Page 29 - Revista da Armada
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1590 em Macau e atribuível ao jesuíta por- navegações anteriores que, a pouco e pouco, CONSIDERAÇÕES FINAIS
tuguês Duarte de Sande, e de um planisfé- tinham permitido ir circunscrevendo o que
rio datável de c.1590-1614 e talvez atribuível poderiam ser, ou não, os limites reais da fan- O «não-descobrimento» (verificar e con-
ao jesuíta português Inácio Moreira. Nessas tástica mas sempre procurada «Terra Aus- firmar que algo não existe, lá onde se julgava
duas fontes, em termos textuais muito se- tral»: as navegações da «Carreira da Índia» e que poderia existir…) é também um «des-
melhantes entre si, afirma-se a existência, outras portuguesas nos séculos XVI-XVII, as cobrimento»! É uma forma de exploração
nessas latitudes austrais, ao sul do Cabo da do inglês Sir Francis Drake, as do português geográfica. Bartolomeu Dias demonstrou,
Boa Esperança, de uma terra gelada que era Pedro Fernandes de Queirós, as do holan- em 1488, que o continente africano não esta-
avistada pelos navios portugueses, ainda dês Dirk Gernitsz e, finalmente, as do inglês va ligado à Terra Austral e Fernão de Maga-
que lá não desembarcassem. James Cook no século XVIII. lhães fez o mesmo em relação ao continente
americano. As viagens da «rota do cabo» e
Esse mapa de Anónimo-Inácio Moreira O Capitão Cook merece uma menção es- da costa da América do Sul reforçaram ain-
(?), c.1590-1614, foi há alguns anos atrás ob- pecial, já que entre 1772 e 1775 circum-nave- da mais este conhecimento.
jecto de alguns textos por parte de um dos gou o continente antártico, na latitude dos 71
autores deste artigo (um desses textos, então, º S, aparentemente sem nunca avistar terra, As revistas estrangeiras mencionam o
em colaboração com o conceituado especia- demonstrando que se existisse uma massa contributo do Capitão James Cook, mas omi-
lista norte-americano Kenneth Nebenzhal, de terra mais a sul, esta não estaria ligada a tem o papel pioneiro dos portugueses na des-
que apresentou e garantiu a autenticidade qualquer continente. Só por acaso não desco- coberta da Antártica. Não estará na hora de
desse exemplar cartográfico) (5). briu a Península Antártica. exercitar a memória do mundo?
Mas… mesmo juntando tudo isto — os A Antártica só foi formalmente avis- Alfredo Pinheiro Marques
papagaios dos portugueses, de Mercator, tada na segunda década do século XIX. Director do Centro de Estudos do Mar
Ortelius, Lavanha e Teixeira, os canhões do Existe controvérsia sobre quem descobriu
luso-malaio Manuel Godinho de Herédia, os o continente branco, embora a maioria dos (CEMAR)
gelos dos jesuítas viajando como passageiros autores atribua essa honra a Fabian Got-
nos navios da “Carreira da Índia”… — será tlieb von Bellingshausen, um oficial da Armando J. Dias Correia
suficiente para se poder afirmar que fica pro- Marinha Imperial Russa, em 26 de Janeiro CFR
vada uma pretensa e pioneira chegada dos de 1820. Os outros candidatos ao título são
Portugueses à Antártica? Parece claro que a o britânico Edward Bransfield e o ameri- Notas:
resposta a essa pergunta não deverá, na ver- cano Nathaniel Palmer.
dade, ser afirmativa. Por questões de espaço, foram omitidas muitas das refe-
Também existe controvérsia em rela- rências presentes na primeira versão deste texto.
