Page 10 - Revista da Armada
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Mais de 210 anos de Capitania do Porto
e uma década de Autoridade Marítima Nacional
Perfez precisamente em Fevereiro uma titucionalmente, num quadro de comple- cular relevo o último parágrafo, no qual se
década que, no nosso ordenamento ju- mentaridade com a actividade naval, que define que “...pela adopção do novo conceito de
rídico, foi criada, e instituída, a figura, lhe é um suporte estrutural fundamental. autoridade marítima nacional como parte inte-
e estrutura, da Autoridade Marítima Nacio- A tudo isto, houve, também, que se tomar grante do SAM, criam-se condições de garantia
nal, tendo o signatário terminado a última em boa análise o antecedente imposto com de uma maior eficácia na utilização dos meios
das múltiplas reuniões havidas com o Ga- a publicação – sete anos antes – do Decreto- afectos à Marinha no exercício das actividades
binete do Ministro da Defesa Nacional em -Lei nº 248/95, de 21SET, que aprovou em anteriormente enumeradas...”, de onde resul-
FEV2002. O conceito obedeceu a uma pau- anexo o Estatuto do Pessoal da Polícia Marí- ta, em conjugação com o estatuído no arti-
ta mental subordinada a quatro ordens de tima (EPPM), e o fundamento nele expresso go 2º do Decreto-Lei nº 44/2002, o que é e
critérios: constitucional, jurídico-funcional, que nos revela que se “torna necessário, assim, como se assume, neste quadro, a AMN e o
sistémico e cultural, os quais importa conhe- assumir e encabeçar as funções de policiamento que é a Marinha. Isto é, existiu uma preocu-
cer e, na medida da exiguidade do presente marítimo no quadro constitucional...”. pação específica em criar-se um ente e uma
espaço, desenvolver. estrutura novos – AMN – que justificasse
De facto, o legislador de 1995 teve, ne- uma identidade orgânica específica à qual
Em termos constitucionais, e retomando cessariamente, que encontrar um figurino a lei cometeu um conjunto de atribuições.
o princípio que havia ficado plasmado nas legal que traduzisse a funcionalidade ma- Ou, ainda por outras palavras, a criação da
disposições preambulares do Decreto-Lei nº terial que existe entre a Autoridade Marí- AMN não foi um fenómeno de estética ju-
248/94, de 21SET, houve que atender, em tima (AM) e a PM, porque é tal o elemento rídica, foi uma imposição de fundamento
termos de construção legislativa, ao facto da que concede coesão – de estrutura e opera- jurídico-constitucional.
Autoridade Marítima deter, e executar – na cional – a todo o quadro de exercício da au-
totalidade do seu quadro – competências do toridade do Estado nos espaços dominiais, Ora, lançando mão do elemento teleológi-
foro da Administração Pública e da Polícia, soberanos e jurisdicionais; mas foi, igual- co, percebemos, na sua extensão, a definição
tal como tipificados e estruturados no TÍ- mente, tal figurino legal encontrado, que do artigo 2º do DL 44/2002, normativo pelo
TULO IX da Constituição, tendo, portanto, impôs que, enquanto autoridades de po- qual o legislador definiu as atribuições da
que se conformar regimes com tal limitação. lícia e órgãos de polícia criminal (OPC), os autoridade marítima nacional, e que deve ser
Deve recordar-se, em obediência à verdade detentores dos cargos (órgãos de comando conjugado com o nº2, do artigo 1º, do DL
histórica, que, na sequência da publicação da PM) têm – apenas eles – uma carga fun- 43/2002. Assim, pela ratio legis, preceitua
do Livro Branco para a Política Marítimo- cional de responsabilidades preceituadas na cada um deles (o primeiro preceito respei-
-Portuária Rumo ao Séc. XXI, e de uma ou lei processual penal e na Lei de Segurança tante à estrutura e o segundo ao ente):
outra das suas previsões, existiam vontades Interna. Uma das maiores questões a exigir
crescentes de importar para Portugal mode- uma solução constitucionalmente concer- Artigo 1º, nº2 (DL43/2002) “É criada a Au-
los de exercício de autoridade próprios de tada era, portanto, a salvaguarda funcional toridade Marítima Nacional (AMN), como es-
outros países, e desejos mal contidos – quase da Polícia. trutura superior de administração e coordenação
no patamar do capricho, diga-se – em ins- dos órgãos que, integrados na Marinha, possuem
tituir a figura do harbour master. Era, aliás, A arquitectura encontrada foi criar uma competências ou desenvolvem acções enquadra-
um almejo sectorizado que vinha já de 1975, nova autoridade dotada de poderes espe- das no âmbito do SAM.”
