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O FORÇAMENTO DO TEJO1 EM 1831

NA ICONOGRAFIA MARÍTIMA FRANCESA
AMarinha francesa, renovada pelo
         Rei Louis-Philippe I 2, foi o bisturi de  armamento de uma esquadra em Belle-Isle,      não atribuía personalidade diplomática ao
         um conjunto de intervenções exter-        ao largo da Bretanha, com a intenção de       encarregado de negócios francês em Lisboa.
                                                   desembarcar na Ilha Terceira e, a partir dos  Exigiam, pois os Miguelistas, uma arbitra-
nas levadas a cabo pela França, e iniciadas Açores, reconquistar o Continente portu- gem internacional, para resolver o caso.
em 1830, com a tomada de Argel pelo Al- guês e restaurar o Regime Liberal, deposto               Testemunha da deterioração das rela-
mirante Duperé. Esta operação, que marca pelos absolutistas em 1828.                             ções franco-portuguesas, o governo bri-
o início da colonização francesa no Norte de       O motivo da crise Luso-Francesa foi o tânico de Lord Palmerston, não acatou as
África, teve, para Portugal, uma feliz conse- julgamento e aprisionamento, em Lisboa intenções Miguelistas, optando por uma
quência, na medida em que permitiu, afas- (1831), pelos Tribunais Miguelistas, de dois neutralidade que abriu as portas a uma in-
tar definitivamente, da Península Ibérica, a cidadãos franceses: Edmond-Jules Pruden- tervenção marítima francesa5. Essa posição
ameaça de ataques de piratas berberescos. ce Bonhome e Claude Sauvignet. O primei- reflecte, de facto, o apoio indirecto a Dom
Um ano mais tarde, o caso do «Force- ro,professoremLisboa,porofensaàreligião Pedro, pela Coroa Britânica.
ment des Passes du Tage», terá                                                                               Em Junho de 1831, a pri-
por cenário Lisboa, a Barra e o                                                                              meira divisão naval francesa
Estuário do Tejo como pano                                                                                   composta por cinco navios
de fundo, resultado duma cri-                                                                                comandados pelo Capitão de
se diplomática entre a França e                                                                              Mar-e-Guerra De Rabaudy,
Portugal, no decorrer da guerra                                                                              bloqueia a Barra do Tejo, apre-
civil portuguesa.                                                                                            sando e encaminhando par
Ora, o episódio naval da                                                                                     o Porto de Brest no dia 11 de
investida francesa sobre Lis-                                                                                Junho de 1811, a charrua por-
boa pelo Amirante Roussin, é                                                                                 tuguesa “Orestes”, provenien-
um acontecimento pouco lem-                                                                                  te do Brasil, dia 6 de Julho de
brado e singular, porque teve                                                                                1831, apoiada por reforços vin-
uma forte importância na crise                                                                               dos dos arsenais de Toulon e de
de sucessão em Portugal. Em                                                                                  Brest, a esquadra francesa, ago-
França, o acontecimento marí-                                                                                ra composta de catorze navios
timo do «Forcement des Passes                                                                                e comandada pelo Contra-Al-
du Tage» está associado a uma                                                                                mirante Roussin, “Prefeito Ma-
interessante iconografia históri-  L'Entrée du Tage forcée par l'escadre française.                          rítimo” (Director dos serviços
ca. Vários quadros do Museu        Auguste Mayer, Copyright, © Musée des Beaux-Arts de Dijon. Photo F. Jay.  do Arsenal e responsável pela

do Palácio de Versalhes, cria-                                                                               protecção das costas) de Brest,
do pelo Rei Louis-Philippe em                                                                                lança ferro na Baia de Cascais, à
1837, lembram este episódio                                                                                  vista da Barra de Lisboa.
naval. Outros quadros impor-                                                                                 Mas quem era afinal René-
tantes, que ilustram este acon-                                                                              -Reine, Barão de Roussin?
tecimento, estão expostos no                                                                                 Seguramente um respeitado
Musée des Beaux-Arts em Di-                                                                                  líder e grande conhecedor da
jon.Trata-se de um conjunto de                                                                               Marinha e da navegação por-
obras pouco conhecidas do pú-                                                                                tuguesas. No currículo do Al-
blico, e muito pouco estudadas                                                                               mirante francês, que começara
por especialistas portugueses                                                                                a carreira como marinheiro de
ou franceses. Toda essa colec-                                                                               leme, figuravam acções nos
ção de pinturas, foi completa-                                                                               postos de Capitão-Tenente
da por uma serie de gravuras                                                                                 no Indico, como Capitão-de-
alusivas ao tema e abertas ao                                                                                -Fragata no Canal da Mancha
longo do século XIX, com um                                                                                  e ao largo de Portugal desde os
manifesto interesse histórico e    L' escadre française devant Lisbonne.                                     Açores ao Continente, durante
iconográfico.                      Auguste Mayer, Copyright,© Musée des Beaux-Arts de Dijon. Photo F. Jay.   as campanhas napoleónicas,

A investida naval francesa no Tejo, teve e aos bons costumes, o segundo, industrial na Guerra Peninsular. Entre 1819 e 18206,
por origem uma grave crise diplomática de cerveja, por conspiração política. O pre- levou a cabo várias campanhas hidrográfi-
entre o regime absolutista de Lisboa, diri- texto foi engenhosamente explorado pelo cas nas costas de África e do Brasil, tendo
gido desde 1828 por Dom Miguel, e o go- agente comercial francês em Lisboa, Senhor estabelecido em 1822, uma estação naval
verno francês de Louis-Philippe, que não de Las Cassas, que abandonou o País em si- francesa no Atlântico Sul, composta por
ocultava a sua simpatia pela causa dos Li- nal de protesto, em 19 de Abril, não sem pe- um pequeno grupo de vasos de guerra.
berais de Dom Pedro e de sua filha Dona dir reparação e lançar um Ultimato ao Go- Finalmente em 1828, negociou com êxito
Maria da Glória. Refugiado em França3 e verno de Dom Miguel. Do lado português, uma crise diplomática com o Imperador
após ter passado por Inglaterra, Dom Pe- registava-se a impossibilidade de se chegar do Brasil, Dom Pedro I 7, que conhecia per-
dro, que tinha renunciado à Coroa do Bra- a um entendimento diplomático, pois o feitamente. A todos esses títulos, Roussin,
sil, esforçava-se por recrutar um exército de governo de Dom Miguel não reconhecia marinheiro confirmado, negociador astu-
voluntários e de mercenários4. Procedia ao a “Monarquia de Julho”, e, por essa razão, to e experiente, conhecia particularmente

                                                                                                 23REVISTA DA ARMADA • MAIO 2011
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