A mítica «Terra Austral» — e, com ela, a sua ção ao início da exploração. Os franceses (1) Cfr. MARQUES, Alfredo Pinheiro, “The Exceptional
mítica «Região dos Papagaios» (as aves que, consideram a data de 1840, altura em que Geographical Significance of the ‘Atlas Miller’ and the
afinal, seriam os grande albatrozes… únicos enviaram Dumont d’Urville para aí içar a Situation on the Eve of Magellan’s Voyage”, in MAR-
habitantes das pequenas ilhas…) — foram, du- bandeira nacional. Poucos dias mais tarde QUES, Alfredo Pinheiro e THOMAZ, Luís Filipe (ed.),
rante séculos, perpetuadas pela mesma razão chegou a frota do americano Charles Wi- Atlas Miller, eng. trans., Barcelona: M.Moleiro Editor,
porque sempre se perpetuam estes aconteci- lkes, que colocaria em causa esta manifes- 2006, 103-136, pp. 373-378.
mentos: por tradição e por simples repetição tação de soberania. (2) Vide SHIRLEY, Rodney W. (ed.), The Mapping of the
do que já haviam dito e escrito os antigos. World. Early Printed World Maps (1472-1700), London:
As reivindicações territoriais virão a ser Holland Press, 1984, pp. 144-145.
A DESCOBERTA DA ANTÁRTICA efectivas a partir do início do século XX até (3) Cfr. MARQUES, Alfredo Pinheiro, A Cartografia
à Segunda Guerra Mundial. Foram ficando Portuguesa e a Construção da Imagem do Mundo - La
A Antártica só viria a ser verdadeira- claros os interesses do Reino Unido, da Nova Cartographie Portugaise et la Construction de l`Image
mente explorada ao longo do século XIX, Zelândia, da França, da Austrália, da Noruega, du Monde - Portuguese Cartography and the Making of
mas não há dúvida de que, para além dos do Chile e da Argentina em relação à Antártica. the World Picture, Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da
novos recursos tecnológicos e náuticos que Moeda, 1991, p. 146.
paulatinamente foram permitindo essa O próximo artigo irá começar precisa- (4) Vide estes exemplares cartográficos na monumental
exploração sistemática (longitude, aqueci- mente na alvorada do século XX, com as obra de Rodney Shirley acima citada.
mento, motores, etc.), um contributo prévio nações a prepararem-se para descobrirem (5) Cfr. MARQUES, Alfredo Pinheiro e NEBENZAHL,
para a sua descoberta foi também dado pelas e reclamarem a posse de vastas regiões no Kenneth, “Moreira’s Manuscript. A Newly Discove-
continente branco. red Portuguese Map of the World — Made in Japan”,
Mercator’s World, Eugene OR (U.S.A.), 1997, vol. 2 (4),
pp. 18-23.
REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS
ARTIGO DO BASTONÁRIO MÁRIO RAPOSO
Foi publicado na prestigiada Revista da Ordem dos Advogados, de 2010, um excelente artigo do
Bastonário Mário Raposo (págs. 153-191), sobre o tema ARRESTO DE NAVIOS, constituindo uma
peça extraordinariamente clara sobre o tema que é, notoriamente, complexo, e composto com um
conjunto de menções doutrinárias e jurisprudenciais recentes e de grande relevo, como aliás, este ilustre
jurista maritimista já nos habituou nas suas valiosas obras.
Especialmente útil para as repartições marítimas é, seguramente, a análise efectuada sobre que navios
podem ser sujeitos a decisão de arresto, a questão da lei interna e a apreciação quanto ao Estatuto Legal
do Navio, ao conteúdo substantivo dos artigos 409º e 830º do Código de Processo Civil, e sua relaçãocom
o estatuído na Convenção de 1952, bem como a questão do decreto de arresto por um tribunal arbitral.
É, necessariamente, um artigo que obriga a uma reflexão jurídica sobre determinadas opções legislati-
vas que são assumidas, e à ausência de uma visão de conjunto que, por vezes, existe no âmbito do direito
marítimo. Um artigo a não perder.
Apenas um comentário final sobre a honra, e o gosto académico, que constitui para o signatário ser
citado num artigo de especialidade de tão ilustre autor.
Dr. Luís da Costa Diogo
Assessor do VALM DGAM
29REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2011