Page 28 - Revista da Armada
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HIERARQUIA DA MARINHA 5
CABEDEL E CAPITÃO
Apalavra cabedel deriva do latim capi-
téllium e, segundo José Pedro Macha- de mais alto nível a que, no caso de uma arma- (1382); capitão de galé (1388); capitão de fus-
do, no seu dicionário Etimológico da da, correspondia a designação de almirante. ta (1433); capitão da armada (1437); capitão
Daqui parece lícito deduzir que o comandan- de barinel (1444); capitão de caravela (1453);
LínguaPortuguesa(1959),éumdiminutivode te de uma força terrestre embarcada, mesmo capitão de galeota (segunda metade do séc.
caput (cabeça) por intermédio do castelhano. quando hierarquicamente superior ao almi- XV), etc.
Possivelmente nos primórdios do país, rante, não teria qualquer interferência nos as- Como enquadramento geral de vários ar-
cabedel significava chefe, caudilho ou guia. suntos náuticos. Cremos que assim foi, porque tigos futuros dedicados a diferentes postos e
Contudo, mais tarde, em meados do séc. XV, um século mais tarde, durante a época dos cargos da hierarquia da Marinha associados
o seu significado surgiu ligado a almirante, descobrimentos geográficos e da expansão ao termo capitão, poderemos dizer que, em
como prova o texto das Ordenações Afonsinas marítima, coexistiam nas nossas armadas um Portugal e desde o séc. XIV, tem múltiplas uti-
(Liv. 1s, Tit. LIV, pp. 319 e 320), onde se encon- capitão-mor e um almirante, sendo este su- lizações, todas elas significando uma entidade
tram referências como a seguinte: «… E porém bordinado do anterior, mas responsável pela superior que assume o controlo de um ou vá-
antigamente os Imperadores e os Reis, que ha- náutica dos navios. rios navios. Por isso, logo de início, quando o
viam guerra no mar, quando armavam naus O termo capitão deriva do baixo latim ca- termo surgiu ligado às actividades marítimas
para guerrearem os seus inimigos, punham pitanus, que significa chefe. Em âmbito militar de âmbito científico, comercial ou militar, pro-
cabedeis sobre elas, a que chamavam em este terrestre, o capitão é um chefe que comanda curou significar: aquele a quem cabe dirigir e
tempo almirante, o qual é assim chamado, um certo número de combatentes. No con- ter a responsabilidade do bom êxito de cada
porque ele é e deve ser cabedel, ou guiador texto marítimo, adquiriu um significado viagem/missão, sendo, a bordo, o único re-
de todos aqueles que vão em galés, ou navios idêntico, porque o capitão é um chefe que presentante do armador (privado ou público),
para fazerem guerra sobre o mar, e têm tão comanda um navio ou grupo de navios, o para o que possui amplos poderes técnicos,
grande poder na frota como El Rei aí de pre- que torna o termo sinónimo de comandante comerciais, jurídicos e militares.
sente fosse…». ou de almirante. Comprovam este reciocínio António Silva Ribeiro
Este texto das Ordenações Afonsinas torna as múltiplas referências existentes em docu- CALM
mentos antigos, tais como: capitão de frota
claro que cabedel é sinónimo de comandante
VIGIA DA HISTÓRIA 32
NAVEGAÇÃO DE LESTE-OESTE
Já em número anterior se deu conheci-
mento de uma tentativa de resolução do Tomé da Fonseca que, em carta de 12 de sio, Jorge Orta de Paiva, matemático e o lente
problema da determinação da longitude, Abril de 1651, informava ter escrito, fruto de matemática da Universidade de Coimbra
designada então como a Navegação de Leste- da sua grande experiência, cinco livros que Gaspar Merai.
-Oeste. esperava publicar.
De todos os membros da Junta somente o
O problema, bem preocupante, dera ori- O 1º livro tratava do verdadeiro meio do cosmógrafo Mariz Carneiro considerou que a
gem à constituição de prémios para quem mundo (lugar que apontava na superfície doutrina apresentada não tinha valor, os res-
encontrasse a solução, prémios esses que da terra). tantes consideram-na muito engenhosa e subtil
motivaram, certamente, o aparecimento de mas necessitando ser testada, sugerindo que
muitos candidatos. O 2º tratava das causas do variar e do fixar da Tomé da Fonseca efectuasse uma viagem às
agulha e como se comunica esta virtude à pedra Ilhas para tal efeito.
Um dos interessados foi o matemático Je- decevar1 eaindaqualopontoparaondeolham
rónimo Osório da Fonseca que, para o efeito, as agulhas cevadas e as que o não são. Em conformidade com o parecer da Junta o
inventou uma agulha que na viagem para a Ín- Conselho Ultramarino decidiu mandar Tomé
dia muito provavelmente em 1652 terá testado, O 3º livro tratava do curso e movimento do da Fonseca às Ilhas e, consoante os resultados
e isto porque, em carta de Março de 1653, o Rei mar em geral e em particular de todos os mares obtidos, seguidamente à Índia.
inquiria quanto ao resultado da experiência. A do mundo.
20 de Janeiro de 1654 uma carta de Goa, infor- A viagem às Ilhas deverá ter ocorrido depois
ma-se o Rei que o piloto Manuel André trazia O 4º livro versava sobre o caminho, até de Abril de 1656 tendo Tomé da Fonseca recebi-
a agulha na viagem para o Reino com o intuito agora escondido e de tantos buscado, de Leste- do para o efeito 200 cruzados de ajudas de custo.
de a testar durante a viagem. -Oeste e o contar por graus e minutos com tan-
ta certeza como se navega por outros rumos. Não se apurou qual o resultado da expe-
Muito possivelmente embarcado no galeão riência, nem se Tomé da Fonseca voltou à Índia
Santíssimo Sacramento da Trindade o piloto O 5º livro mostraria qualquer parte de onde com o propósito de prosseguir as experiências,
Manuel André chegado a Lisboa, terá infor- aparece o sol e qual o meridiano verdadeiro. mas o “silêncio” que recaiu sobre a personagem
mado o Conselho Ultramarino de que o ins- levam a admitir que as experiências efectuadas ,
trumento não tinha qualquer utilidade e que se A proposta despertou o interesse do Con- como seria de esperar, tenham fracassado.
havia partido durante um combate. selho que, mandando-o regressar ao Reino, o
fez apresentar em 1655 a doutrina a uma Junta Com. E. Gomes
Jerónimo Osório em 1655 ainda estava de Matemáticos, integravam essa Junta João
na Índia e requeria uma mercê que, ao que de Sequeira Varejão que várias vezes fora à Fonte:
se julga, não lhe terá sido atribuída. Índia como capitão e capitão mor e exercera Livro das Menções 23-A, Cx 36, Cx 40, Cx 41 Índia
idênticos cargos nas armadas do Reino, o cos- Arquivo Histórico Ultramarino.
Mais ou menos pela mesma altura novo mógrafo mor António Mariz Carneiro, o lente Da Navegação Portuguesa no Índico – Alberto Iria.
candidato surgia, também na Índia, era ele da Aula de Fortificação Luís Serrão Pimentel,
2 matemáticos jesuítas do Colégio de S. Antão, Notas:
os padres Bartolomeu Duarte e Jorge Quine-
1 Pedras usadas para magnetizar as agulhas .
28 MAIO 2011 • REVISTA DA ARMADA