Page 88 - Revista da Armada
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A Escola Naval visita Córdova
A Escola Naval visita Córdova
o ano de 710 deixando quase todo o
d.C., a Penín- sul da Península fora
Nsula vivia um da alçada do poder
momento de caos e de- visigodo. O próprio
sordem cuja causa fun- emir de Tunes, Musa
damental estava na en- ibn Nusayr, só alguns
démica dificuldade de meses depois da ful-
passagem do poder na gurante campanha de
monarquia visigótica, Tarik, se apercebeu
onde a ordem dinásti- da dimensão do que
ca passava sempre por estava a acontecer, re-
violentas disputas, an- solvendo passar tam-
tes da aceitação de um bém para a Península
soberano incontestá- Ibérica, para não estar
vel. Tinha morrido re- ausente das conquistas
centemente o rei Vitiza que, certamente, iriam
e a sucessão dividia-se agradar ao califa de
entre dois candidatos Damasco.
poderosos que trata-
ram de juntar os seus
partidários para uma
guerra que, desta vez
viria a assumir uma
característica diferente
das anteriores e acaba-
ria por destruir o pró- Vista aérea da mesquita/catedral à beira do Guadalquivir em frente
prio reino. Os apoian- à ponte romana. É bem visível a grandiosidade do edifício de onde
tes do filho de Vitiza, emerge a transformação do séc. XVI.
não aceitaram o par-
tido mais forte de Rodrigo e recorreram ao lha para Toledo, com o intuito
auxílio do conde de Ceuta cuja aliança com de ser educada junto da corte,
o poder muçulmano do Norte de África já como era habitual na tradição vi-
Vista do interior.
vinha de há alguns anos atrás. Segundo os sigoda. Rodrigo apercebera-se da
documentos árabes, chamar-se-ia Julião, esse beleza da donzela assediando-a para obter os Saindo de Lisboa a 3 de Outubro do pas-
conde cuja origem está envolta em equívocos seus favores, cuja ilicitude representava gran- sado ano de 2003, o grupo da Escola Naval
de vária ordem. Dizem alguns historiadores de desonra para a própria e para Julião, que foi visitar a cidade Córdova que foi o berço
que seria um príncipe cristão berbere, vassalo a mandou regressar imediatamente a Ceuta. do Islão ibérico e o centro do seu mais áureo
do rei dos visigodos que, pelas circunstâncias Não perdoou a Rodrigo a ousadia de uma período, vivido na fase final do emirato e do
do poderio militar muçulmano, nesses primei- ofensa tão grave e acabaria por abrir as por- califado que se lhe seguiu, após a subida ao
ros anos do século VIII acabara por aceitar a tas da perdição do seu reino, através da aliança poder de Abd al-Rahman III. Colocada numa
soberania do emir de Ifrica (Tunes), Musa ibn com os descontentes ibéricos (que eram mui- posição central em relação ao espaço islâmico,
Nusayr. No entanto poderá ter sido o último tos) e com o pujante poder islâmico do Ma- banhada pelo rio Guadalquivir, que lhe permi-
representante do poder bizantino estabeleci- greb. Em Junho de 711, Tarik ibn Ziyad, acom- tia o acesso ao mar, e com fácil abastecimento
do no Norte de África no tempo do impera- panhado pelo próprio Julião e seus cavaleiros, numa região agrícola relativamente fértil, ali
dor Justiniano. Num caso ou noutro, Julião foi desembarcou na região de Algeciras, ocupou cresceu a cidade que ainda hoje testemunha o
um militante activo contra Rodrigo e acabaria o território a oeste do enorme morro que ficou esplendor do domínio muçulmano na Penín-
por abrir as portas da Península ao mundo com o seu nome (Djebal Tarik, hoje Gibraltar) sula e a grandiosidade do que foi a sua pre-
muçulmano. Quer isto dizer que ibn Nusayr e, rapidamente se estabeleceu num espaço de- sença na Ibéria, cujo brilho se deve, sobretu-
estava a par dos problemas da monarquia vi- cisivo que garantia a continuidade dos apoios do, à afirmação da família dos Omíadas como
sigoda, pretendendo usar as suas fragilidades vindos do Norte de África e a possibilidade de emires e (depois) califas de Córdova. Esta as-
em benefício próprio, mas não é muito claro dar combate a Rodrigo, caso este o viesse ata- censão política deve-se sobretudo à queda do
que pensasse, desde logo, numa ocupação car. Assim aconteceu em 19 de Julho de 711, califado de Damasco no ano de 750, pondo-se
territorial com a dimensão que esta veio a as- resultando o confronto numa enorme derrota termo a uma fase do domínio islâmico exerci-
sumir. Pelo menos não o fez com a convicção para os aliados de Rodrigo, que abriu as portas do a partir da Síria, centro nevrálgico de um
necessária para se empenhar pessoal mente à rápida progressão muçulmana, ao ponto de poder faustoso no requinte de ideias e de há-
numa campanha militar. Porém, em 711 en- em pouco mais de três anos dominarem qua- bitos que caracterizavam o Império Bizanti-
viou à Hispânia um dos seus generais, que, se toda a Península. A batalha teve lugar nuns no. O novo califado (Abássida) transferir-se-ia
mais uma vez teve a colaboração activa do terrenos junto ao rio Barbate, cuja designação para Bagdad – numa atitude que mostra bem
conde Julião, com o fornecimento de navios árabe é Wadi Bakka ou Wadi Lakko e que le- uma abertura mais clara ao Índico e ao orien-
e de homens armados, para combater o exér- vou à interpretação errónea de que teria sido te em geral –, e toda a família do velho califa
cito de Rodrigo. junto do rio Guadalete, cuja localização é bas- (família Omíada) foi perseguida e chacinada.
Diz uma antiga lenda árabe (que foi adop- tante afastada do local em causa. Em Outubro Apenas Abd al-Rahman conseguiu viajar até
tada pela tradição cristã ibérica) que o conde de 711, Córdova tinha sido conquistada, e To- à Península e obter a protecção dos cavaleiros
Julião, vivendo em Ceuta, mandara a sua fi- ledo rendera-se sem luta pouco tempo depois, sírios que para aí tinham emigrado recente-
14 MARÇO 2004 U REVISTA DA ARMADA