Page 386 - Revista da Armada
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tas da cidade! Também o “Basilon”, cinema da booms” incluia a parte de “Operations” que Para começar, quando os jactos eram iniciados,
base, era distracção nocturna procurada. era, afinal, o que, verdadeiramente, interessa- os grupos tinham que estar bem seguros por-
No intervalo entre cursos esteve de visita a ria a oficiais em funções de comando na Defeza que a força da água exercida nas mangueiras
S. Francisco o (na altura) CMG Sarmento Ro- de Portos. O meu amigo Alvarenga contactou o era de tal ordem que podia derrubar um gru-
drigues com as guarnições que iriam receber Estado-Maior da Armada expondo a situação po menos atento. O chefe do grupo de spray
as duas fragatas da classe Corte Real. Tivemos e sugerindo que deveriamos completar o ciclo, (que atacava na posição erecta dos corpos)
ocasião de confraternisar com os nossos cama- o que foi imediatamente aceite e implicava a era o mais sacrificado ao receber, em cheio, os
radas e recordo até que, uma vez, levei ao seu nossa permanencia até concluir aquela última fumos densos irrespiráveis e sufocantes (não
destino o CFR Vieira Lopes, que fora meu Co- fase. Mas surgia um problema: seria necessário levávamos máscaras...). Por mais de uma vez
mandante a bordo do Vouga, numa qualquer esperar cerca de um mês pelo início deste último tinha que ser substituído pelo membro seguin-
situação de falta de tempo. curso e não nos parecia correcto estarmos todo te da mangueira por estar perto de asfixiar. Já o
Como complemento do curso se- “salvamento do piloto” era menos vio-
guia-se um estágio em Tiburon, pe- lento por ser ao ar livre mas, quando se
queno “Naval Depot” na margem retirava o corpo do mesmo (boneco de
Norte da baía, especialmente dedica- amianto) do avião (mockup) ainda em
do às actividades relacionadas com as chamas (embora já controladas) dei-
“Nets and Booms”. Por circunstâncias tava tanto fumo que a ser verdadeiro
que me transcendem ou de que já não não devia sair com vida!
me lembro, éramos apenas três os alu- Outro exercício (o labirinto) consistia
nos desse estágio: o Alvarenga , eu e o em descer, supostamente à noite, pelo
midshipman Covington da U.S. Navy. interior da ponte de um navio que fora
Esta situação era, sem dúvida, muito atingida, sem iluminação (“destruída”)
agradável. O staff de instrutores era e com o ambiente saturado de gases
formado por oficiais de carreira e o am- tóxicos letais! (e os instrutores afirma-
biente mais descontraído e informal. O Sonares Herald e minas. vam que era mesmo real!) Levávamos
instrutor principal era um 1TEN, obviamente aquele tempo sem fazer nada! Por sugestão do máscaras com provisão de oxigénio com tem-
mais velho que nós e respeitável sob todos os Comandante da Escola poderíamos fazer, igual- po limitado que poucos minutos antes de se
pontos de vista. Qual não foi o nosso espanto mente, dois minicursos de “Fire Fighting” e esgotarem emitiam um aviso sonoro. A desci-
quando, uma noite em que saímos para ir tomar “Damage Control” que coincidiam com aquele da, totalmente às escuras, era facilitada por um
umas bebidas a um bar da vila, deparámos com intervalo. E, obtidas as respectivas autorizações, fio que a acompanhava e que não deveria ser
o nosso bom 1TEN atrás do balcão a fazer de lá iniciámos mais estas duas actividades. perdido em circunstância nenhuma (o fio de
barman! Nós ficámos embaraçados mas rapi- O “fire Fighting” provou ser uma experiên- Ariadne!).Eu fora nomeado para liderar um
damente nos apercebemos de que quem estava cia intensa e altamente exigente em termos fí- pequeno grupo de praças que desceriam co-
à beira de fazer figura de saloio eramos nós! o sicos. O objectivo era o controle e extinção de migo. Tudo bem até que, a meio caminho, co-
