Page 346 - Revista da Armada
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dos navios: a Península italiana terão certamente deixado lugar
e os Estados Pontificais – nome- para amplas fantasias. Eventual-
adamente os portos de Génova mente nos pormenores da cena,
e de Civita Vecchia, o Levante e personagens nobres, da burgue-
os portos da Europa do Norte: sia ou outros espectadores, po-
no vaso em primeiro plano bate dem ser comparados a pequenos
a bandeira de Génova, no segun- trechos dos «Portos de França».
do, a bandeira dos Países-Baixos Porém, as personagens da obra
e no terceiro as cores do Reino portuguesa assemelham-se mais
da Suécia. A mensagem política a espectadores da cena política à
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é perfeitamente clara . qual assistem e que animam, do
Em terceiro lugar, a cena pin- Escaler dirigindo-se para as naus fundeadas. que verdadeiros actores da vida
tada por Vernet constitui uma marítima de Lisboa.
homenagem à Marinha de Por- A exactidão da vista marítima
tugal, ao mercantilismo e à nave- lisboeta é excepcional, tratada
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gação, fomentados por Pombal , com a técnica de Vernet, que dá
mensagem quer política quer grande destaque à topografia. Na
económica. O plano de obras de cena a paisagem é facilmente re-
Lisboa aprovado pelo Marquês conhecível: a Praia de Belém que
dá com efeito prioridade à re- nessa altura se estendia até ao
construção do Arsenal Real da pé do Mosteiro dos Jerónimos,
Marinha, segundo traça do Enge- conjunto arquitectónico relati-
nheiro Militar Eugénio dos San- vamente pouco danificado pelo
tos. Adjunto aos Ministérios do terremoto de 1755. O edifício do
Reino, doravante concentrados Convento, com a característica
em torno da Praça do Comércio, arquitectura chã ocupa parte da
o novo Arsenal será efectivamen- cena, num corte em diagonal, ao
te reedificado a curta distância da estilo da «Vista do Porto de Ro-
famosa “Ribeira das Naus” do chefort» pintado pelo artista em
século XV cujo nome ainda reto- 1762. Na perspectiva avistamos
mará, para finalmente adoptar o o vasto Palácio Marialva, que
nome de Arsenal Real, por volta também sobreviveu ao terramo-
de 1790. Os cais e diques do Ar- to, e mais distante ainda a celebre
senal ocupam um lugar primor- Torre de Belém e a Barra do Tejo
dial na reorganização da cidade, onde se avista, muito esfumado,
pois duas semanas após o desas- Naus de Génova, da Holanda e da Suécia. o Forte de São Lourenço da Bar-
tre de 1755, Pombal ordena a sua ra, mais conhecido por Bugio.
reconstrução . Os assuntos marí- Constitui outra curiosidade des-
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timos eram de facto prioritários ta obra, a representação de uma
para o Reino e para o seu sistema frota, a Armada Portuguesa, que
comercial e colonial atlântico . se adivinha fundeada na enseada
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Sinal dessa preocupação, é pre- de São José de Ribamar .
cisamente a planta de conjunto Na obra portuguesa de Vernet,
do Arsenal Real (com algumas predomina o estilo figurativo e
legendas em francês no texto) impõe-se a pintura do real, tes-
paredes-meias com a Ala Oci- temunha importante duma épo-
dental da Praça do Comércio que ca e de seus acontecimentos. Os
podemos observar nos papéis pormenores são tratados com mi-
que discretamente sobressaem, Projectos de fachada e planta do Arsenal Real da Marinha. núcia: pequenos navios de carga
colocados por baixo do braço es- ou de cabotagem encostados ao
querdo do Marquês. Em 1759, quatro anos paráveis a alguns dos «Portos de França», desembarcadouro, navios de pesca puxa-
após o terramoto, a «Ribeira das Naus» já nomeadamente à obra dedicada por Ver- dos no areal de Belém ou envergando pano
se encontrava a laborar, tendo a população net a Marselha «Interior do Porto de Mar- latino, muito característico dos navios tra-
de Lisboa assistido ao lançamento da Nau selha, Vista do Edifício do Relógio do Par- dicionais das costas portuguesas, no sécu-
de 68 peças “Nossa Senhora da Ajuda e São que» pintura datada de 1755 ou a Bordéus los XVIII. Em matéria de cores e de luz, a
Pedro de Alcântara“. “Vista de uma parte do Porto e da Cidade extensão e a harmonia do céu lisboeta, ir-
Ainda relativamente ao tema do comér- de Bordéus, tirada do lado das Salineiras”, radia o conjunto da paisagem, compondo
cio e das actividades marítimas, a execu- datada de 1758. um espectáculo cheio de emoção, prova da
ção técnica dos pormenores da cena de Deveras, os elementos da cena compos- excelência da arte de Claude-Joseph Ver-
Belém, realizada a pequenos toques por ta por Vernet na sua obra portuguesa po- net. Nesse registo, são notáveis os efeitos
Claude -Joseph Vernet, lembra o estilo mui- dem parecer menos diversos e menos sol- do “claro-escuro” que marcam contrastes
to conciso dos «Portos de França». Nos tos comparados com os Portos de França. entre zonas de sombras e raios de sol que
pontões de Belém, rodeando os religiosos Não nos podemos esquecer que o artista se reflectem nas águas do Tejo.
que deixam Portugal, coexiste toda uma não se deslocou a Lisboa, não tendo por- A mensagem simbólica e política do
população ligada ao mar, em grande azá- tanto pintado nem recolhido pormenores quadro foi largamente difundida, nomea-
fama. As mercadorias, toneis e fardos são “ao vivo”, mas que compôs a cena marí- damente por meio duma gravura sobre
descarregados de pequenas embarcações. tima da obra, em atelier, em França. Tam- madeira da autoria de Jacques-Firmin Be-
Vêem-se mercadores tratando de negócios, bém, as orientações iconográficas extrema- auvarlet (1731-1797), outro célebre artista
pormenores temáticos seguramente com- mente precisas vindas de Lisboa não lhe parisiense do século XVIII, igualmente ti-
20 NOVEMBRO 2008 U REVISTA DA ARMADA