Page 11 - Revista da Armada
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viços de Marinha. Isto é, sem desconstruir     lícia Marítima (PM), estatutariamente regu-     maritime safety) que está no porto, quando
as estruturas funcionais existentes em âm-     lada por regime próprio – o EPPM –, integra     por exemplo um navio mercante tenta sair
bito regional e local, existia o propósito de  a estrutura operacional da AMN, princípio       às 2300, ou às 0230 da manhã, e tem um pro-
manter no essencial do seu tecido molecu-      que haveria de ficar preceituado no nº3 do      blema de certificados caducados, ou a socie-
lar (Departamentos Marítimos, Capitanias       artigo 3º. Usando o mecanismo que a inter-      dade classificadora denunciou o contrato
dos Portos e Delegações Marítimas), crian-     pretação pela finalidade nos concede, desig-    que tinha com o armador, ou ocorreu uma
do, contudo, uma direcção-geral de linha       nadamente o elemento histórico, conclui-se      transferência de propriedade não provada
e hierarquia vertical – a Direcção-Geral da    que o legislador pretendeu definir, especi-     e o navio necessita de sair com capitão e tri-
Autoridade Marítima (DGAM), em vez de          ficamente, pelo artigo 7º do DL 43/2002, e      pulação novos e as cargas são perecíveis, ou
uma direcção-geral tecnicamente superviso-     pelo artigo 15º do DL 44/2002, de 02MAR,        existe um conflito laboral a bordo (até com
ra de actividade dos órgãos desconcentra-      que a PM é uma força policial armada re-        situação de reféns), ou, em cenários mais
dos, como era a Direcção-Geral de Marinha      gida por diploma próprio, para o qual a lei     complexos, o Estado Português está peran-
(DGM) desde 1984. Aliás, havia sido preci-     expressamente remete (nº2 do artigo 15º), e     te uma situação de grave sinistro marítimo,
samente com a publicação do Decreto-Lei nº     a que se concede o poder de autoridade marí-    com ou sem derrame poluente, entre muitas,
300/84, de 07SET, que se instituiu o conceito  tima. O conjunto legal de 2002 não pretende     muitas outras situações que o tempo vem
de Sistema de Autoridade Marítima (SAM)        revogar, ou prejudicar, o regime previsto e     demonstrando e ensinando.
– totalmente diverso do conceito de 2002 –,    regulado pelo EPPM; antes pelo contrário, o
que poderíamos representar, actual­mente,      legislador repete, e confirma, em especial no     Existiu, ainda, um outro elemento sisté-
como ocupando o espaço jurídico que a lei      artigo 15º do DL 44/2002, em léxico jurídico    mico; é que alterar uma qualquer competên-
comete à estrutura da AMN. Em tal diplo-       muito próximo senão igual, o preceituado        cia do CP, significaria, em termos de tecido
ma, o DL 300/84, os capitães dos portos de-    no Estatuto de 1995. É esta a mens legis que    legislativo, interferir, directamente, no apli-
pendiam directamente do Almirante CEMA         deve ser atendida, e não outras abordagens      cável, com o Código Comercial, a Lei dos
e eram por ele nomeados, e constituíam, in-    de cariz mais exegético.                        Tribunais Marítimos, o regime das Contra-
dubitavelmente, órgãos de Marinha integra-                                                     -ordenações marítimas, o Código do Proces-
dos na estrutura e dependência da Marinha;       Em termos sistémicos, houve que tratar,       so Civil, o RGC, a Lei de Bases da Protecção
este conceito manter-se-ia até à Lei Orgâni-   com alguma cirurgia e sensatez, a obediên­      Civil de 1991 e a Lei de Segurança Interna de
ca da Marinha de 1993, cuja norma final e      cia ao restante enquadramento jurídico e        1987, apenas para indicar os mais relevantes.
transitória – artigo 38º – definiu que aquela  sua lógica, o que já vinha sendo assumido       Isto é, o quadro legal da Autoridade Marí-
dependência alterar-se-ia quando fosse pu-     em momentos importantes no final dos anos       tima é, juridicamente, horizontal, e, face à
blicada a lei orgânica da Autoridade Maríti-   noventa, designadamente a publicação do         multiplicidade funcional, remete para vá-
ma, o que viria a ocorrer em 2002.             Decreto-Lei nº 195/98, de 10JUL (o Port State   rios regimes-quadro. A perspectiva da des-
                                               Control), do Decreto-Lei nº 201/98, de 10JUL    construção, por evidente, acabou por pesar
  A proposta inicial dos projectos de 2002,    (estatuto legal do navio), do Decreto-lei nº    na decisão de 2002, tendo-se optado, afinal,
em termos funcionais, assentava em dois        384/99, de 23SET (regime da tripulação do       pela sedimentação do cargo.
