Page 201 - Revista da Armada
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e evitar o assoreamento endémico, para permitir a entrada de navios de
grande tonelagem. Depois do comércio com os panos ingleses, durante
o século XV, os marinheiros de Viana passam a ir até à Terra Nova (onde o
navegador vianense João Álvaro Fagundes tinha estado por alturas do final
da segunda década de quinhentos) para pescar bacalhau (uma activida-
de que se manteve até ao século XVII) ou até ao Brasil, participando no
rico comércio do açúcar que corresponde ao auge do movimento maríti-
mo no período moderno. A decadência dever-se-á à actividade de corso
holandesa, francesa e inglesa que foi crescendo ao longo do século XVI,
tornando-se uma verdadeira praga após a derrota da Armada Invencível
e, sobretudo, depois do reatamento das hostilidades com a Holanda em
1621. Os holandeses, que haviam tido um importante papel no desen-
volvimento da actividade marítima daquele porto, onde vinham buscar
sal e açúcar, foram também a principal razão da sua queda vertiginosa na
segunda metade do século XVII, quando transformaram os espaços marí-
timos portugueses num inferno.
Desde então, Viana do Castelo viria a atravessar um longo período críti-
co, com momentos pontuais de recuperação que só ultrapassaria de forma
definitiva no final do século XIX e princípio do século XX. A construção
da ponte metálica e a vinda do comboio marcam a retoma da actividade
comercial e marítima que se consolidaria com amplas obras no porto. O
recrudescimento da pesca do bacalhau, começado no final do século XIX
e intensificado na primeira metade do século XX viria a ser um dos mais
importantes motores deste reencontro de Viana do Castelo com o mar e com
a vida marítima que deu novo passo decisivo com a criação dos Estaleiros
Navais de Viana do Castelo em 1944. Deve dizer-se que a construção de
navios e embarcações em Viana, tem uma tradição que vem, pelo menos,
do século XIV. Todavia, dificuldades de diversa ordem – e especialmente os
problemas de recolha de madeira em condições para a construção naval
– nunca permitiram que a actividade assumisse dimensões significativas,
apesar de terem sido tomadas medidas administrativas nesse sentido (D. Ma-
nuel I foi um exemplo de promotor dessa construção, que não teve grandes
resultados). No entanto os Estaleiros Navais de Viana do Castelo são hoje o
exemplo de uma grande empresa com qualidade, de onde saíram vários
navios da Marinha Portuguesa e com os quais se firmou recentemente o
contrato de construção dos novos patrulhas oceânicos. Nestes estaleiros
foram construídos, nos longínquos anos de 1956/57 os patrulhas “Brava”
e “Fogo” (classe Maio), em 1963, o petroleiro de esquadra “S. Gabriel” e
as quatro Lanchas de Fiscalização (destinadas ao Ultramar), “Argos”, “Dra-
gão”, “Escorpião” e “Pégaso”, e, em 1968, a fragata “Almirante Magalhães
Corrêa”. No próprio Dia da Marinha, foi feita a colocação simbólica dos
blocos dos dois primeiros navios de patrulha oceânica, de que o primeiro
tomará o nome de NRP “Viana do Castelo”.
A escolha de Viana do Castelo para comemorar o Dia da Marinha é – por
tudo o que já foi dito – o reencontro com as raízes de um Portugal marítimo,
que se mostra na actualidade com o mesmo carácter empreendedor que
permitiu a glória do século XV e XVI . O Portugal que do passado colheu o
exemplo frutuoso, partindo a construção de um futuro que o século XXI tem
vindo a mostrar ser muito exigente e obrigar a muito mais do que um em-
bevecimento saudosista de glórias seculares. No dia 20 de Maio de 1498,
Vasco da Gama lançava ferro em frente à cidade de Calecut, completando
com êxito a missão que lhe conferira el-Rei D. Manuel, abrindo os cami-
nhos de acesso ao Oriente desconhecido e juntando através do mar as mais
distantes civilizações do planeta. Tomámos esse feito como paradigma de
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