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REFERÊNCIAS GEOGRÁFICAS 8
Cabo da Boa Esperança
«Eu sou aquele oculto e grande Cabo ção, sucessiva, de vários arquipélagos atlânti- foi com dificuldade que progrediram a partir
A quem chamais vós outros Tormentório, cos – Madeira, Açores, CaboVerde e S. Tomé de então. Para tal, tiveram que afastar-se da
Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo, –, caberia a Bartolomeu Dias (c.1450-1500) costa, fazendo bordos à guisa de bolina co-
Plínio, e quantos passaram, fui notório. descobrir a passagem, entre o Atlântico e o chada, com o intuito de prosseguir para sul.
Aqui toda a Africana costa acabo Índico, há tanto tempo almejada. Depois de muitos perigos e navegação tra-
Neste meu nunca visto Promontório, balhosa, encontraram, finalmente, os ventos
Que pera o Pólo Antárctico se estende, De acordo com a cronologia mais con- gerais de oeste, o que terá levado o Capitão
A quem vossa ousadia tanto ofende!»1 sensual, os navios de Bartolomeu Dias terão a alterar o rumo dos navios, que aproaram a
largado de Lisboa na primeira quinzena de
Leste. Depois de alguns dias
embora relativamente pró- de navegação com vento eFoto CTEN Maurício Camilo
ximo daquele extremo, o mar de feição, foi com cer-
Cabo da Boa Esperança ta surpresa que não lograram
(34º 21’ S) não é, todavia, o li- avistar terra onde julgavam
mite meridional do continente que esta se encontraria. Cons-
africano. Essa honra cabe ao cientes de se encontrarem para
Cabo das Agulhas (34º 50’ S), além do limite meridional do
situado umas 90 milhas a sues- continente africano, soltaram
te do primeiro, o qual, por de- o rumo para Norte. Voltariam
finição, estabelece a fronteira a avistar terra a 3 de Fevereiro
entre os oceanos Atlântico e de 1488, por alturas da baía
Índico2. No entanto, até 1510, que baptizaram como S. Brás,
as cartas apresentaram o Cabo actual Mossel Bay, prosseguin-
da Boa Esperança numa lati- do a navegação, para leste,
tude superior à do Cabo das cosidos à costa sul-africana.
Agulhas, facto que indicia Vista do Cabo da Boa Esperança. Fruto de um certo desconten-
tamento manifestado pelos seus homens, ao
uma deficiente determinação desta coorde- www.compassodissey.net qual acrescia uma manifesta falta de condi-
ções para alcançar a Índia6 com aquela ex-
nada, a partir da passagem meridiana do Sol, pedição, Bartolomeu Dias acabou por con-
por ocasião da viagem de Bartolomeu Dias. descender, pelo que retornaram ao reino no
Em certa medida, foi esta a razão pela qual o local a que deram o nome de Rio do Infante,
Cabo da Boa Esperança se constituiu como a actual Great Fish River.
derradeira barreira psicológica para os nave- Cumpre no entanto referir que, tanto o fa-
gadores e navios portugueses, depois de no moso Cabo das Agulhas – na altura baptiza-
início do descobrimento da costa ocidental do como S. Brandão –, como o Cabo da Boa
africana essa função ter cabido, primeiro ao Esperança, só seriam avistados na viagem
Cabo Não e mais tarde ao Cabo Bojador. Por de regresso. Passaram pelo primeiro a 23 de
este facto, o temível promontório foi, ao lon- Abril, muito embora não o tenham identifi-
go dos tempos, glosado por inúmeros artistas, cado como o extremo sul de África. Posto
designadamente poetas, como sucedeu com isto, a expedição, composta pelas caravelas
dois dos nomes maiores das letras lusas: Luís Placa que assinala in loco as coordenadas geográ- S. Cristóvão e S. Pantaleão, fundeou no golfo
de Camões (c.1524-1580) em Os Lusíadas e ficas no Cabo da Boa Esperança. de Dentro das Serras, actual False Bay, local
onde erigiram o Padrão de S. Filipe. Larga-
Fernando Pessoa (1888-1935) n’A Mensagem, Agosto de 1487, alcançando o golfo de San- riam dali em finais de Maio, altura em que
que o apelidaram deAdamastor3 e Mostrengo4, ta Maria da Conceição, actual Walvis Bay, na pela primeira vez avistaram o famoso Cabo
respectivamente. Namíbia, a 8 de Dezembro. Em virtude do da Boa Esperança, que delimita a
O Cabo da Boa Esperança é também reco- vento ponteiro de sueste que, durante quase poente a baía onde haviam fun-
nhecido universalmente como o culminar do todo o ano, se faz sentir naquelas paragens, deado. Relativamente ao primei-
sonho de um homem, o Infante ro avistamento daquele que foi,
D. Henrique (1394-1460), que, durante séculos, celebrado pelosArquivo CTEN António Gonçalves
segundo alguns, teria em men- Portugueses como o mais temido
te alcançar, por via marítima, promontório, atente-se nas pala-
circum-navegando o continente vras que nos deixou o cronista
africano, dois lugares lendários, João de Barros (1496-1570):
o reino de Preste João5 e a Índia «Partidos dali, houveram vista
das Especiarias. Como que cum- daquele grande e notável cabo,
prindo o plano gizado por um encoberto per tantas cente-
visionário, depois de um sem nas de anos, como aquele que,
número de viagens de explora- quando se mostrasse, não des-
ção ao longo da costa ocidental cobria somente a si, mas a ou-
africana, que se estenderam por tro novo mundo de terras. Ao
várias décadas, lideradas por qual Bartolomeu Dias e os de
nomes como Gil Eanes, Diogo
Gomes, Diogo Cão ou Duarte
Pacheco Pereira, e da ocupa- A célebre carta de Henricus Martellus de 1489.
24 JUNHO 2010 • Revista da aRmada