Page 385 - Revista da Armada
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dava origem aos chamados engenheiros auxi- O curso versava a Defesa de Portos e com- vindo de sargento, era um homem já mais vé-
liares. No seu primeiro emprego na Califórnia, preendia, fundamentalmente, o estudo dos di- lho. O nosso amigo Khan temperava sempre a
numa empresa de equipamentos hidráulicos, versos equipamentos de detecção e combate sopa com pimenta o que nos intrigava bastan-
foi-lhe pedido que desenhasse o esquema de à infiltração inimiga fora da área porto,dentro te. Resolvemos pregar-lhe a partida e um dia,
uma determinada válvula de pressão. Assim do mesmo, protecção próxima do material na- aproveitando uma sua distracção (provocada,
fez, utilizando os ensinamentos do seu curso vegante nele estacionado e instalação desses claro...), despejámos-lhe o pimenteiro na sopa e
português com o rigor necessário e todas as equipamentos. Compunha-se de uma parte ficámos à espera. Então não é que aquele malan-
cotas e detalhes aplicáveis a tal tarefa. Só o es- de estudo teórico seguida, à boa maneira ame- dro come a sopa toda e comenta que está muito
panto do seu chefe americano o fez compreen- ricana, de um intenso contacto físico com o ma- bem temperada! Afinal os gozados fomos nós...
der que o rigor com que eles trabalhavam es- terial e procedimentos práticos da sua instala- O Cwo Khan regressou ao Paquistão no fim do
tava muito longe da perfeição portuguesa do ção que eram efectuados na baía. Recordo-me curso de “Harbour Defense” e, soubemo-lo de-
seu trabalho! Escusado será dizer que pois, foi um verdadeiro herói ao salvar
a sua ascensão profissional foi rápida e, vários passageiros no acidente aéreo em
quando o conhecemos era sócio princi- que esteve envolvido o Skymaster em
pal numa enorme empresa de máquinas que regressava. Só parou quando as
industriais. Pergunto a mim mesmo se, queimaduras graves de que foi vítima o
hoje em dia, com a eliminação dessas impediram de continuar.
estruturas do ensino nacional, ficámos a Fazendo parte do intercâmbio cul-
ganhar e se um exemplo como este ain- tural, como não podia deixar de ser, os
da seria possível... americanos (os alunos, entenda-se...)
Pois o nosso amigo Adriano enten- foram-nos instruindo na arte da utili-
deu (e muito bem!) que dois portugue- zação do “slung” nacional e nós, claro,
ses na Califórnia, sem carro, não iam a fomos-lhes ensinando o bom vernáculo
parte nenhuma! E empresta-nos um dos português (o mais denso e pesado). Ao
seus carros, um Studebaker de seis cilin- O Curso. fim de algum tempo já todos tinhamos
dros que fez as nossas delícias até nos virmos da demonstração da explosão imensa de uma trocado toda a escala do respectivo palavreado
embora. Ou melhor, fez mais as minhas por- mina submarina, já no mar, à entrada da baía. sem restrições de qualquer espécie. O Alva-
que o Alvarenga não tinha carta de condução. Essas minas, que eram cilindricas com um ta- renga e eu chegávamos às aulas normalmente
Por vezes, trocávamos esse carro pelo outro, manho descomunal, formavam uma “patern” no último minuto antes do instrutor. Era uma
uma moderna “station” Mercury, só em oca- semicircular à entrada do porto e eram accio- forma de descontracção à portuguesa embora
siões especiais. Nesta altura já o embate inicial nadas eléctricamente de acordo com as indica- sempre dentro do rigor exigido. Qual não é o
de admiração incondicional por tudo o que era ções dos sonares “Herald”, submarinos, insta- nosso espanto, um dia, quando, ainda no cor-
americano se começava a transformar numa lados no fundo. redor de acesso, começámos a ouvir um côro
apreciação mais exigente e menos tácita. Co- Sem dúvida, os instrutores sabiam muito bem ensaiado e unísono clamando, em por-
meçavamos a ter a sensação de que nós é que bem o que andavam a fazer e transmitiam os tuguês, as piores obscenidades que se possam
tinhamos capacidade para nos desembara- ensinamentos com simplicidade e clareza. Per- imaginar! Claro que a nossa entrada na sala foi
çarmos de complicações com o nosso habitual cebemos que eram profissionais muito expe- vivamente aclamada no meio de estrondosas
“desenrascanso” e que os americanos apenas rientes e competentes e a sensação inicial, pro- gargalhadas!
