Page 152 - Revista da Armada
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VALORES, IDENTIDADE E MEMÓRIA 2
Ser Fuzileiro
s Fuzileiros são a infantaria da Marinha. Criados no século rações durante as campanhas do sul de Angola em 1915, refere mui-
XVII, por determinação régia, estiveram presentes em todos os to especialmente no seu relatório sobre a campanha dos Cuamatos o
Oteatros de guerra onde Portugal se viu envolvido nos últimos comportamento do Batalhão Expedicionário de Marinha.
trezentos anos: nas guerras de recuperação do Brasil, nas guerras da Todas as Unidades cumpriram o seu dever por forma a justificar o grande
Independência, com o Marquês de Nisa no Mediterrâneo, na guerra orgulho que sinto em tê-las comandado; porém, julgo merecedor de especial
civil (1832 - 1834) e na guerra de África (1961 – 1974); combateram na menção o Batalhão da Marinha.
Europa, na América, na Ásia e em África. Esta unidade mostrou sempre a maior correcção, a nítida compreensão dos
Ao longo dos séculos conheceram diversas designações e sofreram seus deveres cívicos e militares, tanto no período que antecedeu as operações
várias reorganizações, adaptando-se sempre a novas formas de actua- como durante as operações.
ção ajustadas aos diferentes cenários onde tiveram de actuar. Foi sem o menor exagero, uma unidade de «elite», cuja têmpera fica definida
Criados no culto das mais antigas tradições navais, forjados pelo dizendo que foi a mais resistente nas marchas, a mais esforçada nos combates
rigor da vida no mar e na aspereza e que durante os quatro dias em que na
do serviço em terra, os Fuzileiros são Mongua estivemos reduzidos a um quar-
o braço armado da Marinha para a to de ração, as suas sentinelas chegaram
projecção do poder naval muito para a cair de fraqueza nos respectivos postos,
além da linha da costa. sendo imediatamente rendidas sem que
O apego aos rituais que os diferen- disso o comando superior tivesse conhe-
ciam, o orgulho nos símbolos que os cimento, pois essa unidade sabia bem que
identificam e na Marinha onde ser- esse comando nada podia fazer que modi-
vem, aliados a um arreigado senti- ficasse de pronto a situação.
do corporativo e a um inquestioná- Os méritos dos Fuzileiros durante
vel profissionalismo são qualidades a guerra de África, nos rios, bolanhas
que caracterizam o Fuzileiro como e matas da Guiné, na frente fluvial do
um militar de eleição. Leal , dotado rio Zaire, no Leste de Angola, nas mar-
de um espírito humanitário extrema- gens do Lago Niassa, em Cabo Del-
mente apurado, de uma capacidade gado e em Tete, entre outros teatros
de desembaraço invulgar e um senti- de operações, ficaram registados em
do do dever no mais alto grau, os Fu- numerosos louvores e nas condecora-
zileiros, a infantaria da Marinha, tem ções com que o Governo reconheceu
visto as suas extraordinárias aptidões o desempenho das unidades de escol
serem reconhecidas por figuras de de infantaria da Marinha, designada-
invulgar estatuto e insuspeitas de mente num caso entre muitos:
qualquer interesse corporativo. O Destacamento de Fuzileiros Espe-
O Comissário Régio de Moçam- ciais actuou nas frentes de combate em
bique, Major Mousinho de Albu- Moçambique com excepcional brilho,
querque, no relatório da Campanha demonstrando destacada coragem, mui-
dos Namarrais, em 1897, descreveu ta decisão, energia debaixo de fogo e um
o comportamento das forças de Ma- arreigado espirito de unidade, qualida-
rinha naquele combate. des estas que se manifestaram em acções que comprovadamente contribuí-
Desde as nove e meia horas da manhã que o pelotão de Marinha que prote- ram para os êxitos mili tares alcançados naquelas frentes.
gia os trabalhadores, empenhara o fogo contra o inimigo emboscado no mato Em várias operações e por força da situação operacional existente fez incur-
que corta a linha de água e quando a coluna desembocou formou rapidamente sões de dezenas de quilómetros, sem comunicações, apoio aéreo e meios de
o quadrado, desenfiando do 1º pelotão de Marinha, que estendido em atirado- evacuação de feridos, para enfrentar um inimigo forte e moralizado, no que
res guarnecia a orla a sul da machamba. mostrou extraordinária agressividade.
...Os auxiliares animados com a presença da coluna internaram-se então pelo Desde os finais do século XX os Fuzileiros participam em Missões
mato, atravessando a linha de água e subindo rapidamente a vertente esquerda de Paz na Europa e na Oceania e o seu valor continua a ser enaltecido,
do vau, seguidos pelo chefe do estado maior e capitão mór, que ao desembocar como se pode constatar na referência que o Comandante da Compo-
na povoação no alto da encosta eram saudados por um vivo tiroteio. Regressan- nente Militar da Força da ONU em Timor-Leste faz à Companhia de
do o chefe estado maior com estas informações ao quadrado o comandante da Fuzileiros ali destacada.
coluna fez avançar o pelotão de Marinha de protecção e o 2ºpelotão de landins; ...Antes da partida dos últimos contingentes, senti que devia transmitir os
apesar da densidade do mato, nas duas primeiras centenas de metros a percorrer, meus sentimentos de gratidão e privilégio em ter conhecido este excelente grupo
a Marinha chegara á orla da povoação dez minutos antes dos landins e ás pri- de tão dedicados, profissionais, generosos e joviais Fuzileiros. Com eles, nada pa-
meiras descargas o inimigo cedia o campo avançando então toda a nossa linha, recia ser demais... Eles ajudaram a transportar vigas de ferro, madeira e cimento
Marinha na direita e landins na esquerda , até á orla N. da primeira espessura desde o nosso posto até ao centro da comunidade local ou à escola secundária.
de mato que divide os dois grandes grupos da povoação do Ibrahimo. Eles carregaram areia do rio Lacklo poupando trabalho à comunidade.
Pinheiro Chagas, critico atento das aptidões da infantaria de Marinha Eles garantiram segurança extra, acudindo a um pedido tardio, para o re-
durante a campanha da Guiné em 1907/1908, ás ordens do 1º Tenente gisto de um grande número de retornados. Uma secção dos Fuzileiros perma-
Oliveira Muzanty, comenta deste modo as operações realizadas na mar- neceu aqui quatro dias durante o período eleitoral. Eles ajudaram a transpor-
gem esquerda do rio Geba contra os Felupes, os Balantas, Papéis e Fulas: tar-nos para uma reunião de negociação quando já tinhamos começado a andar
foi aqui que comecei a ver a grande superioridade do marinheiro nas guerras há duas horas e meia em direcção à aldeia pois esta era impossível de alcançar
coloniais. Acostumado a climas africanos. enrobustecido pelo serviço no mar, com a nossa viatura.
suporta as marchas e as intempéries com facilidade. Cheio do desembaraço e da E há mais histórias...
iniciativa que a sua vida lhe dá nos combates e nos duros encargos da campa- Estes pequenos textos dão-nos uma lição exemplar do que é ser
nha, conserva sempre uma grande serenidade, energia e bom humor. Fuzileiro.
O General Pereira d`Eça, comandante superior das forças em ope- Hoje como Ontem, são assim os Fuzileiros de Portugal. Z
6 MAIO 2006 U REVISTA DA ARMADA