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As Viagens de Instrução da Escola Naval
As Viagens de Instrução da Escola Naval
ste ano, a partir do mês de Maio, co- As viagens de instrução da Escola Naval
meçaram a viagens de instrução da devem por isso procurar ir até portos es-
EEscola Naval. Trata-se de levar a cabo trangeiros, locais onde os jovens cadetes
o complemento normal e indispensável à sentem que estar dentro ou fora da pran-
formação teórica adquirida durante o ano, cha é estar em dois mundos diferentes,
com a realização das tarefas normais de onde se entra ou sai cumprimentando a
funcionamento de um navio, e integração bandeira nacional, num gesto simbólico
dos anos numa rotina de vida a navegar, que marca essa mesma diferença. Neste
que não é possível fazer sem uma viagem sentido também são importantes para as
mais ou menos longa, e com a realização guarnições dos navios, constituindo uma
de determinados exercícios. Para além do alteração profunda na sua rotina diária,
desempenho concreto e do aprender a fa- com a possibilidade de um estímulo extra
zer coisas que serão essenciais ao futuro merecido e indispensável à continuação
desempenho como chefes militares, é fun- da sua missão normal. Não há nenhuma
damental que se habituem a desempenhar guarnição que não sofra uma mudança
Viagem do 1º Ano – Prática de Navegação. funções nas condições específicas de um significativa no seu carácter, no espírito
navio a navegar, com os constrangimentos de corpo e na vontade de trabalhar mais
que lhe são inerentes. O espaço reduzido, e melhor, depois de fazer uma viagem ao
o balanço, o enjoo, o facto de estarem to- estrangeiro no seu navio, tendo atracado
dos juntos permanentemente, o incómodo por aqui ou por ali, saído para conhecer
dos corredores estreitos onde o balanço do outro mundo, e regressado finalmente a
navio complica as passagens, os haveres casa, cheio de recordações e histórias para
pessoais que, ou ficam arrumados como contar. Isto faz parte da cultura de qual-
deve ser, ou andam espalhados pelo chão, quer marinha e precisa de ser preservado
enfim, todo um conjunto de circunstâncias como essencial à sua sobrevivência e bom
que obrigam o ser humano a uma forma funcionamento.
de vida própria, a que tem de se habituar As diferentes viagens adaptam-se às
dominando as dificuldades do ambiente situações de cada curso embarcado, de
físico e os constrangimentos psicológicos acordo com os conhecimentos que os alu-
que isso provoca. Não há equipamento si- nos dispõem em cada ano da sua forma-
mulador que possa substituir esta vivência, ção na Escola Naval. Para o primeiro ano
Viagem do 1º Ano – No Governo do Navio. sobretudo porque aos elementos naturais, trata-se apenas de proporcionar um pri-
e próprios do navio, se junta aquele fenó- meiro contacto com o mar, mais prolon-
meno social que só os marinheiros podem gado do que os pequenos embarques de
compreender, que é o espírito da guarnição fim de semana. Uma primeira sensibiliza-
embarcada entendida como uma segunda ção para olhar o navio de forma diferen-
família, onde se geram solidariedades úni- te, ultrapassando a angústia da terra que
cas, que fazem parte da vida no mar. desaparece no horizonte. Para o segundo
Se tivermos em conta que ser marinhei- e terceiro anos as viagens ocorreram na
ro é além do mais uma forma especial de “Sagres”, com todo o carisma que o na-
vida que passa para além da dimensão vio tem, e com a vantagem de se tratar de
geográfica de um país, então temos que viagens longas vividas ao ritmo dos ven-
entender que a habituação dos cadetes à tos oceânicos. O quarto ano tem um em-
vida de marinheiros passará por lhe pro- barque diferente de todos os outros: tra-
porcionar a ida a esses locais distantes, ta-se de aplicar conhecimentos inerentes
onde não se fala a nossa língua e onde a toda a parte teórica da sua formação na
contactam com gentes e povos que têm Escola, integrando-se na acção táctica de
Viagem do 2º Ano – Cadetes com o PR.
características diferentes do nosso. A via- um navio. Esta viagem está virada para a
gem marítima é isso mesmo: depois da integração dos cadetes nos departamen-
longa tirada e da luta com os elementos tos de bordo e actuando em situações
naturais, conduzindo a nave de forma di- operacionais.
ligente na missão que lhe couber, eis que Mas abordemos cada viagem por si,
surge terra. Não é a família nem a casa, para melhor compreendermos como foi
não é aquele cheiro a que nos habituámos o empenhamento de cada curso e navio.
desde pequenos, mas é um local de des-
canso onde vamos contactar com gente 1º ANO – CURSO “COMANDANTE
que queremos compreender. Este carác- CONCEIÇÃO E SILVA”
ter cosmopolita faz parte da vida do ma-
rinheiro, porque o movimento de navios O primeiro ano é aquele que menos
é um movimento internacional e a acção conhecimentos tem para aplicar a bordo,
da Marinha de Guerra – seja ela qual for de forma que a sua viagem é a mais curta
– desenvolve-se sobre as rotas internacio- e a menos exigente a nível de participa-
nais que implicam o acesso a portos des- ção nas tarefas de bordo, trata-se apenas
Viagem do 2º Ano – Ferrando o pano.
conhecidos mais ou menos longínquos. de familiarizar os cadetes com a vida de
8 SETEMBRO/OUTUBRO 2004 U REVISTA DA ARMADA