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REFLEXÃO ESTRATÉGICA 1
A corrida ao Mar
Os direitos outorgados pela Conven-
ção das Nações Unidas sobre o Di- marítimas, ficarão seriamente limitados na Portugal, caso se desejem evitar perdas de
reito do Mar (CNUDM) aos Estados defesa dos seus interesses, relativamente aos soberania como as que se seguiram à Con-
costeiros, incrementaram neles o sentimen- recursos naturais existentes nas plataformas ferência de Berlim (1884-85), onde as gran-
to de posse sobre as plataformas continen- continentais adjacentes aos seus territórios, des potências europeias repartiram aquele
tais, o que desencadeou uma verdadeira quando as economias mais pujantes deles continente entre si e como desejaram. Para
corrida ao mar, para a qual Portugal se deve necessitarem, tal como acontece hoje com isso, recorreram ao seu estatuto de força
preparar, sob pena de ver os seus interesses o petróleo. militar para obliterarem os direitos histó-
gravemente prejudicados no futuro. ricos nacionais com a retórica política da
Existem outros países costeiros como capacidade de ocupação efectiva, conve-
Estão em curso na ONU os processos des- Portugal que, com esforço e inteligência, nientemente adaptada aos seus interesses
tinados a alargar os direitos soberanos dos souberam congregar as capacidades neces- económicos e à grave crise financeira que
Estados costeiros sobre as respectivas plata- sárias ao cumprimento das condições téc- Portugal vivia. Curiosamente, alguns dos
formas continentais, que podem ir além das nicas e temporais de reivindicação das pla- principais credores de então são os mesmos
trezentas e cinquenta milhas da costa, para taformas continentais. Todavia, para além da actualidade. Curiosamente também, te-
efeitos da exploração dos recursos naturais dos EUA que não ratificaram a CNUDM, remos de negociar os limites da plataforma
aí existentes, nos termos do estabelecido outras grandes potências marítimas pode- continental com tais credores, estando nós,
nos artigos 76º e 77º da CNUDM. rão fazer valer a sua capacidade de explo- como naquela altura, sujeitos a uma grave
ração efectiva dos fundos marinhos, para
Nestes processos, os pa- questionarem as teorias preconizadas pelas crise financeira!
íses desenvolvidos ques- pequenas potências, quando invocarem o É inquestionável que a
tionam qualquer mudança Direito Internacional para ver respeitadas as
que prejudique os seus in- suas fronteiras marítimas e os recursos na- delimitação da platafor-
teresses. Para isso, afastam turais existentes nas respectivas plataformas ma continental se deve
as discussões dos benefí- continentais. Nestas circunstâncias, como colocar na ONU, ao ní-
cios económicos (sem os é típico na política internacional, prevale- vel do Direito Internacio-
perderem de vista), para cerá o direito da força das grandes potên- nal, e que a CNUDM tem
as colocarem, invariavel- cias marítimas. uma função reguladora da
mente, à luz dos grandes maior importância, sendo
princípios políticos. Nes- Vale a pena interrogarmo-nos porque ra- frequentemente apontada
te contexto, esforçam-se zão estes países poderão adoptar um com- como um dos mais bem
por garantir que o Direito portamento estratégico tão directo e osten- conseguidos instrumentos
Internacional seja compa- sivo. A resposta é simples: o mar é a última internacionais de abran-
tível com as suas aspira- grande mina mundial, com recursos essen- gência mundial, que re-
ções, o que significa evitar ciais à satisfação das necessidades das eco- forçou as normas e a ética
mais restrições à explora- nomias mais pujantes e de uma população da política internacional
ção dos recursos naturais. mundial em crescimento, e o único espaço no mar, nomeadamente
Aqueles países defendem onde as fronteiras dos países ainda podem ao estabelecer os direitos
a tese de que os projectos evoluir, em função da sua ambição, capa- exclusivos de soberania
de extensão das platafor- cidades e interesses estratégicos. do Estado costeiro para
mas continentais são um acto político com fins de exploração e apro-
consequências económicas, e não um acto Em suma, na actual corrida ao mar, veitamento dos recursos naturais da sua
deliberado para alcançar benefícios eco- poderá passar-se algo semelhante ao que plataforma continental. Porém, não pode-
nómicos. ocorreu em África no século XIX. Tal facto mos esquecer que o permanente e assertivo
constitui um motivo de séria reflexão para realismo da política internacional, evidente
Tendo presente o quadro apresentado, os em múltiplos exemplos da actualidade, é
interesses dos pequenos países ribeirinhos uma ameaça potencial aos interesses na-
que, como Portugal, reivindicam áreas de cionais no mar.
jurisdição desproporcionadas face à dimen- Por isso, relativamente à concretização
são do seu território, poderão ser seriamente das pretensões nacionais na plataforma
desafiados pelas grandes potências maríti- continental, o país necessita, por si e com
mas, que já lançaram uma campanha inter- parcerias adequadas, garantir a existência
nacional, dissimulada pela retórica iguali- de conhecimento científico, de capacidade
tária, baseada no conceito do mar como tecnológica e empresarial, bem como dos
recurso comum. instrumentos de força necessários para co-
nhecer, explorar, vigiar e exercer a sua au-
Inicialmente, estas potências preconiza- toridade sobre os respectivos recursos na-
ram e viram incluídas na CNUDM, normas turais. Só assim se conseguirão credibilizar
legais que estabeleceram as mesmas condi- e sustentar as posições nacionais no âmbito
ções de reivindicação das plataformas con- dos processos que decorrem na ONU, ten-
tinentais a todos os países. Porém, como al- do em vista a definição dos limites exterio-
guns dos países ribeirinhos não dispõem de res da plataforma continental de Portugal.
capacidade científica, tecnológica e finan-
ceira para realizarem, nos prazos e termos
previstos na CNUDM, os estudos necessá- António Silva Ribeiro
rios ao reconhecimento das novas fronteiras
CALM
8 ABRIL 2012 • REVISTA DA ARMADA