Page 387 - Revista da Armada
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subir-nos pela  cintura acima e o navio estava  grande antecedência. Feito o despacho (simples  mento deve ter compreendido o motivo da mi-
         perdido! É óbvio que o único inconveniente  nesses tempos...) resolvemos ir almoçar no res-  nha corrida já reiniciada em sentido contrário.
         era sairmos dali enxarcados...      pectivo restaurante e, depois de retirarmos o ta-  Atravesso tudo outra vez,  em corrida sempre
           E assim chegou, finalmente, a hora do curso  lim e encostarmos as espadas a um canto, inici-  acelerada, sem ser detido, conseguindo,  entre-
         “Operations”. Curiosamente, sempre que mu-  ámos a nossa última refeição americana. Perto  tanto, ver e perceber risos nos espectadores de
         dávamos de actividade, nunca íamos encontrar  da hora do embarque, sem pressas (os américas  tão inusitada cena que, ao verem as espadas
         os mesmos camaradas de curso... Mas, em con-  são uns contraídos, sempre com as pressas...), lá  também eles, certamente, compreederam o
         trapartida, surgiam novas surpresas por vezes  fomos para o avião onde todos os passageiros já  porquê da correria (poderia isto acontecer hoje
         bem interessantes. Nesta nova fase do ciclo um  tinham embarcado. À porta estava a hospedeira  em dia?). Atravesso a placa, sempre a correr,
         dos “alunos” era um Lt./commander japonês.  que nos dizia para entrarmos. Mas ainda falta-  para chegar ao avião já com os quatro motores
         Já ao longo do curso falou-se em Pearl Harbour,  va um pequeno pormenor: Havia que registar  a trabalhar e a escada de acesso retirada! Oh
         nas defesas do porto                                                                    diabo! Digo ao oficial
         e no ataque japonês                           S. Francisco                              de pista “the ladder,
         que, como se sabe, foi                                                                  the ladder!” Mas o fu-
         precedido por uma                                                                       lano, um dos tais do
         mal sucedida pene-                                                                      “by the book” recu-
         tração por “midget                                                                      sa-se a pôr a escada e,
         submarines”. O ins-                                                                     nesse momento, pas-
         trutor, já não muito                                                                    sa-me pela cabeça a
         novo, começou a con-                                                                    repetição da cena em
         tar que , embarcado                                                                     Karachi: Aqui estou
         num destroyer, estive-                                                                  eu fardado de azul,
         ra a atacar, com bom-  Bay Bridge.                   Golden Gate Bridge.                com duas espadas na
         bas de profundidade, ecos submarinos detecta-  aqueles últimos momentos nos E.U.A.   mão e sem um tostão na algibeira! Tenho mes-
         dos pelo sonar do navio. O japonês diz: eu sei   O Alvarenga tinha a sua máquina de filmar  mo que entrar no avião!
         porque estava lá, pertencia à guarnição de um  preparada e, assim, dissemos à hospedeira que   E é aqui que entra em conflito aberto a teo-
         desses submarinos que conseguiu sobreviver!  eram só mais uns segundos para filmarmos  ria do “by the book” dos américas e o bom
         E palavra puxa palavra concluiram que o des-  cada um de nós a subir a escada do avião. E,  “desenrasca” à portuguesa. À porta do avião
         troyer  tinha atacado o seu submarino, embora  sem ouvirmos as queixas dela, o Alvarenga,  estava o Alvarenga, a hospedeira e um pas-
         sem sucesso (como era evidente...).  do cimo da escada, filmou-me a mim a subir  sageiro americano bem intencionado (como
           Este curso foi, de facto, a parte mais importan-  e, quando cheguei lá acima agarrei eu na má-  se verá). Tiro o boné e grito “eh pá apanha!”
