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A MARINHA NA 1ª FASE DA GUERRA EM ANGOLA
A MARINHA NA 1ª FASE DA GUERRA EM ANGOLA
Conclusão
AMBRIZETE I fardos e sacos de areia. Vivendo nestas condi- defensivas. Viveram-se alguns momentos de
ções de promiscuidade e desconforto, noite expectativa, por não ser possível prever se o
A
necessidade premente de defender as após noite, sem descanso completo e reparador, grupo era apenas a guarda avançada de um
vilas do litoral, cuja segurança era cada seria apenas natural que viéssemos encontrar bando assal tante, ou o ataque em massa a todo
vez mais precária, obrigou ao desem-
Nada disso sucedeu, contudo. Dando admirá-
barque de novas forças da «Nuno Tristão». Du- desânimo e esmorecimento da parte dos civis. o momento esperado.
Reforçou-se a vigilância durante a noite, e
rante um período de quase um mês foi entre- vel prova de coragem civismo, os cidadãos de logo que clareou foi-se fazer um reconheci-
gue aos destacamentos do navio a guarda de Ambrizete, mantiveram-se sempre confiantes mento ao local do incidente. Nada se encon-
Ambriz e Ambrizete - o que só se pôde fazer e combativos, durante o período difícil que a trou, muito embora houvesse a certeza de se
desdobrando o destacamento de Ambriz; ficou vila atravessou. A todo momento chegavam terem atingido alguns dos assal tantes - que se
nessa vila uma secção comandada por um 2.° notícias alarmantes - quer por rádio quer por viram cair, à luz dos holofotes. Nunca se che-
tenente, e seguiu para Ambrizete a outra sec- refugiados vindo das povoações do interior, gou a esclarecer completamente o caso de 14
ção, com mais uma formada para o efeito. abandona das por não reunirem o mínimo in- de Abril, sendo de admitir que não passasse
Em circunstâncias como estas, é fácil imagi- dispensável de condições de defesa. Em dada de preparativo para um ataque em forma. De
nar o grande esforço que se teve de exigir ao altura, de todo o concelho de Ambrizete só es- qualquer modo, o incidente serviu para pôr
pessoal que permaneceu a bordo, visto que o tava nas nossas mãos a sede e a povoação de à prova o sistema defensivo, que funcionou
navio, muito embora ficasse privado de algu- Bessa Monteiro - esta cercada, e à espera de ata- com perfeição: disciplinadamente e, com ma-
mas dezenas de homens da guarnição, tinha que iminente. Duas outras aldeias - Tomboco e nifesta satisfação, todos os civis ocuparam os
que continuar o serviço normal de cru- seus postos, convictos de que chegara
zeiros e patrulhas. a oportunidade de descarregarem as
Separados uns dos outros por cen- armas, e os nervos. Atitude bem com-
tenas de milhas, os homens da «Nuno preensível era esta, se nos lembrarmos
Tristão», no mar e em terra, continua- das longas vigílias e das horas infindas
ram empenhados em cumprir o melhor de atenta expectativa.
possível. Navegando ao longo da cos- Para criar um foco de interesse e
ta, a fragata constituía para os destaca- distracção, que ajudasse os habitantes
mentos o apoio moral sempre presente a esquecer os dias monótonos do «cer-
- e para todos era alegria vê-la fundear co», resolveu-se cons truir uma ponte
no porto. O auxílio do navio, quer em de desembarque, na praia. Como era
material e subsistências, quer por sim- de prever, logo se descobriram algu-
ples acção de presença, foi inestimável e mas “vocações perdidas” de “enge-
contribuiu poderosamente para manter Ambrizete - Ponte construida pela Marinha. nheiros” e “construtores civis” entre
o moral da população. o pessoal da força: no tempo «record»
Tornando-se necessário proceder à rendição Quinzau - haviam sido evacuadas, por ser im- de 5 dias concluiu-se a «Ponte N. R. P. Nuno
da força da fragata «Pacheco Pereira», que en- possível reunir meios para as defender. Tristão», com 25 metros de comprimento,
tretanto guarnecera Ambrizete, foi nomeada A evacuação de Tomboco trouxe novas com- capaz de receber embarcações até 2 metros
para o efeito uma força da «Nuno Tristão», com plicações à já compli cada vida em Ambrizete, de calado, no seu topo. Infelizmente, pouco
o efectivo de duas secções reforça das, e dois principalmente porque entre os refugiados se tempo depois do reembarque da força, uma
oficiais (um 1º e um 2º tenente). Desembarcou contavam algumas freiras. Era imperioso ar- furiosa calema destruiu grande parte do mo-
o pessoal no dia 7 de Abril, e teve assim início o ranjar-lhes alojamento con digno, evitando, se lhe do porto de Ambrizete, inutilizando qua-
mais longo de todos os períodos passados em possível, forçá-las a viver no armazém. Conse- se por completo a ponte que tanto trabalho
serviço em terra. Em flagrante contraste com guiu-se esse objectivo alargando o recinto de- dera a fazer.
