Page 384 - Revista da Armada
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Histórias de um velho marinheiro aviador
            Histórias de um velho marinheiro aviador

                             nos E.U.A. na década de 50
                             nos E.U.A. na década de 50

              m Julho de 1956, depois de ter vindo  trangeiros da NATO e não só, que transitavam   Aí começaram as nossas patadas na gramá-
              da Índia no “Faial”, fui chamado à Su-  para os vários destinos e, face ao adiantado da  tica... É claro que a sensação de liberdade de ex-
         Eperintendência do Pessoal onde me foi  nossa chegada relativamente à data de início do  pressão permitida a dois indíviduos que falam
         perguntado se era voluntário para ir para os  curso, sondámos o funcionário que nos recebeu  uma língua que ninguém entende, leva, por
         E.U.A. afim de frequentar o curso de Defesa de  (civil) sobre a possibilidade de atravessarmos  vezes, a excessos inconvenientes... E foi assim
         Portos em S. Francisco da Califórnia. Escusado  o País, até à costa leste, de combóio. Assim te-  que, a certa altura, uma respeitável senhora,
         será dizer que a idéia de ir para a costa leste era  riamos oportunidade de passar pelo seu inte-  de idade avançada, veio ter comnosco e disse:
         demasiado tentadora para que quaisquer ou-  rior. O orçamento da viagem de avião cobria,  “Eu não percebo o que os senhores estão a di-
         tras considerações mais avisadas me levassem  em excesso, o custo daquela pretensão e assim  zer mas aquela jóvem sentada ao meu lado fica
         a reflectir melhor naquilo que isso traduziria  foi-nos logo autorizada a mudança. Embarca-  muito corada com o que está a ouvir!” A jóvem
         para o meu  futuro naval, de maneira                                        era brasileira e não devia nada à beleza
         que, de imediato, respondi afirmati-                                         para além de exibir uma capilaridade
         vamente. Iria também comigo o 2TEN                                          excessiva em lugar onde não devia ter
         João Carlos Sherman de Macedo Alva-                                         nenhuma... e os nossos comentários
         renga, meu camarada de Escola Naval                                         não a pouparam! Felizmente o episó-
         do curso à minha frente.                                                    dio deu-se no início da viagem o que
           Depois das habituais formalidades                                         nos permitiu, durante os dias seguin-
         que uma deslocação desse tipo sempre   O Constellation, topo de gama à época.  tes, enchê-la de amabilidades e fazê-la
         acarreta, recebemos guia de marcha                                         esquecer aquela triste entrada! Afinal,
         para a embaixada de Washington e, a 28 de                             a moça compensava a ausência de beleza com
         Julho, embarcávamos na Portela de Sacavém                             grande simpatia e, até ao nosso destino, foi uma
         a bordo de um Constellation da TWA que, na                            companhia encantadora! Depois de uma para-
         época, representava o que de mais avançado                            gem em Chicago que nos permitiu uma curta
         havia em transporte aéreo. O que hoje é uma                           volta pela cidade, seguimos viagem chegando
         rotina sem interesse e até aborrecida, com os de-                     a S. Francisco três dias depois.
         morados despachos de bagagem e as apertadas                             A nossa Escola era em Treasure Island para
         exigências de segurança  até ao embarque, era,                        onde rápidamente fomos despachados e alo-
         nessa altura, um processo muito mais simples                          jados nos habituais B.O.Q. (bachelor officers
         mas igualmente muito excitante para quem                              quarters), aguardando o início do curso que
         nunca tinha viajado de avião comercial. A via-                        começava na semana seguinte. A ilha ficava no
         gem era demorada, com escala em Sta. Maria   Diploma.                 meio da baía ligada por pontes  a S.Francisco,
         onde o avião abastecia e durava, no total, cerca                      por um lado e a Oakland pelo outro. À frente
         de onze horas! Mas dava direito a um diplo-  ríamos  no famoso “Santa Fé” três dias depois.  da mesma ficava a ilha prisão de Alcatrás, nes-
         ma assinado pelo “Executive Vice President of  Alojámos num hotel da Rua 42 e, para além do  se tempo ainda a funcionar.  Logo nesse fim
         TWA”  que autenticava que o Sr. Fulano de Tal  óbvio turismo diário eu, que nessa idade apre-  de semana apareceu na base uma senhora que
         “Hath flown the Aerial Course by Twa Skyliner  ciava o bom jazz, passei aquelas noites num  pertencia a uma qualquer organisação de re-
         over Oceanus Atlanticus” na data tal, de Lisboa  clube nocturno onde as “jam sessions” eram,  cepção de oficiais estrangeiros e nos convidou
         para New York, etc. Ainda hoje o conservo.  de facto, notáveis!       para a acompanharmos a um “barbecue” numa
         Actual mente, o transporte aéreo em certas com-  No dia da partida, da famosa Central Station,  “farm” de pessoas amigas. Assim, mesmo an-
         panhias mais expeditas é como andar de auto-  verificámos que as “roomettes” que nos tinham  tes de iniciarmos as actividades profissonais,
         carro com o bilhete comprado a bordo...  sido atribuidas eram muito confortáveis com  começámos com as sociais, não menos interes-
           Chegados a Nova York tudo nos parecia fan-  um compartimento em que um óptimo “fau-  santes. E também a comunidade portuguesa
         tástico, moderno, eficiente e grandioso e, embo-  teille” se desdobrava, à noite, em cama e, num  se preocupou, desde logo, em nos apaparicar
         ra já lá tivesse estado, primeiro na viagem de  pequeno anexo, tinhamos a necessária casa de  e, pouco tempo após a nossa chegada,  eramos
         cadetes do 2º ano, a bordo do Gonçalves Zarco  banho. Muito mais cómodo que o avião! As  convidados para vários eventos sociais no âma-
         e, depois, já 2TEN, a bordo do S. Brás, a estadia  refeições eram tomadas no vagão restaurante  go da mesma.
         com perspectivas de uma longa permanência  e, durante o dia, a paisagem era apreciada nas   Mas, especial mesmo, foi a amizade do nos-
         sempre tinha outro sabor. Apresentámo-nos  poltronas do “vista dome” que era uma área  so compatriota Adriano da Silva. Português
         num departamento da Marinha encarregado  envidraçada por cima do tecto das carruagens   emigrado para os E.U.A., fizera, em Portugal,
         das formalidades de chegada dos elementos es-  permitindo uma visão total do exterior.  o curso do Instituto Industrial que nessa época















          New York – 5ª Avenida.             Santa Fé.                         Sacramento.

         22  DEZEMBRO 2007 U REVISTA DA ARMADA
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