Page 12 - Revista da Armada
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sa, neutral, isenta, equidistante a todos os     lham de uma figura – harbour master – que         concebida e definida, pode concluir-se que
interesses públicos e privados que existem       cristalizou no seu panorama marítimo-cul-         esta primeira década foi de (re)instituciona-
em âmbito portuário e marítimo. Com as           tural, alguns dos sectores opinativos nacio-      lização, de aculturação e de sustentação. Por
suas bases jurídicas definidas em sede do        nais insistem em não reconhecer esta nos-         ser um modelo que provou, institucional e
Código Comercial, Código de Processo Ci-         sa figura multi-secular – capitão do porto – a    operacionalmente, a sua lógica e eficácia,
vil, Regulamento Geral das Capitanias, Lei       qual, após tantos modelos de regime, cons-        nunca deixando de cumprir a história portu-
dos Tribunais Marítimos, Lei de Bases da         titucionais, jurídicos, orgânicos, político-      guesa, há que o continuar a solidificar, tendo
Protecção Civil, Lei de Segurança Interna,       -partidários e governamentais, se mantém          sempre como premissa enquadradora que
e num conjunto vastíssimo de legislação de       inalterável e com actualidade e sustentação       o que nos guia é o melhor interesse para a
especialidade, o CP mantém, afinal, no Séc.      técnico-administrativa (como aliás em Itália,     res publica e para as comunidades que ser-
XXI, o mesmo quadro funcional de base            na França e no Brasil). O que nos levaria a       vimos há séculos.
que o Regulamento de Polícia e dos Portos, de    um outro tipo de análise que o presente es-
25JAN1839, desenhou e definiu há 173 anos.       paço não permite.                                                                                    
Só amparados num enorme grau de estra-                                                                                     Dr. Luís da Costa Diogo
nheza podemos verificar que, enquanto os           Atento o significativo acervo legislativo
países anglo-saxónicos e nórdicos se orgu-       publicado desde 2002, no qual se confirma                                                    Assessor, DGAM
                                                 a total recepção da arquitectura legal então
                                                                                                   N.R.
                                                                                                   O autor escreve sem aplicar o novo acordo ortográfico.

      O sinistro do “COSTA CONCORDIA”,
as prioridades da investigação, os inquéritos,

      e o modelo de autoridade marítima

Não deixam de causar um forte im-                lantes e passageiros por pertences e cargas,      vamente face à excessiva proximidade da vila
         pacto as palavras proferidas pelo ca-   despesas com recuperação e trasfega de com-       e zonas baixas submersas.
         pitano di porto di Livorno ao capitão   bustíveis e outras substâncias poluentes e, so-
do “COSTA CONCÓRDIA”, configurando               bretudo, custos de remoção e/ou reflutuação         Aquestão que pretendemos abordar, ainda
ordens firmes que lhe eram dirigidas pela        do navio. Sem tais avaliações, prioritárias, que  que de forma sumaríssima é, contudo, uma
autoridade marítima num quadro de sinistro       envolverão certamente verbas colossais, não       outra: os inquéritos que correm termos. Desde
em que estava iminente o naufrágio daquele       podem ser equacionados, ainda, raciocínios        logo o inquérito penal, dirigido pelo Ministé-
navio-cruzeiro, e do qual resultariam um con-    definitivos e conclusões sobre quais os regi-     rio Público (MP), o qual é realizado por duas
junto amplo de situa­ções dra-                   mes a aplicar no caso, e destino a dar à plata-   razões distintas: em primeiro porque, de en-
máticas. Pelo interesse que tem                  forma encalhada.
a análise de algumas das envol-                                                                                  tre passageiros e tripulantes, há
ventes que se passaram, e vão                      Para um navio com estas características e di-                 mortos e feridos já confirmados,
passar, com o adornamento e                      mensão, com 112.000 toneladas, 290 metros de                    e ainda 17 desaparecidos, o que
naufrágio deste navio com uma                    comprimento e 36 metros de boca, mantendo                       implica, de per si, uma ação penal
volumetria - em altura - similar                 uma tripulação de 1110 marítimos, e acomo-                      e as adequadas diligências averi-
a um prédio de 21 andares, terá                  dando quase 3800 passageiros, com um rasgo                      guatórias; por outro lado porque
interesse a avaliação de alguns                  longitudinal a bombordo de mais de 100 me-                      da ação do capitão do navio, e
aspetos que, além do processo                    tros nas obras vivas, apenas se poderão fazer                   perante os factos que vão sendo
de busca e salvamento das vidas                  conjeturas e aproximações sobre tempos de                       conhecidos na investigação, as
humanas, no início são sempre                    resolução.Atítulo meramente comparativo, e                      primeiras diligências da autori-
prioritários.                                    com a necessária adaptação, pode dizer-se que                   dade marítima terão configura-
                                                 todo o processo de avaliação, salvamento, sal-                  do a base de uma acusação de-
  O processo de naufrágio de                     vação, remoção e reboque do navio “CP VA-                       vido ao incumprimento dos seus
um navio tem que ser analisado,                  LOUR” – navio mercante de 180 metros enca-                      deveres de comando e a eventual
juridicamente, à luz do seu pró-                 lhado a norte da ilha do FAIAL, em DEZ2005                      existência de erro humano. Por
prio circunstancialismo factual. No presente     – demorou quase meio ano, estimando-se lap-                     ora, apenas se pode conjeturar
caso, não se pode ajuizar, ainda, sobre a apli-  sos temporais bem maiores neste caso, inclusi-    em tais bases, porque não são conhecidos, de
cação do regime jurídico aprovado pela Con-                                                        forma fiável, os factos da ocorrência. Contudo,
venção sobre a remoção de destroços (Wreck                                                         a linha acusatória do MP, a existir, sustentar-
Removal Convention), e cujo respetivo enqua-                                                       -se-á, eventualmente, naqueles dois pilares
dramento constará de lei interna em Itália                                                         da investigação.
como ocorreu com Portugal com a publica-                                                             É sabido que o modelo de exercício da au-
ção do Decreto-Lei nº 64/2005, de 15MAR,                                                           toridade marítima em Itália é dos poucos eu-
pela simples razão que terá que existir uma                                                        ropeus que tem, nos seus fundamentos, os
avaliação técnica (várias aliás) sobre os índi-                                                    pressupostos do modelo português, tendo
ces de recuperabilidade do navio, e estudos                                                        por base a Capitania do Porto. Como diferença
de hipóteses da sua eventual (re)flutuação.                                                        mais substancial, anote-se o facto da estrutu-
Em tais avaliações, multidisciplinares, é fun-                                                     ra italiana se chamar Guardia Costiera e depen-
damental uma perceção empresarial e finan-                                                         der da tutela dos Transportes, e em Portugal
ceira do proprietário e armador sobre os cus-                                                      se designar Autoridade Marítima Nacional e
tos globais envolvidos, com indemnizações,                                                         depender da tutela da Defesa Nacional. Pelos
coimas, taxas e verbas a pagar a entidades                                                         dados conhecidos, a capitania di porto italiana
públicas e portuárias, compensações a tripu-                                                       tem competência para proceder a inquérito
12 ABRIL 2012 • REVISTA DA ARMADA                                                                  ao sinistro marítimo, tal como ocorre em Por-
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