nosso amigo, com a maior das naturalidades, incendios a bordo de navios e portaviões onde meço a ouvir o aviso da máscara do indivíduo
cumprimentou-nos, perguntou o que queria- o combustível era constituído por óleo e gasoli- que me seguia, exactamente no sítio em que o
mos tomar e tendo-se apercebido do espanto na de 100 octanas derramados sobre uma vasta fio se interrompia e era necessário dar x passos
que procurávamos ocultar a todo o custo ex- superfície, limitada por uma pequena borda a em determinada direcção. Com a preocupação
plicou, calmamente, que à noite, fora das horas toda a volta por forma a manter o líquido con- de que o oxigénio restante dele não chegasse até
de serviço tinha aquele “job” que, para além tido nessa área e tudo isto no interior de uma ao fim tive um momento de hesitação, ao voltar-
de divertido, lhe dava bons dividendos! Aí nós estrutura supostamente correspondente a um -me para trás, suficiente para que, quando reto-
começamos a compreender que, para os ame- espaço interior, confinado, de um navio. O “fire mei a marcha não reencontrasse o fio! Foi um
ricanos, qualquer trabalho honrado é momento de aflição que nunca mais
válido para qualquer pessoa... Que di- esqueci! Mas enfim, lá o reencontrei e
ferença (para melhor!) da mentalidade o resto da descida foi feito em passo
portuguesa... acelerado até ao ar livre salvador! Hoje
Outro ensinamento que nos foi dado penso no gozo dos instrutores quando
aprender relacionou-se com a tal pri- lhes relatei o sucedido... (Gases asfixian-
meira sensação inicial relativa aos ins- tes? uma treta!)
trutores. A certa altura apareceu uma Igualmente interessante, embora
campanha de segurança rodoviária e menos exigente em termos físicos,
o Comandante decidiu que todos os era o “Damage Control”. Tratava-se,
oficiais deveriam assistir a um briefing lógicamente, de reparar as avarias a
feito por dois polícias de trânzito. Mais que um navio estava sujeito quando
uma vez comentámos “mas o que é atingido por fogo inimigo. Estávamos
isto? agora até temos que aturar os chuis Exercício com bóias. num convés abaixo da linha de água e
do trânzito!” (não esqueçamos que as mentali- party” era composto por dois grupos de indí- os tiros certeiros eram exemplificados por uma
dades nessa época de 1956 não eram iguais às víduos encabeçados, cada um, pelo seu chefe poderosíssima martelada dada pelo instrutor
de hoje...) A verdade é que, mais uma vez, o que manobrava a boca da enorme mangueira. com um pesado malho de ferro no casco do
briefing foi, não só, muito interessante e eluci- Um grupo orientava a mangueira superior, aci- navio. Àquelas sucedia-se, sempre, uma en-
dativo, como a craveira profissional dos “police ma das cabeças do “fire party” a qual mandava trada de água a jorros pelos supostos buracos
officers” era de facto brilhante. A partir daí os um poderosíssimo jacto em forma de spray que abertos que tentávamos vedar com o material
restícios de falso orgulho ainda presentes desa- mantinha as chamas altas para além do grupo. dísponível, madeiras, lonas, desperdício, es-
pareceram de vez! E, mais uma vez, confirmá- O outro manejava a outra mangueira com um tacas, etc. É claro que o exercício acabava por
mos o respeito americano por qualquer tipo de fortíssimo jacto concentrado apontado à base ser uma corrida nossa contra as marteladas do
trabalho honrado. das chamas que ia empurrando para um canto instrutor cuja frequência dependia da disposi-
Entretanto, aproximava-se o fim do estágio, até as encurralar e extinguir. ção daquele! E das duas uma, ou conseguía-
quando fomos informados que o ciclo completo Parece fácil assim descrito mas, na realida- mos manter o nível da água abaixo das coxas
dos cursos de “Harbour Defense” e “Nets and de, era um trabalho árduo, difícil e perigoso. e o navio estava salvo, ou começava aquela a
24 DEZEMBRO 2007 U REVISTA DA ARMADA