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“As Forças Armadas e a Defesa Nacional”
“As Forças Armadas e a Defesa Nacional”
Livro da autoria do VALM Pires Neves
ealizou-se no passado dia 6 de Dezembro, no Pavilhão das Galeo- mente organizada, e cuja salvaguarda é condição da manutenção da
tas do Museu de Marinha, a apresentação do livro em título. sua existência, ocorre, de forma hábil, no âmbito da resposta à ques-
R A cerimónia presidida pelo ALM CEMA e que contou com a tão, “Forças Armadas para quê? “, com o quadro nacional em mente.
presença de cerca de três centenas de convidados, entre os quais altas Buscando a síntese do pensamento do autor, diria que ele não limita a
individualidades militares e civis, foi iniciada pelo Presidente da Co- missão das Forças Armadas no contexto da Defesa Nacional, à defesa
missão Cultural de Marinha. O CALM Rui Abreu deu a conhecer, em do território. Esse, seria o acolhimento restrito que decorre da signifi-
síntese, a biografia do VALM Pires Neves ressaltando as suas elevadas cação literal de “defender” – interditar. As Forças Armadas defendem
qualidades éticas e morais e o facto de ter prestado serviço em situações interesses, acontecendo que a integridade do território é apenas um
que lhe permitiram obter um profundo conhecimento das matérias tra- desses interesses, entendimento que, felizmente, vai sendo cada vez
tadas no seu trabalho e por consequência uma reflexão fundamentada mais subscrito. É aspecto que está patente, também, na utilização que
sobre as Forças Armadas e a Política de Defesa Nacional. ele faz, por empréstimo, mais adiante, da expressão “desterritorializa-
Em seguida o VALM Magalhães Queiroz fez a apresentação do livro ção da defesa, “antecipando o esclarecimento do “onde”.
em questão e dissertou sobre a res- A referência pertinente a al-
pectiva temática. Dado o interes- gumas das normas legais gerais
se suscitado transcreve-se o texto que estabelecem a inserção da
completo desta comunicação: Instituição Militar no Estado, as-
“Se já não se sabe muito bem Foto 1SAR FZ Pereira sim como outras considerações,
porque é preciso defendermo- ajudam a introduzir implicita-
-nos, nem como defendermo-nos, mente o “porquê”, reforçando a
alguém disse, isso é prova de que resposta à questão anterior. Nesse
vivemos numa sociedade que mesmo sentido actuam as conclu-
perdeu de vista os fundamentos sões retiradas da caracterização
da sua existência e que nem se- dos ambientes de segurança fei-
quer se dá ao trabalho de se inter- ta pelo Alm. Pires Neves, deter-
rogar sobre o seu destino. minantes de alguma forma da
Em “ As Forças Armadas e a postura das Forças Armadas, e
Defesa Nacional”, um tema recor- dos meios requeridos. Aí se po-
rente apresentado de forma não deria recordar a indesmentida
recorrente, o autor começa por se dar conta da realidade inequivoca- verdade que só não é ameaça-
mente preocupante retratada pelas palavras que precedem. Visando do quem não é vulnerável, sen-
contribuir para a sua alteração no sentido desejável, ele oferece-nos do de nos interrogarmos quem
um ensaio sob a forma de incursão pelo contubérnio Forças Arma- é que não é vulnerável. Depois,
das – Defesa Nacional, onde disseca as vertentes do tema e escava, muitas dessas ameaças, pela
fundo, até aos seus alicerces. forma como se desenvolvem,
Noutro plano, identifica o ruído imenso produzido por muitos não logram despertar, sequer,
daqueles que, usando do inquestionável direito de opinião, emitem a sensibilidade dos afectados.
pareceres sobre assuntos das Forças Armadas com as mesmas bases Por exemplo, embora a integri-
de conhecimento com que se pronunciariam acerca das vantagens da dade do território não chegue
alunagem modular. Trata-se de uma situação típica que levou alguém ao ponto de estar ameaçada,
a dizer que “o grau das nossas emoções varia de maneira inversa ao pode a independência, mesmo
do nosso conhecimento dos factos. Quanto menos sabemos mais nos considerada a interdependên-
acaloramos. “ Também este estado de coisas leva o autor a disponibili- cia reinante, ser posta em cau-
zar informação útil para que os interessados possam discutir com um sa, sem violação de fronteiras, por via do dinamismo económico de
mínimo de sustentação assuntos do âmbito da Instituição Militar. actores exteriores. É uma das situações em que o recurso à expressão
O desenvolvimento do assunto está balizado por temáticas de militar do poder nacional não dá resposta.
inequívoca pertinência cujo arranjo se constitui em fio condutor das O “com quê” é tratado com apreciado desenvolvimento pelo au-
ideias expressas. tor no particular “sistema de forças nacional”. Destaca-se o historial
Anote-se ainda o cuidado sistematicamente demonstrado em ofe- amplamente comentado, resultado de aturada investigação, com
recer, no final de cada capítulo, uma sinopse do discurso havido, oportuna evocação de factos ocorridos, e seu enquadramento. Cabe
passível de tornar mais fácil a integração expedita das partes em que recordar, a propósito que, “sempre que ocorre um facto, há um dis-
está organizado. curso. O facto é o que acontece, o discurso tem uma versão própria.
No termo da leitura da obra, que usa uma linguagem assertiva, A versão resulta de um pensamento que elabora o discurso, aquilo
vigorosa, reparamos que ela ultrapassa os simples intuitos enuncia- justamente que se pode manipular”. Sucede que ao recuperar os fac-
dos, tal como, de resto, se reconhece no Epílogo. tos ocorridos, o Alm. Pires Neves não cai na tentação de os manipu-
Embora essa disciplina não tenha sido revelada, é perceptível, no lar, para deles tirar conveniente partido.
desenvolvimento do pensamento do autor, a adopção de uma práti- Registe-se ainda a circunstância de, na explanação daquele historial,
ca consagrada desde há muito, garantia de que as vertentes pertinen- se fazer judicioso uso de aproximação sistémica, a interacção de re-
tes do tema não deixam de ser identificadas e tratadas. Refiro-me à cursos, objectivos, normas e organização, em sucessivos ambientes de
sua abordagem em termos de “o quê”, “porquê” e “com quê”, “para referência, conferindo uma visão próxima da de um estereograma.
quê”, “como”, “quando” e “onde”, com afectação dos factores inci- A propósito do processo de elaboração do planeamento do SFN ao
dentes, conforme adequado, considerados em patamares de decres- nível dos ramos, o Alm. Neves põe o dedo nas diferenças de atitude,
cente abrangência. de práticas e de objectivos defendidos por cada um, espelhando a
Assim, a apresentação de o “quê”, valores e interesses fundamen- inevitável diferença de interesses que os separa, mas que as circuns-
tais que estão na origem na construção de uma sociedade politica- tâncias obrigam a que sejam ultrapassados, condenados que estão a
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