que se esfumaria, por inadequação, precisa- ciais, e encimando uma estrutura própria,
mente ao longo da década seguinte a 2000. fazendo-a depender, em topo hierárquico, Artigo 2º, nº1 (DL44/2002): “A AMN é a
do Ministro da tutela. Uma das propostas entidade responsável pela coordenação das ac-
Existiu, pois, um fortíssimo peso da oc- iniciais, era, aliás, fazê-la depender do Pri- tividades, de âmbito nacional, a executar pela
casio legis no quadro legal de 2002, relevan- meiro-Ministro, com capacidade de delega- marinha e pela DGAM, na área de jurisdição e
do-se a importância do circunstancialismo ção no ministro da tutela. Conceptualmente, no quadro do SAM, com observância das orien-
político e estrutural que fez produzir quer o e por assunção de uma terminologia que já tações definidas pelo Ministro da Defesa Nacio-
Decreto-Lei nº 43/2002, quer o Decreto-Lei ia sendo usual em sede da União Europeia nal, devendo submeter a este a proposta do res-
nº 44/2002, – e até o próprio Decreto-Lei nº (UE) em termos de representatividade e pectivo orçamento.”
45/2002 –, não sendo lícita qualquer análi- responsabilidade institucional exteriores,
se interpretativa que agora se efectue sem e que em Portugal já havia sido instituída, Expressamente, portanto, o legislador
tomar tal elemento em boa consideração, por exemplo, com a autoridade nacional de vincou a sua mens legislatoris ao estatuir, com
como nos é exigido, inclusive, pelo artigo pesca, entendeu-se adequado que a nova clareza, que a AMN depende do Ministro
9º do Código Civil. autoridade tivesse uma conotação semân- que a tutela, porque a tipificou como uma
tica directa com a estrutura da Autoridade entidade responsável por um conjunto de
O legislador haveria, pois, que ser sábio o Marítima; designou-se, por tais motivos, actividades a desempenhar pela Marinha e
suficiente para saber ler as restrições cons- Autoridade Marítima Nacional (AMN). Ele- pela DGAM no quadro interdepartamental
titucionais que os TÍTULO IX e X da Cons- mento essencial da edificação legal foi a de- – mais vasto – que entendeu qualificar como
tituição impunham, e impõem, para saber finição expressa de que, em termos de ente, a Sistema da Autoridade Marítima (SAM). E este
recortar, no amplo quadro de atribuições AMN é o Almirante Chefe do Estado-Maior princípio, instituído há precisamente uma
que a lei cometia à Autoridade Marítima, os da Armada, e, em termos de estrutura, todos década, é importante e actual, como o pro-
fundamentos argumentativos que exigem a os órgãos e serviços aos quais a lei comete va o recente preceito introduzido no artigo
existência, em Portugal, de uma Autoridade competências de Autoridade Marítima lhe 23º da lei orgânica do Ministério da Defe-
Marítima com as características que detinha, (à AMN) estão subordinados. sa Nacional, aprovada pelo Decreto-Lei nº
e, ainda, para saber interpretar, com rigor 122/2011, de 29DEZ, em que o conceito é,
e correcção, a vontade política em manter Acontextualização das preocupações ma- de novo, assumido e confirmado.
como órgãos e serviços da Marinha, uma nifestadas pelo poder político, e respectiva
vasta estrutura orgânico-funcional, cujo âm- motivação para legislar, encontramo-las, Numa apreciação jurídico-funcional, a
bito de actividades se insere numa tipologia assim, explicitadas no preâmbulo do De- preocupação essencial foi manter, e refor-
de serviço público não militar, actuando ins- creto-Lei nº 43/2002, em que assume parti- çar, o modelo e a estrutura de competências
10 ABRIL 2012 • REVISTA DA ARMADA da Autoridade Marítima, confirmando-as
como sendo prosseguidas por órgãos e ser-