Page 382 - Revista da Armada
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A MARINHA DE D. JOÃO III (29)



          São Francisco Xavier: um percurso até à Índia.
           São Francisco Xavier: um percurso até à Índia.





















         Panorama de Lisboa e partida de S. Francisco Xavier para a Índia.
         Autor desconhecido – Séc. XVIII. Noviciado da Cotovia, MNAA.

              arecerá, à primeira vista, surpreen-  das a jovens portugueses. Gouveia foi uma   Ali se encontravam quando lhes chegou o
              dente que a figura de S. Francisco Xa-  figura notável, com um prestígio académico  convite para levarem a sua acção missionária à
         Pvier surja relacionado com a Marinha  de grande relevo, e um papel determinante  Índia, supondo-se que na origem deste pedido
         de D. Jo ão III, mas há razões importantes para  nas relações entre Portugal e a França numa  esteja uma carta do bispo D. Jerónimo Osório
         que tal aconteça. Em boa verdade é incontorná-  altura em que as rivalidades entre Carlos V  dirigida ao velho perfeito de S. Bárbara, Diogo
         vel a observação do seu percurso até Portugal,  e Francisco I punham permanentemente em  Gouveia, onde falava da conversão dos mala-
         à Índia e ao Extremo Oriente, porque ele reve-  p erigo a neutralidade portuguesa.   bares e das carências de quem desenvolvesse
         la uma faceta do espírito com que as viagens   O Colégio de Santa Bárbara foi um dos mais  a acção missionária. O conteúdo da carta foi
         ultramarinas foram encaradas na Europa, per-  reputados de Paris, colocando-se no centro dos  enviada a Simão Rodrigues, e entusiasmou
         mitindo analisar uma fonte privilegiada dessas  mais importantes debates da época. Nele lec-  o grupo de jovens padres recém-ordenados
         mesmas viagens, como é a vastíssima corres-  cionou, por exemplo, a figura de Jean Fernel,  que procuravam uma missão de grande vul-
         pondência dos jesuítas para os seus superiores  ilustre matemático que publicou, nos anos vinte  to. D. João III formalizaria, entretanto, o con-
         na Europa. São relatos regulares e pormenori-  do século, várias obras de matemática e astro-  vite por carta que fez chegar a Inacio, através
         zados da vida quotidiana e dos quadros sociais  nomia, onde referiu com particular atenção a  do embaixador português em Roma, D. Pedro
         onde circulavam os navios e marinheiros por-  prática náutica portuguesa. E Francisco Xavier  de Mascarenhas. Foi decidido que partiria de
         tugueses, permitindo uma excelente reconstru-  presenciou tudo isto, como presenciou também  imediato para Lisboa, por via marítima, e outro
         ção dos espaços que foram palco da aventura  o violento debate entre Beda e Erasmo, no auge  padre deveria vir com o próprio D. Pedro, por
         quinhentista. Comecemos, pois, por observar  dos conflitos entre católicos e reformadores que  terra, quando este regressasse à pátria. A pri-
         o percurso de um missionário estrangeiro do  levou à prisão e à morte muitos apaixonados  meira escolha recaiu sobre Nicolas Bobadilla,
         século XVI, tentando compreender como ele  defensores de ambas as partes. Foi, aliás, neste  um jovem de nacionalidade castelhana, ausen-
         próprio foi fascinado pelas navegações por-  ambiente que nasceu o grupo de estudantes e  te no reino de Nápoles, mas a doença deste fez
         tuguesas e como lhe foi crescendo a vontade  mestres da faculdade parisiense que, sob o pa-  com que avançasse Xavier, que aceitou a decisão
         de viajar até ao Oriente.          trocínio espiritual de Inácio de Loyola, se reunia  com grande entusiasmo e esperança.
           Francisco nasceu em 1506, no “solitário cas-  mensalmente junto a uma capela erigida no su-  Em Julho de 1540 chegou a Lisboa, foi rece-
         telo” de Xavier, encravado num pequeno pe-  posto local do martírio de Saint Denis, na colina  bido pelo rei e alojado com Simão Rodrigues
         nhasco ,sobranceiro a uma passagem estraté-  de Montmartre [de Mont Martyr ou monte dos  numa casa situada no Rossio, Em frente ao
         gica entre Navarra e Aragão, sobre caminhos  mártires], onde juraram os votos que viriam a  Hospital de Todos os Santos e perto do palá-
         danados e terríveis, onde invernos gelados e  ser a base da Companhia de Jesus. Um dos par-  cio dos Estaus, onde vivia o rei. D. João III ficou
         sombrios alternavam com verões de sobressal-  ticipantes foi o português Simão Rodrigues de  bastante impressionado com a dimensão inte-
         to, marchas de soldados e pilhagens. Com 19  Azevedo, que também frequentara o Colégio  lectual e humana dos dois jesuítas, e pretendeu
         anos partiu para Paris onde começou a estudar  de Santa Bárbara.      que eles ficassem em Portugal, com o objectivo
         filosofia no Colégio de Santa Bárbara, prova-  Em 1534 Inácio deixou Paris e, em 1536,  de fundar em Coimbra um colégio de estudan-
         velmente com a secreta ambição de vir a ocu-  os restantes companheiros partiram também  tes à imagem de Santa Bárbara. Foi trocada cor-
         par um elevado cargo eclesiástico, para o qual  com o objectivo de alcançar a Terra Santa em  respondência com Roma, tendo em vista os no-
         chegou a ser convidado alguns anos mais tarde,  peregrinação. Atravessaram todo o continen-  vos planos do rei português, decidindo-se que
         mas que recusaria liminarmente. O Colégio de  te e alcançaram Veneza no princípio de 1537,  Simão ficaria em Portugal, mas Xavier partiria
         Santa Bárbara era um dos muitos colégios da  esperando poder embarcar num navio que os  para a Índia tão breve quanto fosse possível.
         Universidade parisiense, situado no coração do  levasse à Palestina. O Mediterrâneo vivia, con-  Assim aconteceu na armada do ano de 1541,
         Quartier Latin, muito perto dos mais importan-  tudo, sob a ameaça turca e a república venezia-  no navio de Martim Afonso de Sousa, que ia
         tes acontecimentos culturais vividos pela Eu-  na não escapou ao bloqueio dos navios de Bar-  destinado ao cargo de governador. Começava
         ropa do princípio do século XVI. Dirigia-o um  baroxa. Tiveram de ficar por Itália, centrando a  a peregrinação oriental de S. Francisco Xavier
         prestigiado prelado português, de nome Diogo  sua actividade em Roma, onde se colocaram à  que terá continuidade na próxima revista.
         Gouveia, natural de Beja, figura muito próxima  disposição do Papa Paulo III, esperando o re-          Z
         do rei D. João III, de quem obteve o financia-  conhecimento pontifício da congregação que   J. Semedo de Matos
         mento para várias bolsas de estudo destina-  queriam formar.                                      CFR FZ

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