         te de todo o ciclo em termos de aplicação futura  quina enquanto ele descia as escadas para co-  Agarro nas espadas e repete-se a cena, “agora
         por um oficial em funções de comando. Essen-  meçar a subir e ser filmado por sua vez. Mas,  estas!” tiro o dolman  idem e, por fim,  o Alva-
         cialmente tratava do planeamento integral da  no meio desta operação, olhando pelo visor  renga e o outro passageiro esticam os braços,
         defesa de um porto e condução das operações  da máquina, reparo, com espanto, que ele não  eu atiro-me para cima, eles agarram-me pelos
         em ambiente de conflito. Os participantes eram  trazia a espada! Instintivamente levo a mão à  pulsos e começam a içar-me. Estava resolvido
         divididos em pequenos grupos e iniciavam os  cintura e... horror! Eu também não tinha a mi-  o problema, com enorme assistência do edifí-
         trabalhos sobre um porto à escolha. Claro que o  nha! Olhámos um para o outro e, nestas coisas,  cio do terminal que, penso eu, deveriam es-
         meu grupo escolheu Lisboa e o planeamento foi  (como em outras...) a antiguidade é um posto!  tar satisfeitos pelo feliz desenlace! Mas qual o
         feito sem restrições orçamentais pelo que, se o  Olho para a hospedeira e lanço-lhe, já em fuga  quê? O oficial de pista sente-se ofendido na sua
         estudo se tornasse realidade o nosso porto prin-  “I`m gonna get the swords! just another few  autoridade e vá de se atirar à minha cintura e
         cipal seria, sem dúvida, inexpugnável por mar  seconds!” ela ainda tentou protestar mas eu já  começar a puxar para baixo! As minhas calças
         ! Quando, mais tarde, já no continente,                                     começam a descer e eu, já desespera-
         fui destacado para o Comando da Defe-                                       do, começo a invectivá-lo com as pio-
         sa Marítima do Porto de Lisboa tive que                                     res obscenidades (portuguesas) que a
         me limitar a sonhar em como seria inte-                                     gravidade do momento sugeria. Antes
         ressante poder aplicar à realidade o que                                    de ficar mesmo em cuecas acabo por
         aprendera lá fora... Ficámos pelos “Nets                                    cair. Neste momento os dois motores
         and Booms” e já nâo foi mau.                                                esquerdos do avião param, o coman-
           E enfim, para terminar esta já longa                                       dante surge à porta e, dirigindo-se ao
         conversa resta-me recordar o último                                         oficial de pista, diz: “put the ladder!”
         episódio hilariante que encerrou as                                         O homem fica mais vermelho que um
         nossas actividades em terras ameri-                                         pimento e obedece sem pestanejar. Eu
         canas. Regressámos a Nova York em                                           subo a escada lentamente, pleno de
         Fevereiro de 1957, na Pan American, e                                       vitória e, no meio, volto-me para ele e
         passámos  alguns dias de intervalo na-                                      digo: “good bye my friend!” Ao entrar
         quela cidade, que diferiam dos da che-  O então CMG Sarmento Rodrigues com o Mayor de S. Francisco.  no avião sou recebido por uma salva de
         gada porque, nessa, tratava-se de dois “bim-  ia disparado pela escada abaixo, atravessando  palmas de todos os passageiros! Como é óbvio,
         bos” ignorantes das coisas da terra do Tio Sam  a placa de estacionamento em corrida acelera-  fui agradecer ao comandante.
         e, na partida, já se tratava de dois “experts” a  da, cruzando os controles todos, sem me deter,   E aqui fica demonstrado à evidência como
         quem “os américas” não vinham ensinar nada,  apenas gritando “the swords!” perante os fun-  o nosso  sistema do “desenrasca” supera, nas
         antes pelo contrário tinham muito para apren-  cionários estupefactos que deviam pensar que  situações difíceis, o que de bom tem o sistema
         der comnosco!                      eu tinha enlouquecido! Penso no que acontece-  do “by the book”.
           O nosso vôo de regresso, também num DC-7,  ria hoje em dia a um desgraçado que repetisse   E com esta história passada terminam as mi-
         estava marcado para depois do almoço a horas  esta façanha... Já não estaria cá para contar!   nhas aventuras navais porque daqui para a fren-
         que já não recordo. Depois de nos termos apre-  Entro pelo restaurante dentro, sempre em  te passam a ser aeronáuticas!
         sentado, no mesmo departamento que à chega-  corrida e, perante o espanto dos comensais,              Z
         da, com farda um e espadas (era assim...) mar-  vou ao tal canto e lá estavam elas! “The swor-  Tomás George Conceição Silva
         chámos para o aeroporto onde chegámos com  ds” ainda exclamo para a geral que nesse mo-      General da F.A.P.
                                                                                    REVISTA DA ARMADA U DEZEMBRO 2007  25
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