conceitos: que existisse um elenco actuali-    navio e do relatório de mar) e do Decreto-
zado, em relação ao Regulamento Geral das      -Lei nº 235/2000, de 26SET (quadro jurídi-        O elemento cultural acabou por ser, afi-
Capitanias de 1972, do quadro de compe-        co dos ilícitos de poluição marítima), entre    nal, o mais basilar e um dos mais impor-
tências dos capitães dos portos (CP), e que,   outros. Bem como houve que reconhecer,          tantes.
quanto a algumas delas, se mantivesse um       expressamente, a confirmação do quadro
perfil de actos definitivos e executórios ao   funcional da Capitania do Porto que, pro-         Não remetendo para os fundamentos do
nível da sua decisão, ou seja, directamente    gressivamente, foi sendo (re)assumida em        exercício da Autoridade Marítima, que re-
recorríveis em termos contenciosos. Ambas      termos de direito comercial marítimo desde      montam ao Séc. XVI com a criação do cargo
as premissas foram aceites, após longos tra-   meados dos anos oitenta com a publicação        de Patrão de El Rei no Reinado de D. João III,
balhos de projecto, sendo que, relativamente   dos vários diplomas projectados desde a         no início do Séc XVII (no Regimento da Casa
ao preceito que define as competências dos     Lei dos Tribunais Marítimos – Lei nº 35/86,     do Paço de Madeira de 23FEV1604 – com o Pa-
CP, das 80 que constavam inicialmente dos      de 04SET –, até aos concebidos em sede da       trão da Ribeira –, e com o Patrão-Mor (1674),
textos, ficaram firmadas 50. Mesmo assim,      saudosa e ilustre Comissão de Direito Ma-       e sua regulação funcional já no Séc. XVIII
é a autoridade público-administrativa que      rítimo Internacional (CDMI).                    (1786, 1803), há notícia, devidamente do-
mais competências tem expressamente de-                                                        cumentada, de que o cargo do capitão do
finidas em texto de lei.                         Não foram poucas as reuniões em que se        porto existe em Portugal desde finais do
                                               analisou, apreciou, estudou e discutiu, por     Séc. XVIII, conclusão que podemos retirar
  O artigo 13º do DL 44/2002 tem, desta        vezes até à exaustão (desde o Verão de 2001),   do TÍTULO II do Regimento do Conselho do
forma, a utilidade dogmática de, 30 anos       a justificação do modelo português de exer-     Almirantado de 26OUT1796, e da criação do
após o RGC, ter actualizado e enquadrado       cício de autoridade do Estado no mar, e a fi-   cargo de Intendente de Marinha nas Capi-
as competências dos CP depois de todo o        gura do capitão do porto como núcleo hori-      tanias do Brasil em 1797. Existe, contudo,
acervo legislativo que ocorreu, em matéria     zontal, interdepartamental, isento, neutral, e  uma configuração mais ampla da autori-
de segurança marítima e protecção e pre-       equidistante a todo aquele exercício público.   dade do CP – em relação ao perfil técnico-
servação do meio marinho, nos anos oiten-      Foi, precisamente, a multiplicidade funcio-     -administrativo que detinha antes – com a
ta e noventa, e a conveniência institucional   nal que caracteriza o cargo, a sua caracte-     publicação do Real Decreto de 16AGO1803,
de receber, num mesmo preceito, legislação     rística de poder decisório desconcentrado,      em que ao comandante do porto é atribuída,
que antes constava de vasta legislação avul-   também o facto de confluir em si um poder       também, uma valência de polícia do porto. O
sa, o que constituiu, por esta via, uma deli-  materialmente tripartido que lhe dá um          Regulamento da Capitania do Porto de Lisboa –
mitação mais objectiva – que era já urgente    conhecimento genérico e sustentado da res       o primeiro dos conhecidos – foi publicado
– entre o perfil e competências da Autorida-   marítima, e, ainda, um significativo grau de    em Junho de 1811.
de Marítima e das administrações portuá-       responsabilidade (cível e criminal), que aca-
rias. Pode hoje dizer-se, com algum grau de    bou por sustentar, afinal, o reconhecimento       São, pois, mais de 210 anos de existência
certeza, que o acervo de competências dos      generalizado da sua utilidade em tais mol-      do cargo de capitão do porto.
CP efectivamente cresceu com a estatuição      des. Assim como se percebeu, com alguma
do artigo 13º.                                 notoriedade, que o capitão do porto é aquela      Toda a panóplia de órgãos e serviços da
                                               – a única – entidade competente em matéria      Administração Pública, em geral, e os de-
  Funcionalmente, o DL 44/2002 teve, ain-      de segurança marítima (maritime security e      partamentos públicos que têm contactos
da, um outro objectivo: estabelecer que a Po-                                                  directos, e de rotina, com a Autoridade Ma-
                                                                                               rítima, habituaram-se a ver no CP – e na es-
                                                                                               trutura da AMN – uma autoridade rigoro-

                                                                                                           REVISTA DA ARMADA • ABRIL 2012 11
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