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CONCEITO ESTRATÉGICO NACIONAL
                CONCEITO ESTRATÉGICO NACIONAL

                          Contributo para o processo de formulação

              ompletam-se este trimestre 50 anos  um ponto culminante que é, simultaneamente,  tegistas visionários. Nestas circunstâncias, até
              de magistério do professor doutor  de ruptura desencadeada pelo decisor políti-  que surja um dotado de inteligência invulgar
         CAdriano Moreira na Marinha. Ao lon-  co máximo. Este, sem desprezar as realizações  e de capacidade para produzir as ideias estra-
         go deste período foram muitos os oficiais que  do passado, afirma uma nova visão estratégica  tégicas fundamentais, o destino nacional será
         beneficiaram das suas extraordinárias lições,  para o futuro de Portugal, que implica a for-  conduzido tendo como referência os objecti-
         onde tratou com inigualável mestria temas  mulação de um novo conceito estratégico na-  vos políticos de curto prazo de cada Governo
         de ciência política, de relações internacionais,  cional. Nele são estabelecidas diversas ideias  eleito, o que provoca frequentes variações de
         de geopolítica e de estratégia. Por isso, a justa  estratégicas fundamentais, que no passado,  rumo e dificulta a concretização dos objectivos
         e oportuna homenagem da Marinha. Como  foram sempre uma expressão da inteligência  nacionais permanentes. No fundo, é como fa-
         modesto tributo de gratidão pessoal, apre-  de estrategistas visionários, dotados de intui-  zer uma longa viagem marítima em busca de
         sento este artigo sobre o conceito estratégico  ção natural sobre como tirar partido do poder  melhores paragens, utilizando um navio de
         nacional, orientação objectiva e geral para a  nacional e possuidores de um modo idiossin-  considerável porte, navegando sempre junto
         construção do futuro de Portugal, cuja neces-  crático de pensar, no qual o país e as relações  a terra, em águas restritas. A velocidade é me-
         sidade o senhor professor vem proclamando  internacionais se fundem em interacção dinâ-  nor, pelo que se gasta mais tempo. O esforço é
         com tanta intensidade e persistência, a pon-  mica. Por isso, puderam sintetizar com gran-  maior, porque a tripulação está a “bordadas”.
         to de se poder considerar                                                           O perigo é maior, porque
         actualmente a sua mensa-                                                            os riscos de acidente au-
         gem política e académica                                                            mentam muito, sobretudo
         mais forte.                                                                         se os documentos náuticos
           Em todos os países deve                                                           estiverem desactualizados,
         existir uma visão estraté-                                                          ou não existirem, ou se
         gica para o futuro. Isto é,                                                         o mar se levantar subita-
         um sentido amplamente                                                               mente. Ora, isto tem como
         partilhado de quem se é,                                                            consequência prometerem-
         do que se valoriza, da di-                                                          -se muitas coisas e pou-
         recção e dos propósitos na-                                                         cas se cumprirem, muitas
         cionais, afirmado de forma                                                           se começarem e poucas
         convicta e determinada                                                              se concluírem, muitas se
         pelos líderes nacionais. A                                                          anunciarem e poucas se
         condução de um país no                                                              conhecerem quanto à sua
         sentido dessa visão, im-                                                            real exequibilidade.
         plica a existência de um                                                              Na segunda opção, os
         conceito estratégico na-                                                            governantes subordinam
         cional, que estabeleça as                                                           as grandes realizações na-
         ideias estratégicas fundamentais para orien-  de oportunidade, clareza e acerto, o conceito  cionais, ligadas à visão estratégica para o futuro
         tar as acções públicas e privadas, destinadas  estratégico nacional que viabilizou a materia-  de Portugal, a um conceito estratégico nacional
         a alcançar ou manter os objectivos nacionais  lização dos objectivos nacionais permanentes,  que as desenvolve e concretiza através de pla-
         permanentes, de tal forma que seja difícil aos  apesar das circunstâncias do seu tempo.   nos estratégicos estruturados, aprovados, fle-
         seus contendores provocarem-lhe prejuízos   A revolução do 25 de Abril, de que resultou a  xíveis e plurianuais, focalizados na resolução
         significativos.                     independência das colónias, foi o último gran-  dos problemas postos à construção de um país
           Até 1974 Portugal dispôs de três conceitos  de momento de ruptura estratégica nacional,  melhor. Neste modelo, a edificação progressiva
         estratégicos nacionais, decorrentes de outras  que desencadeou uma nova visão estratégica  do futuro nacional é feita com a garantia de es-
         tantas visões estratégicas: a da fundação da  centrada na afirmação europeia. Ciente das  tabilidade de uma obra assente em princípios,
         Nação; a da expansão ultramarina; e a da ex-  principais características comuns do processo  orientações e medidas, os quais asseguram que
         ploração imperial. O primeiro vigorou entre  de desenvolvimento dos anteriores conceitos  a melhoria do país se realizará e perdurará. Nes-
         o início da conquista do território peninsular  estratégicos nacionais, o professor Adriano  te caso, é como se a viagem marítima no navio
         e a assumpção do português como língua ofi-  Moreira tem sido incansável no seu apostolado  de grande porte fosse feita em alto mar, à ve-
         cial. O segundo prevaleceu a partir da orga-  político e académico, chamando continuamen-  locidade económica, com a tripulação a “qua-
         nização permanente da marinha de guerra e  te a atenção dos responsáveis nacionais para a  tro quartos” e dispondo de bons documentos
         culminou com a proibição de construção de  importância e urgência da definição clara das  náuticos. Mesmo que o mar se levante repen-
         fortalezas no Oriente. O terceiro surgiu com  ideias estratégicas fundamentais para orientar  tinamente há maior capacidade para superar
         a exploração económica do Brasil e entrou  as acções de Portugal e dos Portugueses nos  a tormenta. Por isso, esta opção é inquestiona-
         em ruptura com a independência das coló-  próximos séculos. Porém, os estrategistas vi-  velmente melhor. Todavia, obriga a estabelecer
         nias. Como notou o Professor Adriano Mo-  sionários, capazes de, por si sós, procederem  um processo racional de trabalho liderado e
         reira, uma leitura atenta dos Lusíadas permi-  com oportunidade, clareza, acerto e aceitabi-  executado por estrategistas, que facilite o apa-
         te identificar as três missões estratégicas e os  lidade às sínteses conceptuais daquelas ideias,  recimento de empreendimentos cooperativos e
         conceitos estratégicos adoptados para fundar,  são muito raros em todos os países. Em pre-  de perícias complementares, destinados a pro-
         expandir e sustentar Portugal.     sença desta realidade, colocam-se duas possi-  mover a formulação célere das ideias estratégi-
           O processo de desenvolvimento destes três  bilidades aos nossos governantes.  cas fundamentais que darão corpo ao conceito
         conceitos estratégicos nacionais possui como   Na primeira opção, os governantes aceitam  estratégico nacional que Portugal tanto neces-
         principais características comuns: a longa ges-  naturalmente a dificuldade do processo de  sita. Com base nele, os estrategas, públicos e
         tação das respectivas ideias estratégicas funda-  desenvolvimento dos conceitos estratégicos  privados, conseguirão operacionalizar os cor-
         mentais; a considerável vigência temporal; e  nacionais, decorrente da raridade dos estra-  respondentes planos estratégicos.

         18  DEZEMBRO 2008 U REVISTA DA ARMADA
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