Page 26 - Revista da Armada
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intensidade e direcção, tivessem exactamente   cujo desenho do casco foi inspirado, como vimos, nas   18  Como facilmente se percebe, o menor esforço
         o mesmo desempenho ao nível da velocidade   escunas da Nova Escócia (Canadá).  desenvolvido encontra-se relacionado com o diâme-
                                               Apesar de ser o termo utilizado para classificar este
                                              8
         e nas manobras tácticas coordenadas, requisi-  tipo de pano, a sua forma é basicamente trapezoidal.  tro da roda do leme e com o efeito desmultiplicador
                                                                               conferido pelas talhas.
         tos fundamentais durante os combates.  9  A adriça da boca (punho superior de vante de uma   19  O procedimento de governar por observação das
                                        Z   vela latina quadrangular) e do pique (a pena é o pu-  testas das velas ainda hoje pode ser praticado a bordo
                     António Manuel Gonçalves  nho superior de ré de uma vela latina quadrangular)   do navio-escola Sagres, pelos oficiais de quarto mais
                                      CTEN  são responsáveis pelo içar da carangueja. Na manobra   experientes.
                           am.sailing@hotmail.com  de arriar, tal como acontece com as vergas do pano re-  20  Este molusco bivalve, com o aspecto de um verme,
         Bibliografia sumária:               dondo, estes cabos têm que correr sob volta. Caso con-  tem um comprimento que oscila entre os 5 centímetros
           Andrew Lambert, War at Sea in the Age of Sail, Lon-  trário o peso da verga provocaria a sua queda abrupta,   e 1 metro, atingindo a maior dimensão nas águas mais
         dres, Cassel & Co., 2000.          com graves consequências para o aparelho e para os   quentes. Na sua acção sobre as madeiras flutuantes ou
           Basil Greenhill, The Merchant Sailing Ship, Nova Ior-  marinheiros envolvidos na manobra.  imersas constrói galerias através das quais se desenvol-
         que, Praeger Publishers, 1970.                                                      ve, acabando por danificar ir-
           David MacGregor,  The                                                             remediavelmente todo o navio.
         Schooner – Its Design and De-                                                       Embora não o tenhamos men-
         velopment from 1600 to the                                                          cionado anteriormente, a razão
         Present, Londres, Caxton Edi-                                                       pela qual o Pedro Nunes (ex-
         tions, 2003.                                                                        Thermopylae) não foi convertido
                                                                                             para navio-escola ficou também
         Notas:                                                                              a dever-se ao facto do seu cas-
           1  Compete, no entanto, re-                                                      Museu da Marinha (Paris) - Foto CTEN António Gonçalves  co se encontrar em grande parte
         ferir que em português encon-                                                       afectado pelo teredo, apesar de
         tramos sinónimos de schooner                                                        protegido por chapas de cobre.
         os termos lugre, escuna e pa-                                                       Convém a este propósito lem-
         tacho que caracterizam, em                                                          brar que este fenómeno afecta
         concreto, certos tipos de apa-                                                      de forma desigual os diferentes
         relho muito particulares, como                                                      tipos de madeira. Por isso a Cut-
         procuraremos mostrar em arti-                                                       ty Sark foi, também neste capítu-
         go previsto publicar na Revista                                                     lo, um navio mais feliz.
         da Armada, no próximo mês                                                             21  Já antes havia sido testado
         de Março.                                                                           o forro com chapas de chumbo,
           2  Anel feito de cordão de                                                        com o mesmo objectivo. Mas
         cabo, ou colchete metálico,                                                         cedo foi abandonada a sua uti-
         costurado espaçadamente nos                                                         lização uma vez que acelerava
         lados de uma vela, permitindo                                                       exponencialmente o desgaste
         assim que esta possa correr ao                                                      das ferragens do leme, devido às
         longo de um estai. Em navios                                                        fortes correntes galvânicas indu-
         mais recentes, nomeadamente                                                         zidas por este elemento.
         naqueles que dispõem de mas-  Recepção naval à rainha Vitória, em Cherbourg.          22  Nos famosos biombos
         tros em ferro, os garrunchos em                                                     Namban de origem japonesa, os
         vez de abraçarem o mastro encontram-se presos a uma   10  David MacGregor, The Schooner – Its Design and   artistas orientais repararam neste pormenor que para eles
         calha ou carril.                   Development from 1600 to the Present, pp. 11-12.  constituía grande novidade, tendo, por isso, representado
           3  Numa apreciação simplista, podemos dizer que   11  As velas de entremastro tiveram inicialmente   os navios portugueses com uma cor negra, conferida pelo
         os holandeses retiraram à vela latina de pendão toda   uma forma trapezoidal, tal como as estênsulas (fi-  breu. Estes biombos lacados podem ser vistos no Museu
         a secção que se encontrava para vante do mastro   sherman staysail) içadas no galope dos mastros des-  Nacional de Arte Antiga, existindo na antepara de ré da
         acrescentando, posteriormente, uma nova verga à   tes navios (schooner). Aliás, parece-nos provável ter   câmara de oficiais do navio-escola Sagres uma réplica,
         sua base (retranca), onde passou a envergar a respec-  sido no decorrer deste contexto que as velas de en-  em forma de quadro, de excelente qualidade.
         tiva esteira.                      tremastro começaram a ser utilizadas, alargando-se   23  A sua armação era em tudo idêntica àquilo que
           4  Acção de projectar para fora, ou prolongar para fora   posteriormente o seu campo de aplicação a outras   mais tarde passou a ser conhecido como galera, deno-
         ou para cima, um pau, uma verga ou um mastaréu.  armações.            minação que ainda hoje vigora. Ou seja, um navio em
           5  Passar o pano latino, as escotas e a retranca para o   12  Altura de um mastro, ou mastaréu.  cujos mastros envergava pano redondo, com pequenas
         bordo oposto aquando da manobra de virar de bordo.  13  Lembramos que o pé do mastro de qualquer na-  excepções. No mastro mais a ré (gata) existia também
           6  Actualmente são conhecidas duas possíveis ori-  vio apenas encontra apoio na respectiva sobrequilha,   uma vela latina, denominada mezena, para além das
         gens que poderão estar na base do nome schooner.   num orifício, ou base, denominado carlinga. O que é   velas de proa e de entremastro.
