Page 122 - Revista da Armada
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A dura realidade da Pirataria marítima
A dura realidade da Pirataria marítima
ctualmente considera-se que mais de a) Um navio em alto mar ou pessoas ou bens de 1983, a qual veio reflectir a grande preocu-
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90% do comércio mundial é trans- a bordo do mesmo; pação dos governos com o crescente aumento
Aportado por via marítima, envolvendo b) Um navio, pessoas ou bens em lugar não da «Pirataria», ao mesmo tempo que os incutia
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cerca de 50.214 navios mercantes de carga. submetido à jurisdição de algum Estado. a considerarem este assunto como alta priori-
Estes navios são tripulados por cerca de 1 mi- 2) Todo o acto de participação voluntária na dade e a tomarem as medidas necessárias para
lhão de homens de quase todas as nações do utilização de um navio ou de uma aeronave, a prevenção e supressão deste tipo de actos nas
mundo. O comércio por mar tornou-se vital quando aquele que o pratica tenha conheci- suas águas, ou em águas adjacentes, devendo
para o crescimento e sustentação económica mento de factos que dêem a esse navio ou a estas medidas, se necessário, incluir mesmo o
de muitos Estados. Se atendermos a que um essa aeronave o carácter de navio ou aerona- uso da força. Esta resolução convidava tam-
navio porta contentores transporta, em média, ve pirata; bém os governos a alertarem os seus arma-
o equivalente a 10.000 camiões de Transporte 3) Toda a acção que tenha por fim incitar ou dores, operadores, capitães e tripulações para
Internacional Rodoviário (TIR) e que um navio ajudar intencionalmente a cometer um dos ac- tomarem medidas para prevenir, ou minimizar
graneleiro leva cerca de 200.000 toneladas de tos enunciados na alínea 1) ou 2). actos de «Pirataria», assim como passarem a
trigo, o que dá para alimentar cer- dar conhecimento oficial desses
ca de 500.000 pessoas durante mesmos actos, indicando o local
um ano, torna-se impossível ima- e circunstâncias dos mesmos.
ginar o comércio mundial sem Em Abril de 1984, devido à sua
navios. Perante estes números e relevância, o MSC passou a consi-
tendo em conta o crescente au- derar a «Pirataria» como um ele-
mento do comércio internacional mento separado e permanente
por mar, não restam dúvidas que do seu programa de trabalho. Os
os actos ilícitos de «Pirataria» e governos passaram então a fazer
«Assaltos à Mão Armada Contra chegar informação detalhada re-
Navios» (AMACN), representam lativa a este tipo de incidentes. Ac-
uma ameaça crescente e de extre- tualmente o IMB emite relatórios
ma perigosidade para a segurança trimestrais e anuais sobre este tipo
marítima, atendendo sobretudo de actos, enquanto a IMO emite
à sua imprevisibilidade e conse- relatórios mensais. A informação
quências. fornecida por ambas, normalmen-
te é coincidente.
A EVOLUÇÃO O Estreito de Malaca. Em 1986, o MSC decidiu co-
DA LEI INTERNACIONAL meçar a enviar os relatos dos in-
Mais uma vez, a «Pirataria» no mar territo- cidentes para os portos e respectivos estados
O uso do termo “pirata”, para descrever rial não foi considerada na legislação. Devido costeiros, para obtenção de comentários e re-
aqueles que pilhavam os navios, remonta à ao incremento destes actos, em 1983, a Suécia comendações.
Grécia antiga. A «Pirataria» marítima, apesar submeteu um documento de trabalho ao Mari- Face ao crescente aumento deste tipo de ac-
de ser um fenómeno com séculos de existên- time Safety Committee (MSC) da International tos ilegais, a IMO adoptou em 1991 a resolução
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cia, só muito recentemente tem tido um enqua- Maritime Organization (IMO), que alertava A.683(17) , que instigava os governos a comu-
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dramento legal a nível internacional. Embora a para o crescimento alarmante do número de nicarem todos os actos ilícitos praticados con-
«Pirataria» já fosse julgada em muitos Estados, ataques de «Pirataria», sendo que, a maioria tra os navios com a sua bandeira, assim como a
à luz da lei internacional, só com a Convenção deles tinham lugar à noite nos navios fundea- aumentarem os esforços para prevenir e reprimir
do Mar Alto , realizada em Genebra em 1958, dos na costa Oeste de África, quando aguar- estes actos nas suas águas.
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se adoptou finalmente uma definição para esta. davam por atracação. O International Maritime Em 1993, foi adoptada a resolução
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Essa, apesar de pioneira, não era su- A.738(18) que recomendava aos
ficientemente abrangente, pois não capitães dos navios que reportassem
considerava os actos que ocorressem de imediato os ataques ou ameaças
no mar territorial, o que colocava os destes para o centro de busca e coor-
piratas que cometessem tais actos denação mais próximo e que por sua
neste, numa situação de impunidade vez, estes difundissem de imediato
total à luz da lei internacional. esta informação para a navegação nas
As Nações Unidas reconhecendo a proximidades e para as autoridades
importância da segurança dos navios, de segurança mais próximas.
incluindo a das suas tripulações, no O crescente aumento dos actos de
que se refere ao exercício do direito «Pirataria» em águas territoriais, levou
de navegação previsto, aproveitou a a IMO a legislar de forma a suprir o va-
anterior definição da Convenção de zio legislativo então existente para este
1958 e definiu «Pirataria», no seu Ar- «Pirataria/AMACN» - Ataques ou tentativa destes a nível mundial, entre tipo de actos nestas águas. Surge en-
tigo 101º, da Convenção das Nações 1991 e 2007. tão, em 2001, a resolução A.922(22) ,
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Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), de Bureau (IMB), que foi estabelecido pela Inter- que passou a classificar como «Assaltos à Mão
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10 de Dezembro de 1982, da seguinte forma: national Chamber of Commerce (ICC), em Armada Contra Navios», os actos ilícitos come-
1) Todo o acto ilícito de violência ou de de- 1979, principalmente para lidar com a fraude tidos no mar territorial, nas águas arquipelági-
tenção, ou todo o acto de depredação cometi- marítima, reconheceu que esses ataques já vi- cas, nos portos e até em águas interiores. Esta
dos, para fins privados, pela tripulação ou pelos nham a ter lugar desde 1970. Nesta sequência, resolução considera os «AMACN» como “Todo
passageiros de um navio ou de uma aeronave o MSC preparou um draft dum documento, o acto ilícito de violência ou de detenção, ou
privados, e dirigidos contra: que serviu de base para a resolução A.545(13) todo o acto de depredação, ou ameaça dis-
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12 ABRIL 2008 U REVISTA DA ARMADA