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a reproduzi-la. Como já há muito havia sido pinguins, ou muito provavelmente, outras de Oliveira, 1570; Anónimo - João Baptista La-
apontado, o atlas de 1597 de Lavanha e Tei- de ainda mais «incrível tamanho», como os vanha — Anónimo - Luís Teixeira, 1597-1612;
xeira tem, de resto, muitas outras óbvias in- albatrozes) e identificadas como aparentadas Luís Teixeira, 1604; Manuel Godinho de He-
fluências flamengas e de Ortelius (3). com os papagaios sul-americanos. Isso seria rédia, 1613 e c.1615-c.1622; António Sanches,
Parece sensacional…? Mas, uma vez (também no aspecto faunístico, para além do 1623, 1641; João Teixeira Albernaz I, c.1628,
mais, a explicação pode ser muito mais sim- aspecto geográfico) como que uma extensão 1630, c.1632). Foi sobretudo na cartografia es-
ples... É mais realista pensar que as terras — uma extensão para as terras contínuas que trangeira, italiana, francesa, flamenga, dentre
reais que poderão ter dado origem a estes tradicionalmente se considerava como de- outras (quer a náutica, quer a ptolomaica e
ecos na cartografia portuguesa e estrangeira vendo existir e estender-se ininterruptamente erudita) que tal representação se tornou muito
seriam as pequenas ilhas que, na verdade, para Oriente (desde a «Tierra Firme» caste- generalizada e, por isso, como já dissemos, ela
sabemos hoje que até existem mesmo, no lhana, o Brasil português e o extremo sul da está mesmo presente em alguns dos mapas,
alto mar, muito ao largo, para sudeste das América do Sul pós-Magalhães, e até ao Ex- globos,cartaseesboços,maiscélebresdacarto-
bem conhecidas ilhas de Tristão da Cunha tremo Oriente) — dos papagaios que eram as grafia mundial. Exemplos disso são Francesco
e Gough («Gonçalo Álvares»), e a sudoeste aves exóticas e emblemáticas da América do Rosselli, 1508, Alessandro Zorzi, c.1505-1525,
e sudeste do Cabo da Boa Esperança: a ilha Sul... («Mundus Novus» = «Terra Australis»). Oronce Finé, 1531, 1534, Anónimo alemão
Bouvet (hoje pertencente à Noruega), as ilhas Uma extensão que seria então considerada (Nuremberga), c.1535, Caspar Vopel, 1536,
do Príncipe Eduardo (hoje pertencentes à muito plausível, dada a suposta continuida- Gerard Mercator, 1538, 1541, 1569, Giacomo
África do Sul), o arquipélago Gastaldi, 1546, c.1561, Fran-
de Crozet (ilhas Cochons, Pos-
session, etc.) e o arquipélago de cisco Lopez de Gómara, 1552,
Giacomo Gastaldi - Gerald de
Kerguelen (ambos actualmente Jode, 1555, Paolo Forlani, 1565,
pertencentes à França). Ou até
mesmo, quem sabe, as ilhas Abraham Ortelius, 1564, 1570.
Muitíssimos outros exemplos
Heard e Macdonald, actual- poderiam citar-se (4).
mente da Austrália (mas, essas,
menos prováveis). Algumas Notamos que, em 1531 e
1534, Oronce Finé chama a
destas ilhas ainda hoje se co- esta terra austral (e bem para
brem parcialmente de neve e de
gelo e nelas não faltam grandes sudeste do Cabo da Boa Espe-
rança…) «Brasielie Regio». Em
aves… Todas elas, ou algumas c.1535 um anónimo alemão,
delas, avistadas sucessivamen-
te, podem dar a impressão de em Nuremberga, é o primeiro
onde encontramos, para além
uma terra contínua. disso, também a inscrição «Psi-
Talvez a candidata principal
para ser a verdadeira origem tacorum Terra» [sic]. O célebre
Gerard Mercator, em 1541, é
de todo este excessivo sensa- quem pela primeira vez lhe
cionalismo descobridor seja
provavelmente a muito visível, chama «Psitacorum Regio» (e
quem primeiro explica, numa
mas muito inacessível, ilha legenda, que os Portugueses
norueguesa Bouvet (descober-
ta, ou redescoberta, em 1739, lhe chamavam assim devido
à enorme grandeza que aí ti-
pelo capitão francês Bouvet, foi nham essas aves). Alguns ma-
difícil caracterizá-la e determi-
nar se era uma ilha ou parte de pas (em 1565-1570, e depois)
chamam-lhe (em português)
um continente, o que mostra «Terra Vista» [sic], o que deve-
bem a sua inacessibilidade e a
dificuldade da sua localização), rá querer dizer que era uma ter-
ra em que não se deveria conse-
situada em 54º 26’ S e 3º 24’ E, e guir, nem querer, desembarcar.
que ainda hoje está, durante a
maior parte do tempo, coberta É portanto tentador julgar que
pudesse ser a ilha Bouvet (em-
de neve e gelo, com glaciares bora também, como já disse-
que dificultam muito qualquer Anónimo - João Baptista Lavanha — Anónimo - Luís Teixeira, 1597-1612 mos, pudessem ser igualmente
desembarque. Mais de noventa por cento do de dessas terras austrais com as terras reais (e, as outras ilhas a que já nos referimos, as do
seu território (de apenas cerca de cinquenta essas sim, cheias de verdadeiros papagaios) já Príncipe Eduardo, Cochons, Possession,
quilómetros quadrados…) está nessas con- efectivamente contactadas pela América do Kerguelen, etc.).
dições, e aí existem aves, que incluem pin- Sul abaixo, à medida que os ibéricos reconhe- Julgamos que assim poderá ser explicada
guins. ciam os seus litorais...
a intrigante origem desse alegado mistério
Outra explicação poderá ser a de que se Mas, o que parece claro é que ninguém, da região e da terra dos «papagaios» (alba-
tenha tratado então simplesmente de avista- na verdade, acerca disto, pode saber e afir- trozes?), que não é a Antártica.
mentos de icebergs que, nessas frias épocas mar, qualquer certeza. A hipótese negativa é E notamos também que, embora até
dos fins do século XVI e dos inícios do sécu- a mais provável.
hoje não tenham sido utilizados para esta
lo XVII, poderiam então talvez às vezes ter Para além do dito «Esmeraldo» de c.1507 discussão (!), até existem ainda mais um
chegado até latitudes mais setentrionais e aí e do celebérrimo «Atlas Miller» de 1519-1522, outro texto e um outro espécime cartográfi-
terem sido vistos por esquadras portuguesas outras cartas e mapas, textos e desenhos, de co que poderiam ser invocados, como pro-
de passagem. feitura portuguesa, continuaram sempre tam- batórios, pelos defensores de um pioneiro
Eram terras ou gelos (e terras com gelos) e bém a reflectir essa mítica «Terra Austral» avistamento português da Antártica…!
é possível que as grandes aves lá tenham sido (por exemplo António de Holanda, c.1519, Trata-se do texto jesuítico conhecido como
brevemente avistadas (fossem elas somente Francisco de Holanda, 1545-1578; Fernando «De Missione Legatorum», publicado em
28 DEZEMBRO 2011 • REVISTA DA ARMADA