         A primeira relaciona este termo com a palavra fla-  manifestamente insuficiente para que possa manter-se   24  A vela ré era também uma vela latina, mas de
         menga scoon, cujo significado, numa tradução livre,   na sua posição, ainda que as enoras dos pavimentos   características idênticas às utilizadas nas caravelas,
         pode significar belo ou bonito. No entanto, a sua uti-  que este atravessa possam também ajudar a conferir al-  naus e galeões.
         lização para classificar um determinado tipo de navio,   guma estabilidade, se devidamente acunhado. São no   25  A fragata D. Fernando (1843) é um navio deste úl-
         em função da sua armação, parece remontar a 1713.   entanto os cabos que compõem a enxárcia que susten-  timo tipo, constituindo-se até como um anacronismo
         Por ocasião do lançamento à água de um navio com   tam o mastro transversalmente e para ré, cabendo aos   face ao desenvolvimento que a construção naval havia
         estas características em Nova Inglaterra (actual estado   estais a função de inibir a sua oscilação longitudinal,   atingido na altura em que foi lançada à água.
         dos Estados Unidos), uma espectadora, cuja origem se   aguentando-o para vante.  26  Como o seu próprio nome indica os entremastros,
         desconhece, terá exclamado: «See how she schoons!».   14  Este raciocínio aplica-se a um navio de dois mas-  ou velas de entremastro, são velas latinas triangulares
         Ao que, surpreso, o dono do navio respondeu: «Then   tros. Se o navio dispuser de mais mastros, o efeito das   que trabalham nos estais que se encontram entre dois
         a schooner she’ll be!». Outros defendem que este tipo   velas dos mastros intermédios acaba por conhecer um   mastros, e aguentam o de ré para vante (e.g. estais do
         de armação terá sido alvo de uma importante opti-  certo equilíbrio. A questão a resolver é a diferença de   grande – entre o grande e o traquete –, estais da me-
         mização, levada a cabo pelos estaleiros de Schoone   pano existente entre a proa e a popa.  zena – entre a mezena e o mastro grande –, etc.). De
         Havn, um antigo porto do mesmo estado americano.   15  Com o advento das velas de proa desaparece a   uma forma geral todos os estais a bordo recebem o
         Faz sentido, nesta perspectiva, que schooner possa   vela da sobrecevadeira, mantendo-se a cevadeira em   nome da secção do mastro onde fazem arreigada (e.g.
         ser a denominação do navio desenvolvido no porto   utilização por mais algum tempo. A este propósito   estai do joanete, estai do galope do grande, etc.), ou,
         (havn) de Schoone.                 convém recordar que a cevadeira e a sobrecevadeira   no caso dos que fazem arreigada no gurupés, o nome
           7  Os navios dispondo deste tipo de aparelho fo-  contribuíam para que a proa do navio afundasse, con-  da vela que neles se encontra envergada (e.g. estai da
         ram muito utilizados na navegação de cabotagem,   trariamente à acção das novas velas de proa, que exer-  bujarrona, estai da giba, etc.).
         em viagens de exploração e como navios de pesca.   cem um efeito contrário.  27  A vela/verga recebeu esta designação por se en-
         Resta acrescentar que nesta última actividade Portugal   16  As diferentes combinações de velas adquiriram   contrar por sobre a vela/verga de joanete. O seu nome
         dispôs, até há bem pouco tempo, de inúmeros navios   um nome próprio, sendo conhecidas como armações   inicial seria, por exemplo, sobre joanete de proa, ten-
         com estas características, utilizados durante mais de   ou aparelhos. Desta forma tornou-se possível classifi-  do, por facilidade de expressão, deixado de se utilizar
         um século nas campanhas de pesca do bacalhau, le-  car os navios de vela em vários tipos.  a palavra joanete (sobre de proa).
         vadas a cabo nos longínquos bancos da Terra Nova e   17  Este cabo, sem encapeladura inferior, é utilizado   28  Esta designação surge devido ao facto de os na-
         da Gronelândia. Aliás, dois destes veleiros – Creoula e   como reforço dos brandais fixos, ou seja, dos ovéns que   vios se combaterem em linhas paralelas, imposição esta
         Argus –, a que recentemente aludimos na série de ar-  compõem a enxárcia. O termo volante surge como si-  feita pela localização das peças de artilharia ao longo
         tigos intitulada Lugres do Gelo, Cisnes dos Oceanos,   nónimo de cabo móvel, que se pode mudar facilmente   do costado. Como se percebe, a sua formação era em
         constituíram a derradeira evolução deste tipo de navio,   de um lugar para outro.  coluna, dentro de cada esquadra beligerante.

         24  JANEIRO 2006 U REVISTA DA ARMADA
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