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Sabemos que a composição do parte ocidental da cidade, o Bair-
quadro, verdadeiro manifesto ro ribeirinho de Belém, de facto
político e ideológico, obedeceu a pouco afectado pelo terramoto.
um cenário iconográfico externa- Entre 1766 e 1767, periodo em
mente preciso e rigoroso. Se nem que foi pintado o quadro, o cen-
Van Loo nem Vernet se desloca- tro de Lisboa encontrava-se em
ram a Lisboa, ambos receberam plena reconstrução. Para a «Bai-
da capital portuguesa instruções, xa », renascida dos escombros e
esboços e cartões muito porme- das cinzas, o novo plano urbano
norizados, enviados por António propõe uma planta ortogonal de
Joaquim Padrão ou pelo seu alu- inspiração militar, modelo ideal
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no João Silvério Carpinetti . Se- de uma nova cidade das Luzes.
gundo o historiador de arte Fer- A “Praça do Comércio”, que se
nando Pamplona, é Carpinetti o inspira na tradição da Praça Real
autor dos «esboços da marinha francesa abre-se de forma majes-
de Belém», que serviram de base tosa sobre o Tejo. Ao novo Ter-
ao trabalho de Claude-Joseph reiro do Paço justapõe-se uma
Vernet. Tirando esses documen- Cena pintada por Claude Joseph Vernet. cidade Baixa ao mais puro estilo
tos, as informações da época dão pombalino rematada na sua ca-
igualmente conta do grande in- beceira pelo Rossio. Na tela, a re-
teresse testemunhado por Pom- construção em curso é nomeada-
bal relativamente ao quadro. O mente referenciada pela estátua
Marquês recebia pessoalmente equestre do Rei, imagem do po-
provas e acompanhava atenta- der supremo, colocada à esquer-
mente a feitura da obra. da do Marquês, num plano mais
Mas debruçemo-nos mais lon- alto mas também mais afastado.
gamente sobre a contribuição de Obra do grande escultor lisboe-
Vernet ao quadro do Marquês. O ta Joaquim Machado de Castro, a
“Pintor das Marinhas” do Rei de estátua será erguida sómente em
França, realiza o trabalho portu- Planta da Praça do Comércio e do Arsenal. 1775, nove anos após a conclusão
guês aproximadamente um ano do quadro. A temática da recons-
após a entrega do quadro sobre trução da cidade é também forte-
o Porto de Dieppe , último de mente sugerida pelos planos de
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um conjunto de 15 grandes telas pormenor da cidade Baixa e das
dedicadas aos Portos de França . fachadas dos edifícios de inspi-
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Obra-prima da pintura de mari- ração neoclássica, conforme as
nha da escola francesa, esta série plantas que espreitam por baixo
foi a maior encomenda oficial de do braço do Marquês ou judicio-
pintura, destinada ao Louvre e samente dispostas num tambore-
adquirida durante o reinado de te aos seus pés.
Luís XV. Ocupou o pintor du- O segundo grande tema do
rante cerca de 12 anos, de 1754 quadro trata da expulsão dos Je-
a 1766. A experiência e a noto- suítas, manifesto político e didác-
riedade adquiridas por Vernet tico, inserido no trecho da pintu-
através desta série dos «Portos Pontão de Belém, Embarque dos Jesuítas. ra, situado à direita do Marquês
de França» e destinada a “dar de Pombal. Com efeito, acompa-
a conhecer a sua Marinha aos nhando o movimento da mão de
franceses” permite situar de um Pombal, o olhar do espectador é
ponto de vista cronológico e es- dirigido para uma área do qua-
tético o estilo e o significado da dro que abarca parte da sua men-
obra portuguesa. Ora justamen- sagem política. A cena que repre-
te, o conteúdo figurativo mui- senta a expulsão dos Jesuítas de
to preciso da encomenda desti- Portugal e do conjunto dos ter-
nada a Pombal, não se inspira ritórios portugueses, nomeada-
numa paisagem de um porto mente do Brasil, em Setembro de
da antiguidade, imaginário ou 1759, dá conta dos religiosos de
fantasista, tão pouco numa cena manto preto, em fila no embar-
de tempestade ou de naufrágio, cadouro de Belém, cabisbaixos,
como em muitas obras italianas rodeados de militares e prontos
do pintor, mas situa-se na conti- para o degredo. Nas praias e nos
nuidade dos «Portos de França» Pontão de Belém, Embarque dos Jesuítas. cais, a população de Lisboa assis-
oferecendo um olhar pormenori- te ao embarque forçado dos pros-
zado e detalhado sobre Lisboa marítima, As mensagens iconográficas estão constru- critos. Escaleres dirigem-se para navios
empório atlântico, bem como sobre o uni- ídas em torno de três grandes ideias. ancorados a meio do Tejo. Pormenor ma-
verso marítimo e comercial português em O primeiro desses temas reverte natu- rítimo importante, os três principais navios
meados do século XVIII. ralmente para a reconstrução de Lisboa, representados por Vernet correspondem
Nesta tela, inteiramente dedicada à gló- triunfo da razão e da arte sobre a nature- perfeitamente a tipos de armações e de
ria do Marquês, as referências marítimas e za, após o cataclismo do dia 1 de Novem- cascos específicos. As bandeiras informam
portuàrias ocupam um lugar de destaque. bro de 1755. A tela apresenta uma vista da sobre a nacionalidade e o destino provável
REVISTA DA ARMADA U NOVEMBRO 2008 19