o que nos fora dado observar noutros locais, fendido, que passou a abranger mais um bar- Após uma permanência de cerca de 3 sema-
viemos encontrar em Ambrizete um ambien- racão, onde elas se instalaram. Pouco depois nas em Ambrizete, a força de desembarque da
te de disciplina e decisão a todos os títulos no- disto suceder, verificou-se um surto de tosse «Nuno Tristão» recebeu ordem de regresso,
tável. Havia já algum tempo que a população convulsa entre as crianças, que rapidamente sendo rendida por outra, da fragata «Diogo
da vila se organizara para a defender contra alastrou. Para evitar que tomasse proporções Gomes» (Cte. Lino Paulino Pereira)
quaisquer ataques, muito embora não dispu- graves, foi necessário separá-las umas das ou-
sesse, durante o período inicial do terrorismo, tras, arranjando mais locais habi táveis. Como S. ANTONIO DO ZAIRE
de qualquer guarnição militar. é óbvio, o sucessivo alargamento do reduto era Por cerca de duas semanas, permaneceu nes-
Fora a Marinha a primeira força a auxiliar problema grave, visto que a ampliação do seu ta vila uma secção da fragata, comandada por
aqueles colonos; antes de qualquer outro na- perímetro acarretava a necessidade de mais um sargento. Cabia-lhe cooperar na defesa de
vio, estacionou ali, durante uns dias, o patru- pessoal e mais armamento para defender as no- S. António do Zaire, e guarnecer uma lancha
lha «S. Tomé», que deu impulso e orientação vas linhas. Mas apesar de todos os civis estarem de patrulha dos canais do rio. A sua estadia
às medidas defensivas toma das pelos habitan- armados, aquilo de que dispúnhamos era pou- em terra coincidiu com os ataques terroristas a
tes. Pouco depois, a fragata «Pacheco Pereira» co para aguentar um ataque prolongado. Porto Rico, pouco distante daquela localidade,
desem barcara uma força, que permaneceu na Na noite de 14 de Abril, por volta das 20.00, que, no entanto, não foi molestada.
vila até a da «Nuno Tristão» a render. Muito es- uma patrulha da Marinha encontrou um gru-
tava, portanto, já feito, pelo que havia apenas po de indivíduos escondidos no capim à saída VILA ARRIAGA,
que continuar a obra, ampliando-a na medida da vila, e abriu fogo com pistolas metralhado- SÁ DA BANDEIRA, CHIBIA
do possível. ras. Acorreu ao local um jeep com outra patru- Por ocasião de um cruzeiro ao Sul de Ango-
Toda a população de Ambrizete se reunia lha, armada com uma metralhadora «Dreyse» la, foi determinado que uma força de desem-
durante a noite, num grande armazém comer- e algumas F. B. P. Fizeram-se várias rajadas, en- barque da «Nuno Tristão» efectuasse desfiles
cial, transformado em reduto e barricado com quanto no reduto todos ocupavam as posições militares na cidade de Sá da Bandeira e nas po-
8 FEVEREIRO 2008 U REVISTA DA ARMADA