Page 29 - Revista da Armada
P. 29

O Observatório Real da Marinha
do Comandante António Estácio dos Reis

Muito embora a expressão País de Mari-               respectivos cronómetros, prática que só extinguiu  chapa galvanizada com um metro de diâmetro,
         nheiros seja amiúde utilizada para nos      no início do século XX com o advento daTSF. A      enfiada num mastro com sete metros de altura.
         definir enquanto nação, também não           este propósito, aliás, deixa o Comandante Estácio  Nas imediações, encontrava-se uma peça de

é menos verdade que, fruto de vicissitudes vá- dos Reis uma preciosa sugestão, de resto plena artilharia de calibre 38. De acordo com a in-

rias, nem sempre as coisas relacionadas com o de oportunidade – no momento em que a Ribei- vestigação do Comandante Estácio dos Reis, a

Mar receberam a atenção adequada. Em certa ra das Naus parece querer constituir-se como ex- sua operação respeitava o seguinte preceito: 15

medida é esta última situação que o Co-                                                                   Revista da Armada  minutos antes das 13 horas um funcioná-

mandante Estácio dos Reis retrata ao lon-                                                                                    rio dava início ao içar do balão, para que

go da sua última obra – O Observatório                                                                                       10 minutos antes daquela hora este esti-

Real da Marinha –, recentemente edita-                                                                                       vesse a meia haste. Cinco minutos mais

da pelos CTT1.                                                                                                               tarde era içado a tope. Às 13 horas exac-

Segundo o autor, num país de tantas e                                                                                        tas, através dos sinais transmitidos elec-

tão fortes tradições marinheiras, custa até                                                                                  tricamente pelo Observatório da Ajuda,

a acreditar que o Observatório Real da                                                                                       era cortada a corrente do mecanismo do

Marinha tenha tido tamanha dificulda-                                                                                         balão, o que provocava a sua queda por

de em impor-se, constituindo facto ainda                                                                                     acção da gravidade, ao mesmo tempo

mais extraordinário a sua curta existência                                                                                   que a peça de artilharia disparava um tiro

– entre 1798 e 1874 –, menos de um sé-                                                                                       de pólvora seca.

culo, portanto, por comparação com ou-                                                                                       Para terminar esta recensão ao mais re-

tros observatórios europeus. Ainda assim,                                                                                    cente livro do Comandante Estácio dos

cumpre recordar que neste período os                                                                                         Reis, elegemos precisamente as mesmas

tempos foram por demais atribulados, de-                                                                                     palavras de Filipe Folque (1800-1874), o

signadamente com as invasões francesas, a                                                                                    último director do Observatório Real da

ida da corte para o Brasil, a independência                                                                                  Marinha, que além de lente daAcademia

da mais rica das colónias, as lutas liberais,                                                                                de Marinha também foi mestre de mate-

a extinção das ordens religiosas, além das     Capa do livro Observatório Real da Marinha, da autoria do                     mática dos filhos de D. Maria II, com que
revoluções e sublevações várias. No con-       Comandante Estácio dos Reis.
texto referido, é de sublinhar a acção de D.                                                                                 o autor inicia esta sua magnífica obra:
                                                                                                                               «Desenganados por experiência pró-

RodrigodeSousaCoutinho(1755-1812),aquem -libris dacapital–,equepassapelaconstruçãode pria,que no nosso país não há coragem para de

se ficou a dever a criação do Observatório Real uma réplica do famoso Balão do Arsenal, «que repente se criarem instituições de certa ordem,

da Marinha a 15 de Março de 1798, tendo sido diariamente anuncie as 13 horas,como lembran- e que só se conseguem pouco a pouco à força

designado para primeiro director o Capitão-de- ça do Observatório Real da Marinha».                     de perseverança, trabalho e paciência, do que

-fragata Manuel do Espírito Santo Limpo.             Na sua segunda versão, que entrou em fun- temos alguns exemplos».

Quanto às instalações que ocupou, nunca as cionamento a 1 de Agosto de 1885, o Balão Na nossa despretensiosa opinião, se na frase

teve dignas da sua relevante função, ocupando, do Arsenal era constituído por uma esfera em acima transcrita o leitor substituir «instituições»

inicialmente, um reduto contíguo à face sul do                            Arquivo Museu de Marinha por «obras», estas mesmas palavras assentam

edifício onde se encontrava instalada a Sala do                                                         que nem uma luva na produção bibliográfica e

Risco, no antigoArsenal da Marinha. Na sequên-                                                          intelectual do Comandante Estácio dos Reis, que,

cia da viagem da corte para o Brasil, com a qual                                                        com regularidade e a devoção que é apanágio

seguiu a quase totalidade dos instrumentos do                                                           dos grandes Marinheiros, sem com isso pretender

Observatório, este «manteve-se numa situação                                                            qualquer tipo de mercê, nos vem, paulatinamen-

deplorável, quase sem instrumentos e […] sem                                                            te, restituindo muito do saber e cultura navais, em

actividade […], até que em 1824 foi transferido                                                         grande medida olvidados devido à proverbial fal-

para as águas-furtadas das instalações dos lentes                                                       ta de visão relativamente àquilo que, nos tempos

da Academia Real da Marinha». Aquando do                                                                actuais de crescente indefinição e temor, é ver-

incêndio que aí lavrou em 1843, o «Observa-                                                             dadeiramente importante preservar: as tradições,

tório regressa ao Arsenal e é metido no vão de                                                          os conhecimentos e os valores mais nobres da

uma janela da Sala do Risco, onde fica humilha-                                                          Marinha, que pela acção e inteligência dos seus

do até 1847», passando então a depender da                                                              quadros sempre soube estar na vanguarda da mo-

recém-criada Escola Naval. Tal decisão deveu-                                                           dernização e do desenvolvimento do país.

-se ao facto de, por esta altura, o Observatório se                                                     Confessamos, pois, senhor Comandante

destinar, no essencial, «ao ensino das práticas da                                                      António Estácio dos Reis, que é com certa an-

astronomia náutica e da pilotagem» dos cadetes,                                                         siedade que aguardamos a publicação da sua

uma vez que, entretanto, havia sido construído                                                          próxima obra. Bem-haja, pois, pela sua perse-

o Observatório da Tapada da Ajuda, que não se                                                           verança e dedicação em prol da divulgação da

encontrava na tutela da Marinha.                                                                        nossa cultura naval e científica!

Curiosamente, algumas das relevantes ques-                                                                                                                Z

tões para os marinheiros desta época só foram                                                                                António Manuel Gonçalves

em definitivo resolvidas após a extinção do Ob-                                                                                                                      CTEN
servatório da Marinha em 1874, nomeadamen-                                                                                                     am.sailing@hotmail.com

te a definição da Hora Legal e a construção do        O mastro com o segundo Balão do Arsenal, Nota:
chamado Balão do Arsenal, através do qual os         instalado na extremidade sueste do telhado do 1 António Estácio dos Reis, O Observatório Real da

navios fundeados noTejo aferiam a marchas dos edifício da Sala do Risco.                                Marinha, Lisboa, CTT Correios de Portugal, 2009.

                                                                                                                             REVISTA DA ARMADA U MARÇO 2010 29
   24   25   26   27   28   29   30   31   32   33   34