Page 383 - Revista da Armada
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suficiente para determinar superioridade de luz de ameaça externa incluem: a táctica ale- coerência táctica. A formação dos oficiais
combate. Mas a conjugação de várias ino- mã de tropas de assalto do General Erich von na Kriegsakademie passou a seleccionar os
vações ao nível da tecnologia, do proces- Ludendorff durante a Primeira Guerra Mun- oficiais numa base de competição, de 120
so, da organização e do pessoal permitiram dial, a criação de porta-aviões americanos no oficiais admitidos apenas 40 terminavam o
uma nova capacidade de combate de enor- período entre-guerras e a implementação da curso e desses o General Moltke escolhia
me magnitude (que corresponde a um factor guerra de manobra descentralizada pelo Pa- 12 para o Estado-Maior General. O treino,
de mudança dez) num domínio militar vital. raguai durante a Guerra do Chaco, de 1931 a prática e a acção em que participavam
Esta multiplicação por dez ocorreu com o a 1935. Em cada um desses casos as organi- era sempre alvo de análise, o que permitiu
aparecimento do porta-aviões (alcance do zações militares mudaram radicalmente uma a elaboração inovadora de uma doutrina
ataque), das unidades de combate mecani- boa parte da sua doutrina, organização e ta- militar coerente que podemos observar no
zadas (velocidade de manobra) e da defesa refas funcionais para criarem forças comba- -ANUAL DE -OLTKE DE )NSTRU ÜES PARA
aérea (alcance da detecção). tentes mais eficazes. Comandantes de Grandes Unidades. Esta or-
No início da 2ª Guerra Mundial só o exér- No entanto, a simples existência de apa- ganização, liderança, planeamento, treino e
cito alemão foi capaz de combinar com su- rente ameaça não é suficiente para ga- articulação com o desenvolvimento interno,
cesso a inovação tecnológica com as inova- rantir que a inovação ocorrerá. É preciso, nomeadamente com o sistema ferroviário,
ções processuais e organizacionais, criando também, que os líderes tenham completa justificam o rápido sucesso nas Guerras de
novas capacidades de combate. A combi- compreensão da ameaça e dos limites do Unificação Alemã e na Guerra Franco-Prus-
nação dos carros de combate com a infan- ambiente do campo de batalha em que es- siana. Este mesmo espírito ainda pôde ser ob-
taria, o uso eficaz do rádio e o apoio aéreo, tão a operar. Sem este conhecimento a ino- servado mais tarde no período entre-guerras,
permitiu aos alemães conquistarem rapida- vação pode ser mal dirigida ou inexistente. a cultura de liderança alemã foi muito recep-
mente não só a Polónia, tiva ao novo pensamento
em 1939, mas também a dos oficiais subalternos, o
França em 1940. As forças que veio a permitir criar e
mecanizadas dos exércitos empregar uma nova dou-
alemães percorriam cen- trina. As Forças Armadas
tenas de quilómetros por britânicas, contudo, per-
dia enquanto os exércitos maneceram instituciona-
inimigos, que combatiam lizadas e reprimiram ino-
a pé ou a cavalo, apenas vações referentes à guerra
conseguiam umas dezenas mecanizada.
de quilómetros por dia. 4AL COMO NOS ENSINOU
O exército britânico e Moltke, o ensino é vital
o francês também tinham para garantir que a organi-
carros de combate mas zação militar possa explo-
não souberam explorar as rar a atmosfera inovadora
suas formas de emprego. O cultivada pela liderança.
que parecem ser questões Devem existir programas
processuais e organizacio- que forneçam ao soldado,
nais relativamente simples ao longo de sua carreira,
eram, na altura, objecto de O aparecimento do submarino e do porta-aviões alterou radicalmente a balança do Poder. treino técnico-organiza-
grandes divergências no seio dos exércitos São exemplos deste ponto a confiança do cional e doutrinário de vanguarda. A aná-
britânico e francês, impedindo a sua evo- Exército Confederado na doutrina ofensiva, lise crítica e cuidadosa de exemplos his-
lução. As divergências quanto às mudanças durante a Guerra de Secessão Americana, tóricos ajuda a valorizar a importância da
processuais relacionavam-se com a questão a decisão alemã de abandonar o desenvol- inovação. Os programas de ensino têm de
de saber se os carros de combate deveriam vimento de submarinos durante o período ser permanentemente actualizados, pois só
apoiar a infantaria ou vice-versa. O elemen- entre-guerras. assim evitarão a estagnação do pensamen-
to humano era fulcral nesta discussão, cujo A Política Governativa também pode afec- to progressivo dentro das Forças Armadas. A
resultado determinaria a manutenção, o re- tar a capacidade de inovar das Forças Ar- cópia das boas práticas de outras Forças Ar-
forço ou a diminuição da importância das madas já que a liderança civil determina os madas é importante, pelo que se deve pro-
elites combatentes da época - a infantaria e objectivos nacionais e pode configurar as or- mover a participação em exercícios e mis-
a cavalaria. A partir do momento em que as ganizações militares. Esses líderes são, eles sões internacionais.
inovações tecnológicas e processuais iniciais próprios, influenciados pela opinião popu- Enquanto a competição e o debate po-
foram aceites no exército alemão passou-se lar, pelas pressões internacionais e pelas suas tenciam o pensamento inovador, a burocra-
à definição da melhor organização, ou seja, próprias experiências. cia pode estar a trabalhar para anular estes
a definir-se qual a dimensão das unidades Historicamente, os aspectos institucionais avanços. O desenvolvimento do apoio aé-
mecanizadas que deveriam ser criadas (bri- internos de uma organização militar têm reo próximo nas tácticas de blitzkrieg da
gadas ou divisões Panzer). maior influência na inovação militar do que Segunda Guerra Mundial, pelo Exército e
os factores externos. Quando a liderança Força Aérea alemães, apresenta um grande
COMO ACONTECE A INOVAÇÃO militar favoreceu um ambiente de descen- exemplo de como a combinação de análise
MILITAR? tralização e um pensamento criador, a ino- crítica com atitude cooperadora pode levar
vação esteve mais prevalecente do que em à inovação positiva. Em sentido contrário, o
A presença de uma ameaça externa sig- ambientes tradicionais altamente centraliza- exemplo britânico de rivalidade de Forças,
nificativa aparece em numerosos casos de dos. Encorajar o pensamento inovador, con- entre a Royal Air Force e a Royal Navy, levou
inovação militar. Há exemplos disto tanto tudo, não basta. a um impasse na inovação dos porta-aviões
em ambientes de guerra como de paz, assim Um exemplo muito interessante é o da logo após a sua concepção. Esta rivalidade
como no rescaldo de uma derrota ou vitó- criação do Estado-Maior General pelo Ge- também impediu inovações tanto no ataque
ria. Estes factores, no entanto, não parecem neral Prussiano Moltke, que procurou um aéreo com torpedos, como no bombardea-
tão importantes como a existência de uma método mais informal de organização para mento picado, tudo isto limitando a eficácia
ameaça aparente. Exemplos de inovação à poder criar eficácia operacional e assegurar britânica global de combate.
REVISTA DA ARMADA U DEZEMBRO 2008 21