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A dura realidade da Pirataria marítima
            A dura realidade da Pirataria marítima

              ctualmente considera-se que mais de   a) Um navio em alto mar ou pessoas ou bens  de 1983, a qual veio reflectir a grande preocu-
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              90%  do comércio mundial é trans-  a bordo do mesmo;             pação dos governos com o crescente aumento
         Aportado por via marítima, envolvendo   b) Um navio, pessoas ou bens em lugar não  da «Pirataria», ao mesmo tempo que os incutia
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         cerca de 50.214  navios mercantes de carga.  submetido à jurisdição de algum Estado.  a considerarem este assunto como alta priori-
         Estes navios são tripulados por cerca de 1 mi-  2) Todo o acto de participação voluntária na  dade e a tomarem as medidas necessárias para
         lhão de homens de quase todas as nações do  utilização de um navio ou de uma aeronave,  a prevenção e supressão deste tipo de actos nas
         mundo. O comércio por mar tornou-se vital  quando aquele que o pratica tenha conheci-  suas águas, ou em águas adjacentes, devendo
         para o crescimento e sustentação económica  mento de factos que dêem a esse navio ou a  estas medidas, se necessário, incluir mesmo o
         de muitos Estados. Se atendermos a que um  essa aeronave o carácter de navio ou aerona-  uso da força. Esta resolução convidava tam-
         navio porta contentores transporta, em média,  ve pirata;             bém os governos a alertarem os seus arma-
         o equivalente a 10.000 camiões de Transporte   3) Toda a acção que tenha por fim incitar ou  dores, operadores, capitães e tripulações para
         Internacional Rodoviário (TIR) e que um navio  ajudar intencionalmente a cometer um dos ac-  tomarem medidas para prevenir, ou minimizar
         graneleiro leva cerca de 200.000 toneladas de  tos enunciados na alínea 1) ou 2).  actos de «Pirataria», assim como passarem a
         trigo, o que dá para alimentar cer-                                            dar conhecimento oficial desses
         ca de 500.000 pessoas durante                                                  mesmos actos, indicando o local
         um ano, torna-se impossível ima-                                               e circunstâncias dos mesmos.
         ginar o comércio mundial sem                                                     Em Abril de 1984, devido à sua
         navios. Perante estes números e                                                relevância, o MSC passou a consi-
         tendo em conta o crescente au-                                                 derar a «Pirataria» como um ele-
         mento do comércio internacional                                                mento separado e permanente
         por mar, não restam dúvidas que                                                do seu programa de trabalho. Os
         os actos ilícitos de «Pirataria» e                                             governos passaram então a fazer
         «Assaltos à Mão Armada Contra                                                  chegar informação detalhada re-
         Navios» (AMACN), representam                                                   lativa a este tipo de incidentes. Ac-
         uma ameaça crescente e de extre-                                               tualmente o IMB emite relatórios
         ma perigosidade para a segurança                                               trimestrais e anuais sobre este tipo
         marítima, atendendo sobretudo                                                  de actos, enquanto a IMO emite
         à sua imprevisibilidade e conse-                                               relatórios mensais. A informação
         quências.                                                                      fornecida por ambas, normalmen-
                                                                                        te é coincidente.
         A EVOLUÇÃO                 O Estreito de Malaca.                                 Em 1986, o MSC decidiu co-
         DA LEI INTERNACIONAL                                                           meçar a enviar os relatos dos in-
                                              Mais uma vez, a «Pirataria» no mar territo-  cidentes para os portos e respectivos estados
           O uso do termo “pirata”, para descrever  rial não foi considerada na legislação. Devido  costeiros, para obtenção de comentários e re-
         aqueles que pilhavam os navios, remonta à  ao incremento destes actos, em 1983, a Suécia  comendações.
         Grécia antiga. A «Pirataria» marítima, apesar  submeteu um documento de trabalho ao Mari-  Face ao crescente aumento deste tipo de ac-
         de ser um fenómeno com séculos de existên-  time Safety Committee (MSC) da International  tos ilegais, a IMO adoptou em 1991 a resolução
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         cia, só muito recentemente tem tido um enqua-  Maritime Organization  (IMO), que alertava  A.683(17) , que instigava os governos a comu-
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         dramento legal a nível internacional. Embora a  para o crescimento alarmante do número de  nicarem todos os actos ilícitos praticados con-
         «Pirataria» já fosse julgada em muitos Estados,  ataques de «Pirataria», sendo que, a maioria  tra os navios com a sua bandeira, assim como a
         à luz da lei internacional, só com a Convenção  deles tinham lugar à noite nos navios fundea-  aumentarem os esforços para prevenir e reprimir
         do Mar Alto , realizada em Genebra em 1958,  dos na costa Oeste de África, quando aguar-  estes actos nas suas águas.
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         se adoptou finalmente uma definição para esta.  davam por atracação. O International Maritime   Em 1993, foi adoptada a resolução
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         Essa, apesar de pioneira, não era su-                                        A.738(18)  que recomendava aos
         ficientemente abrangente, pois não                                            capitães dos navios que reportassem
         considerava os actos que ocorressem                                          de imediato os ataques ou ameaças
         no mar territorial, o que colocava os                                        destes para o centro de busca e coor-
         piratas que cometessem tais actos                                            denação mais próximo e que por sua
         neste, numa situação de impunidade                                           vez, estes difundissem de imediato
         total à luz da lei internacional.                                            esta informação para a navegação nas
           As Nações Unidas reconhecendo a                                            proximidades e para as autoridades
         importância da segurança dos navios,                                         de segurança mais próximas.
         incluindo a das suas tripulações, no                                          O crescente aumento dos actos de
         que se refere ao exercício do direito                                        «Pirataria» em águas territoriais, levou
         de navegação previsto, aproveitou a                                          a IMO a legislar de forma a suprir o va-
         anterior definição da Convenção de                                            zio legislativo então existente para este
         1958 e definiu «Pirataria», no seu Ar-  «Pirataria/AMACN» - Ataques ou tentativa destes a nível mundial, entre   tipo de actos nestas águas. Surge en-
         tigo 101º, da Convenção das Nações   1991 e 2007.                            tão, em 2001, a resolução A.922(22) ,
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         Unidas sobre o Direito do Mar  (CNUDM), de  Bureau (IMB), que foi estabelecido pela Inter-  que passou a classificar como «Assaltos à Mão
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         10 de Dezembro de 1982, da seguinte forma:  national Chamber of Commerce  (ICC), em  Armada Contra Navios», os actos ilícitos come-
           1) Todo o acto ilícito de violência ou de de-  1979, principalmente para lidar com a fraude  tidos no mar territorial, nas águas arquipelági-
         tenção, ou todo o acto de depredação cometi-  marítima, reconheceu que esses ataques já vi-  cas, nos portos e até em águas interiores. Esta
         dos, para fins privados, pela tripulação ou pelos  nham a ter lugar desde 1970. Nesta sequência,  resolução considera os «AMACN» como “Todo
         passageiros de um navio ou de uma aeronave  o MSC preparou um draft dum documento,  o acto ilícito de violência ou de detenção, ou
         privados, e dirigidos contra:      que serviu de base para a resolução A.545(13)   todo o acto de depredação, ou ameaça dis-
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