Page 25 - Revista da Armada
P. 25

RECORDANDO…

           O curioso caso do salvamento
                  do navio “Desertas”

Menino e moço, passava as férias            Engº António Mendes Barata, com o título  pois de reparado da sabotagem provocada
           grandes na praia da Costa Nova,  O salvamento do DESERTAS dos Transportes  pela guarnição alemã, seguiu para Lisboa
           aonde a minha família veraneava  Marítimos do Estado, datado de 1920.      com o acordo do Governo Inglês e ficou ao

e recuperava das anuais lides em Aveiro, Graças à Internet e tendo sido infor- serviço da casa “Furness” em 9 de Novem-

minha terra natal.                          mado que os livros da referida biblioteca bro de 1916.

Foi precisamente na ria daquela praia que passaram à Biblioteca Central da Mari- Saiu então de Lisboa em 15 de Novem-

aprendi a nadar, remar, velejar e até pescar, nha, consegui confirmar que de facto o tal bro para Leixões onde ia carregar toros de

coisas úteis que não se ensinavam no liceu livro estava lá.                           pinho, com lastro nos respectivos tanques

de José Estêvão.                                                                                                   de água e 500 toneladas de car-

Isto passava-se nos anos 30 do                                                                                     vão nos paióis.

século passado.                                                                                                    O navio chegou já ao anoitecer

Em frente ao casario de madei-                                                                                     do dia 16 à entrada de Leixões,

ra (designado por palheiros) com                                                                                   mas não poude entrar porque

faixas verticais pintadas de co-                                                                                   dado o estado de guerra, estavam

res vivas, havia e ainda há (mais                                                                                  proibidas as entradas de noite.

estreito e menos profundo) um                                                                                      Começou entretanto a levantar-

braço da ria entre a Costa Nova                                                                                    -se forte temporal de WSW e pela

e a Gafanha da Nazaré.                                                                                             descrição do Comandante (José

Neste troço labutavam os bar-                                                                                      Guerreiro Jorge) decidiu afastar-

cos moliceiros na apanha do mo-                                                                                    -se da costa, mas às tantas o na-

liço com que adubavam as terras         A Costa Nova nos anos 30.                                                  vio deixou de obedecer ao leme,
                                        “Costa Nova do Prado. 200 Anos de História e Tradição”, Senos da Fonseca.
da margem Leste, enquanto que                                                                                      devido à falta de pressão nas cal-
a Oeste alguns veraneantes uti-                                                                                    deiras. Aguarnição não devia ser

lizavam os seus barcos de recreio (bateiras e Verifiquei, então, pela sua consulta, que muito experiente e estava toda enjoada.Ain-

vougas) quando o vento estava de feição. as coisas não se passaram exactamente da se tentou, com auxílio de uma vela trian-

Barcos a motor eram muito poucos.           como me tinham contado.                   gular, aproar ao largo.

Ora, na ria, na baixa-mar e suas proximi- De facto, pela leitura do livro pude ve- O certo é que devido ao forte temporal o

dades, a altura das águas deixava muito a rificar que o salvamento do “Desertas” foi navio continuou sem governo. Pelas 14 ho-

desejar, mas havia a possibilidade de se na- empresa muito complicada e que o tal sub- ras do dia 18 avistou-se o farol de Aveiro a

vegar pelo Canal do Desertas que mantinha marino, embora aparecendo na peça, nada cerca de 14 milhas, continuando-se a cair

sempre uns bons metros de profundidade e teve a ver com o encalhe do navio.           para terra. Às 18 horas içou-se o sinal de

dava para nos deslocarmos desde a Vaguei- Apesar de não ser fácil, vou tentar sinte- pedido de socorro e depois de ter avisado

ra ao Forte da Barra, assim soubéssemos tizar o que o Engº Mendes Barata relata no a guarnição, o comandante decidiu aproar o

aproveitar o vento e a corrente.            livro citado:                             navio à costa, onde houvesse menos reben-

Achava tudo isto normal e o                                                                                        tação, encalhando pelas 2020H

nome de Desertas não me des-                                                                                       na Vagueira, cerca de meia milha

pertava qualquer curiosidade,                                                                                      a Sul dos palheiros das armações

até que um dia, reparei que no                                                                                     de pesca da Costa Nova.

Café da terra, existia um quadro                                                                                   Começou então a “saga” buro-

com uma foto de um grande na-                                                                                      crática do eventual salvamento

vio a poucos metros das casas,                                                                                     do navio com troca de telegra-

mesmo em frente à Costa Nova.                                                                                      mas e correspondência vária, en-

Indaguei então do sucedido e al-                                                                                   tre as entidades intervenientes, o

guém me contou que se tratava                                                                                      que iria durar 2 anos. Tal não é de

do “Desertas” o navio que em                                                                                       admirar dado o estado de guer-

1916 fora atacado por um subma-                                                                                    ra, frequentes revoluções, conse-

rino alemão e se tinha esquivado,                                                                                  quente queda de governos e mu-

indo encalhar na praia, perto da        O “Desertas” encalhado.                                                    dança de intervenientes, etc.
                                                                                                                     Não cabe aqui neste simples
Vagueira.

Depois fora salvo através de um canal O “Desertas” era afinal um ex-navio artigo entrar em grandes pormenores neste

dragado até à barra. Que na altura do ata- alemão de nome “Hochfeld” de 3.689 ton. campo e apenas direi que dado que o navio

que de artilharia do submarino, toda a gen- brutas, capacidade de carga de 6.693 ton. mantinha o casco em bom estado, pensou-

te tinha fugido espavorida, etc., etc.      e 112 m de comprimento, 12,7 m de boca, -se primeiro em safá-lo para o mar. Foi para

Muito mais tarde, falando de velhos tem- 7,8 m de pontal, dotado de 2 caldeiras que lá enviado o navio “Patrão Lopes” sob co-

pos, com o Comandante Guerra Corujo, (na- forneciam vapor a uma máquina de 1300 mando do 1TEN Álvaro Nunes Ribeiro e

tural de Ílhavo, chefe do meu curso e colega cavalos, que permitia uma velocidade de tanto ele como o Capitão do Porto de Avei-

do Liceu e que também passava as férias na 11 nós.                                    ro, CFR Jayme Afreixo, chegaram à conclu-

Costa Nova), informou-me que havia um Fora apresado no Funchal quando da são que embora o casco estivesse intacto,

livro na biblioteca do I.S.N.G, da autoria do nossa entrada na 1ª Guerra Mundial e de- era difícil, mas não impossível, a salvação

                                                                                                                   REVISTA DA ARMADA U MARÇO 2010 25
   20   21   22   23   24   25   26   27   28   29   30