mento de génio ou de glória, são a expressão de uma cultura que tem raízes
         numa maneira própria de viver, desenvolvendo características que marcam a
         diferença, e geram o sentimento de que a liberdade colectiva está de um lado
         e a sujeição do outro. A nossa história mostra-nos como esta visão não pode
         perceber-se sequer na fugacidade de um momento, de uma década ou de
         uma geração, só se entendendo na análise do longo tempo histórico, onde
         os circunstancialismos se diluem, sobressaindo as constantes da tal vivência
         específica que gerou uma cultura e cimentou a vontade de ser português.
         Só no mar encontramos a explicação para um facto que já passou para o
         inconsciente colectivo nacional (está na intra-história portuguesa, como di-
         ria Miguel de Unamuno), mas que continua a ser a alma da independência
         nacional. Nos longínquos tempos do século XII, quando Afonso Henriques
         avançou sobre Lisboa e a conquistou, garantiu o domínio portucalense
         sobre a costa ocidental da Península e (de forma consciente ou intuitiva)
         criou as condições para o desenvolvimento de uma maneira de estar e
         de viver que já não podia estar sujeita a imposições que lhe chegam do
         planalto interior, insensível a quem tira do mar a sua sobrevivência, seja
         pela pesca, pelo sal ou pelo comércio, seja até por uma forma peculiar
         de agricultura que não vive sem o barulho das ondas (do mar tira o sarga-
         ço ou o moliço com que aduba a terra). Sem esta ligação com o oceano
         ocidental, onde passava a mais importante via de comunicação comercial
         entre a Europa do Norte e do Sul, Portugal teria sido, como muitas outras,
         apenas mais uma região de Castela ou da grande Espanha. E este contacto
         permanente com o Atlântico, que se consolida com a conquista de Lisboa
         (porque a posse desse porto permitiu estabelecer condições de segurança
         e conferir vantagens decisivas para um efectivo exercício de poder sobre
         ele), fez-se através das múltiplas póvoas marítimas que cresceram na foz
         de rios que davam  abrigo e permitiam uma entrada segura de embarca-
         ções e navios que transportavam ricas mercadorias, ou que, simplesmen-
         te, circulavam no vaivém próprio da faina do mar. Pesca, extracção de
         sal, produção de peixe salgado e seco, exportação de produtos da terra,
         apoio ao comércio de longo curso, importação de bens de consumo, abri-
         go contra piratas e corsários, foram algumas das actividades com que os
         portugueses se familiarizaram e das quais aprenderam a viver. Viana do
         Castelo (ou Viana da foz do Lima, designação que usou a partir do século
         XIII, substituindo o antigo nome de Átrio ou Atrium por que era conhecida
         a paróquia portuária) é um dos mais significativos exemplos dessa forma
         de vida em que nasceu e cresceu Portugal. Uma vila medieval piscatória
         que ganha importância com o comércio internacional (até Inglaterra e Ir-
         landa) durante o século XV, altura em que construiu o cais novo de pedra
         em substituição das velhas estacadas de madeira, dando espaço e condi-
         ções para navios de maior tonelagem. Aliás, a importância do porto vai
         sendo cada vez maior, à medida que se desenvolve  a aventura ultramari-
         na portuguesa, obrigando a obras sucessivas, de que é interessante referir
         a construção de um marachão na margem sul, cujo objectivo era apertar
         o leito do rio e aumentar a força da corrente que ajudaria a cavar o leito




















         18  JUNHO 2004 U REVISTA DA ARMADA
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