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ANTÁRTICA - A DESCOBERTA
«E se mais mundo houvera, lá chegara»
Luís de Camões, «Os Lusíadas», VII 14,8.
INTRODUÇÃO subida do preço do petróleo/
Os portugueses, em geral, gás e pela escassez de algu-
têm dado pouca importância
ao que se passa nos pólos, mas matérias-primas em terra.
Embora esteja em vigor o Sis-
apesar de serem dos locais tema do Tratado da Antártida,
geopoliticamente mais ac-
tivos do planeta. O Árctico, que inclui nomeadamente o
Protocolo de Madrid, cujo ar-
segundo o editorial da revista tigo sétimo proíbe terminan-
da Marinha Francesa «Le Ma-
gazine de la Marine Nationale», temente todas as actividades
de prospecção de recursos
de 12 de Fevereiro de 2011, naturais durante cinquenta
pode-se transformar num
novo Eldorado, já que tem anos, excepto para a condu-
ção de pesquisas científicas, a
um quarto das reservas ener- verdade é que os países que
géticas mundiais e minerais
em abundância. O mesmo reclamam soberania na região
estão a propor às Nações Uni-
editorial, escrito por Laurent das a extensão da plataforma
Letot, do Centre d’études supé- 1519-1522, "Atlas Miller", de Lopo Homem, António de Holanda, Pedro e Jorge Reinel. continental dessas regiões.
rieures da la Marine, diz que a
Antártica dispõe igualmente de um poten- As notícias que nos chegam da Antár- OS PORTUGUESES E
cial imenso e já se exercitam as pressões po- tica falam-nos essencialmente de ciência, A ANTÁRTICA
líticas para a sua exploração. porque aí se têm descoberto muitos se-
A hipótese de no século XVI ter acontecido
Esta breve introdução deve suscitar, pelo gredos, bem conservados, da evolução um descobrimento da Antártica, feito pelos
menos, uma questão muito simples: Portugal da Terra e porque, pela sua dimensão, Portugueses, ao sul do Cabo da Boa Esperan-
tem alguma coisa a ver com o que se passa este espaço exerce uma profunda influ- ça, é algo que, sobretudo recentemente, tem
nos pólos? Qual deverá ser a posição portu- ência no clima global, tendo um enorme sido objecto de discussão por alguns historia-
guesa? Certo é que sem conhecimento não impacto na vida Humana. dores e jornalistas. Sobre tal matéria os autores
pode haver uma posição firme e de-
cidida. É este conhecimento sumário dividem-se e não parece haver forma
de podermos ter quaisquer certezas.
que justifica uma série, para já, de dois Trata-se, no fundo, de algo de seme-
artigos sobre a Antártica.
Vejamos como Portugal deu um lhante ao que também acontece com
as hipóteses de alguns outros possíveis
enorme contributo para a delimitação descobrimentos quinhentistas por-
da região Antártica (não mencionado
na revista acima citada) o que porven- tugueses no Atlântico Sul, em outras
latitudes também meridionais: quer
tura até poderia ter justificado a alega- no Ocidente (teoria de Peter Dickson
ção de um direito histórico português
no âmbito do Tratado da Antártida. Para de um possível pré-descobrimento
do Estreito de Magalhães, pelos Por-
a elaboração deste primeiro artigo tugueses, antes de 1507, reflectido no
conjugaram-se os contributos de dois
autores com diferentes formações (um célebre mapa de Waldseemüller) quer
no Oriente (teorias de autores como
oficial de Marinha e um investigador Kenneth McIntyre, e de outros mais
de História da Cartografia da Época Gerard Mercator, em 1541, é quem pela primeira vez lhe chama
dos Descobrimentos), por acaso ambos «Psitacorum Regio» recentes seguindo-os, de um possível
pré-descobrimento portuguêsdaAus-
ligados à Figueira da Foz. A comunidade científica nacional des- trália, no século XVI, reflectido na chamada
Na próxima edição apresentar-se-á o sis- pertou para o estudo desta região a partir do “escola de Dieppe”, a cartografia quinhentista
tema do Tratado da Antártida, muito bem es- final da década de 90 do século passado. O francesa que copiava antigos modelos portu-
tudado pelo Comandante Mata Gaspar no objecto das investigações tem sido essencial- gueses).
seu livro «As reivindicações territoriais na mente a região da Península Antártica e do Neste caso, trata-se só de uma hipótese e é
Antárctida», e procurar-se-á apresentar uma Mar de Scotia. A partir de 2005 e, em espe- muito discutível. Na verdade, os seus objecto-
perspectiva actual do interesse geopolítico e cial, depois do Ano Polar Internacional 2007- res até podem alegar que ela é mesmo muito
científico da Antártica. 2008, o número de investigadores nacionais pouco crível, por causa desse alegado desco-
O INTERESSE DA ANTÁRTICA que trabalha nesta região tem aumentado brimento ser demasiado ao sul das latitudes
substancialmente, nomeadamente na área médias praticadas na “Carreira da Índia”
A Antártica é um continente com 14 mi- das ciências da criosfera e das ciências bio- (rota do Cabo) e por ser então no século XVI
lhões de quilómetros quadrados, quase o lógicas. climática e nauticamente muito difícil serem
dobro da superfície dos Estados Unidos da A par desta grande dinâmica da comu- atingidas latitudes tão austrais.
América. Trata-se de um continente domi- nidade científica internacional movem-se
As principais fontes em que se baseiam
nado pelo gelo (95 a 98% da superfície), que grandes interesses geopolíticos de países os historiadores e jornalistas que defendem
representa aproximadamente 70% da água que se movimentam na região, muitos de- essa ideia são vários mapas, portugueses e
doce do planeta. Aí existem muitas reservas les europeus. Estas movimentações estão estrangeiros (flamengos, franceses, etc.), so-
de metais raros e, provavelmente, os últimos relacionadas com as novas facilidades pro- bretudo das últimas décadas do século XVI
super campus de petróleo do planeta. porcionadas pelas alterações climáticas, pela e dos primeiros anos do século XVII, em que
26 DEZEMBRO 2011 • REVISTA DA ARMADA