Page 25 - Revista da Armada
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gra de oiro num acidente deste tipo é, após durante duas horas o navio esteve a flutuar e devido às fortíssimas pancadas que o navio
o encalhe, fundear imediatamente o navio e dentro da coroa de baixos até encalhar defi- sofreu, alguns destes bidões abriram fendas
esperar que a maré ou um rebocador o ve- nitivamente. e os vapores começaram a invadir a coberta,
nha ajudar. Se tal regra não for cumprida, o Perante este rosário de decisões estravagan- onde grande parte dos passageiros se alojava.
navio irá galgando o baixo até ao preia-mar e tes – que acabámos de transcrever, para me- Devido ao balanço, estes passageiros já esta-
safá-lo, nestas condições será impossível. No lhor se avaliar o que foi feito após o encalhe riam enjoados e agora, sujeitos aos vapores
caso vertente, a análise da situação, isto é, o – constata-se que a medida que verdadeira- da gásolina, principiaram a ficar intoxicados.
timing e a sequência das operações, foi ex- mente o Comandante devia ter tomado, era
tremamente difícil, pelo facto de não termos ter largado os ferros imediatamente a seguir O cheiro era tal que o oficial Imediato
tido acesso ao Diário Náutico, o que aconte- ao encalhe, pois a maré ainda enchia 1,30 toma conhecimento da situação, vai à coberta
ceu por esquecimento do capitão, ao aban- m. e, assim, poderia haver possibilidades de vê dois moçambicanos, quasi a morrer, que
donar o navio. Todavia, consideramos que o safar o navio, nesse preia-mar. são trazidos para o convés, onde o enfermei-
Diário Náutico – o mais importanto documen- Para prestar assistência e apesar do tempo ro lhes faz respiração artificial.
to dum navio – não teria sido esquecido, mas fresco, tinha sido mandado para o local o re-
sim, premeditadamente deixado a bordo ou bocador Linga-Linga de Quelimane, enquanto Perante a situação, o Imediato admite que a
mesmo queimado, por uma de duas razões: que a Capitania da Beira fez seguir o potente solução é meter ar puro na coberta e – cheio
- tinha informações comprometedoras, rebocador Macuti. de boa intenção – manda abrir a entrada
- não foi sequer escriturado. Provou-se que o Comandante não deu do porão. O contra-mestre começa a tirar as
Não fazemos esta afirmações de ânimo atenção à navegação, a partir da Beira, o cunhas de madeira que seguram a lona de
leve, mas sim pelo facto do cobertura. As cunhas incharam e mostram-se
Capitão, durante o auto de renitentes a sair. O Contramestre que está a di-
averiguações, ter tido o ar-
rojo de inventar duas ava- rigir esta manobra, manda
rias na sonda e acabar por alguém buscar um martelo
confessar que tais avarias para retirar as cunhas. Foi a
não existiram. sorte grande desse alguém.
Sem Diário Náutico, tor- Entretanto, o contra-mes-
nou-se extraordinariamen- tre consegue tirar uma das
te difícil deduzir a verdade cunhas, e, com ela a servir
dos factos, não só pelos de martelo, saca mais uma,
factos em si – que foram mais outra.... Parte da lona
obtidos por depoimentos de cobertura já está safa e,
coincidentes – mas, espe- com a ajuda doutras pes-
cialmente, pelas horas a soas, retira uma das tábu-
que eles aconteceram. A as, depois uma segunda.
este respeito, vamos, de Admite-se que a entrada
seguida, apresentar o que franca de ar criou as con-
conseguimos apurar quan- dições óptimas (ar/vapor
to ao timing das manobras de gasolina) para provocar
executadas: uma explosão, que, aliás,
070750 – encalhe do poderia ter sido ajudada
navio e primeira tentativa por alguma praça indíge-
para o safar; a maré ain- na que ainda dispusesse de
da subia cerca de 1,30 forças para fumar. A explo-
m, até às 1208, hora do são é acompanhada por
preia-mar; um violento estrondo. O
071430 / 071730 – só Imediato António Esteves
agora os dois ferros foram Recorte do jornal “O Século” de 16 de Julho de 1961. Coelho e o contra-mestre
Franco de Almeida, que
postos na água; que levou o navio ao encalhe: Todavia, para esperavam dar vida, são
071730 – o contramestre prepara o ferro se justificar, inventou duas avarias da sonda sacrificados. Os passagei-
sobressalente, que se encontra a ré; o outro eléctrica – que já referimos – que mencionou ros que se encontravam na coberta, morrem
ferro sobressalente estava metido, no porão, no seu relatório de mar, arrastando o oficial instantaniamente. Para agravar as coisas, o es-
por debaixo da coberta nº1, mas como, nesta, telegrafista, mentira que não conseguiu justifi- trondo cria o pânico noutros passageiros, que
foram instalados indevidamente 68 beliches, car, acabando por confessar que essas avarias estariam espalhados pelo convés, os quais se
o ferro não foi levado para o convés.Todavia, não tinham acontecido. Se tal não chegasse, lançam ao mar, indo morrer afogados por não
parece que seria apenas necessário remover o comandante acusou o oficial imediato de saberem nadar e, naturalmente, por não terem
4 beliches para o safar; negligência durante o seu quarto de navega- vestido os cintos de salvação, pelas razões já
depois das 071930 – os dois ferros são me- ção, quando este oficial não se podia defen- acima apontadas.
tidos dentro; der por ter falecido na explosão produzida Quando este terrível desastre acontece, eu,
a hora não determinada – os ferros foram num dos porões. devido ao facto do Chinde estar sem Capitão
novamente para a água; Como os navios não são concebidos para de Porto, seguia para ali, na lancha da Capi-
080118 – mensagem do Comandante afir- encalhar, a carga a granel, quando não con- tania, com algum pessoal e o Dr. Mourisca,
mando que o navio perdeu os dois ferros; venientemente estivada, é sujeita a pressões médico dos Caminhos-de-ferro de Moçam-
080600 – decidido deitar carga ao mar; e choques violentos. Já vimos que um dos bique, prevendo a necessidade de prestar al-
081332 – novas tentativas para desenca- artigos transportados no navio, como, aliás, guns socorros urgentes.
lhar, na hora do preia-mar; acontecia com outros navios que faziam ca- Quando chego, de manhã, à praia do Chin-
090204 (antes do preia-mar) - o navio cai botagem na costa de Moçambique, era gaso- de para dar assistência a um navio encalha-
para dentro da coroa de baixos, na foz do lina, metida em pequenos bidões, julgo que do, como tem acontecido com tantos outros,
rio Linde; de 20 litros. Estando os bidões mal estivados o que vejo é um navio em chamas. Os cor-
pos daqueles que se lançaram ao mar, irão,
alguns deles, aparecer nas praias, dado que
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