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O Observatório Real da Marinha
do Comandante António Estácio dos Reis
Muito embora a expressão País de Mari- respectivos cronómetros, prática que só extinguiu chapa galvanizada com um metro de diâmetro,
nheiros seja amiúde utilizada para nos no início do século XX com o advento daTSF. A enfiada num mastro com sete metros de altura.
definir enquanto nação, também não este propósito, aliás, deixa o Comandante Estácio Nas imediações, encontrava-se uma peça de
é menos verdade que, fruto de vicissitudes vá- dos Reis uma preciosa sugestão, de resto plena artilharia de calibre 38. De acordo com a in-
rias, nem sempre as coisas relacionadas com o de oportunidade – no momento em que a Ribei- vestigação do Comandante Estácio dos Reis, a
Mar receberam a atenção adequada. Em certa ra das Naus parece querer constituir-se como ex- sua operação respeitava o seguinte preceito: 15
medida é esta última situação que o Co- Revista da Armada minutos antes das 13 horas um funcioná-
mandante Estácio dos Reis retrata ao lon- rio dava início ao içar do balão, para que
go da sua última obra – O Observatório 10 minutos antes daquela hora este esti-
Real da Marinha –, recentemente edita- vesse a meia haste. Cinco minutos mais
da pelos CTT1. tarde era içado a tope. Às 13 horas exac-
Segundo o autor, num país de tantas e tas, através dos sinais transmitidos elec-
tão fortes tradições marinheiras, custa até tricamente pelo Observatório da Ajuda,
a acreditar que o Observatório Real da era cortada a corrente do mecanismo do
Marinha tenha tido tamanha dificulda- balão, o que provocava a sua queda por
de em impor-se, constituindo facto ainda acção da gravidade, ao mesmo tempo
mais extraordinário a sua curta existência que a peça de artilharia disparava um tiro
– entre 1798 e 1874 –, menos de um sé- de pólvora seca.
culo, portanto, por comparação com ou- Para terminar esta recensão ao mais re-
tros observatórios europeus. Ainda assim, cente livro do Comandante Estácio dos
cumpre recordar que neste período os Reis, elegemos precisamente as mesmas
tempos foram por demais atribulados, de- palavras de Filipe Folque (1800-1874), o
signadamente com as invasões francesas, a último director do Observatório Real da
ida da corte para o Brasil, a independência Marinha, que além de lente daAcademia
da mais rica das colónias, as lutas liberais, de Marinha também foi mestre de mate-
a extinção das ordens religiosas, além das Capa do livro Observatório Real da Marinha, da autoria do mática dos filhos de D. Maria II, com que
revoluções e sublevações várias. No con- Comandante Estácio dos Reis.
texto referido, é de sublinhar a acção de D. o autor inicia esta sua magnífica obra:
«Desenganados por experiência pró-
RodrigodeSousaCoutinho(1755-1812),aquem -libris dacapital–,equepassapelaconstruçãode pria,que no nosso país não há coragem para de
se ficou a dever a criação do Observatório Real uma réplica do famoso Balão do Arsenal, «que repente se criarem instituições de certa ordem,
da Marinha a 15 de Março de 1798, tendo sido diariamente anuncie as 13 horas,como lembran- e que só se conseguem pouco a pouco à força
designado para primeiro director o Capitão-de- ça do Observatório Real da Marinha». de perseverança, trabalho e paciência, do que
-fragata Manuel do Espírito Santo Limpo. Na sua segunda versão, que entrou em fun- temos alguns exemplos».
Quanto às instalações que ocupou, nunca as cionamento a 1 de Agosto de 1885, o Balão Na nossa despretensiosa opinião, se na frase
teve dignas da sua relevante função, ocupando, do Arsenal era constituído por uma esfera em acima transcrita o leitor substituir «instituições»
inicialmente, um reduto contíguo à face sul do Arquivo Museu de Marinha por «obras», estas mesmas palavras assentam
edifício onde se encontrava instalada a Sala do que nem uma luva na produção bibliográfica e
Risco, no antigoArsenal da Marinha. Na sequên- intelectual do Comandante Estácio dos Reis, que,
cia da viagem da corte para o Brasil, com a qual com regularidade e a devoção que é apanágio
seguiu a quase totalidade dos instrumentos do dos grandes Marinheiros, sem com isso pretender
Observatório, este «manteve-se numa situação qualquer tipo de mercê, nos vem, paulatinamen-
deplorável, quase sem instrumentos e […] sem te, restituindo muito do saber e cultura navais, em
actividade […], até que em 1824 foi transferido grande medida olvidados devido à proverbial fal-
para as águas-furtadas das instalações dos lentes ta de visão relativamente àquilo que, nos tempos
da Academia Real da Marinha». Aquando do actuais de crescente indefinição e temor, é ver-
incêndio que aí lavrou em 1843, o «Observa- dadeiramente importante preservar: as tradições,
tório regressa ao Arsenal e é metido no vão de os conhecimentos e os valores mais nobres da
uma janela da Sala do Risco, onde fica humilha- Marinha, que pela acção e inteligência dos seus
do até 1847», passando então a depender da quadros sempre soube estar na vanguarda da mo-
recém-criada Escola Naval. Tal decisão deveu- dernização e do desenvolvimento do país.
-se ao facto de, por esta altura, o Observatório se Confessamos, pois, senhor Comandante
destinar, no essencial, «ao ensino das práticas da António Estácio dos Reis, que é com certa an-
astronomia náutica e da pilotagem» dos cadetes, siedade que aguardamos a publicação da sua
uma vez que, entretanto, havia sido construído próxima obra. Bem-haja, pois, pela sua perse-
o Observatório da Tapada da Ajuda, que não se verança e dedicação em prol da divulgação da
encontrava na tutela da Marinha. nossa cultura naval e científica!
Curiosamente, algumas das relevantes ques- Z
tões para os marinheiros desta época só foram António Manuel Gonçalves
em definitivo resolvidas após a extinção do Ob- CTEN
servatório da Marinha em 1874, nomeadamen- am.sailing@hotmail.com
te a definição da Hora Legal e a construção do O mastro com o segundo Balão do Arsenal, Nota:
chamado Balão do Arsenal, através do qual os instalado na extremidade sueste do telhado do 1 António Estácio dos Reis, O Observatório Real da
navios fundeados noTejo aferiam a marchas dos edifício da Sala do Risco. Marinha, Lisboa, CTT Correios de Portugal, 2009.
REVISTA DA ARMADA U MARÇO 2010 29