resolviam os seus problemas com todos os pro- vocada na apresentação do curso, rapidamente Ao longo do tempo, como é natural nestas
cedimentos estritamente “by the book”. se desvaneceu. situações, foram-se criando amizades mais só-
Mas regressemos à Escola e vejamos como Quando, já totalmente ambientados, nos lidas e, comnosco, alinhava sempre o midshi-
funcionava. Os “alunos” eram de várias nacio- sentíamos perfeitamente à vontade dentro do pman Steven Boyle que, claramente, destoava
nalidades, para além de nós, desde espanhóis curso e com a juventude própria das nossas pela positiva do conjunto “rag tag” dos outros
até paquistaneses passando pelos coreanos do idades e dos ainda mais jovens americanos, co- americanos. Com ele conhecemos outros jovens
Sul. Os postos, entre da sociedade civil,
os estrangeiros, iam pessoal amigo com
de 2TEN até Lt./com- quem privámos em
mander (caso de um agradáveis tardes e
dos espanhóis) e eram almoçaradas. Através
todos oficiais de car- desses contactos, tive-
reira. Já com os ame- mos acesso a eventos
ricanos a situação era desportivos na Uni-
totalmente diferente versidade de Stanford
sendo todos “non re- onde, pela primeira
gular” (milicianos na vez, assistimos a par-
nossa terminologia) e Intercâmbio social. tidas de “rugby” e à
não mais graduados actuação vistosa e en-
que “midshipman”, de uma maneira geral meçaram as habituais partidas sempre presen- graçada das “marjorette girls” de cada facção.
mais novos que o resto do grupo. A apresenta- tes em aglomerados desta natureza. Os almo- Até um índio verdadeiro com plumagens a ri-
ção do curso foi feita pelo único oficial de car- ços eram no Mess Hall dos oficiais, em regime gor fazia parte do show. Nos tempos livres, fa-
reira presente, Mr. Blanc, Lt./jg. USN, que nos de self service e a comida era boa mas muito ao zíamos excursões automobilísticas pelos princi-
apresentou os instrutores, normalmente todos gosto americano. Lembro-me das risadas dos pais pontos turísticos ao nosso alcance. Recordo
“sargeant” ou “Chief master/sargeant”. Esse funcionários filipinos que serviam os pratos a beleza natural do Lake Tahoe, o parque das se-
facto desiludiu-nos um bocado (ao Alvarenga ao balcão quando, face ao milho que, habitu- quóias gigantes e a própria cidade com o “Tele-
e a mim). Então, que diabo, aquilo era um curso almente, fazia parte dos acompanhamentos, graph Hill”, o “Fisherman`s Wharf”, o “Embar-
para oficiais ou para sargentos? Mas em breve nós exclamávamos: “That`s chicken stuff ! we cadero”, as “Seal Rocks” etc. Com um camarada
compreederíamos a questão que, aliás, se viria don`t want that!”. da USAF, que era navegador nos então secretos
a confirmar, mais para diante, em circunstancias Comnosco comia sempre o Cwo (chief war- B-36, fomos até Sacramento no intuito (gora-
diferentes que também relatarei. rant officer) Lal Khan, paquistanês que, tendo do...) de ver aqueles aviões. Ficámos pelas vis-
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