Page 18 - Revista da Armada
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No início do século XVII existiam todas as projeção não ocorre apenas em Portugal. Por século foi criada a Comissão de Cartografia
condições para produzir cartas de Mercator. exemplo, no Mediterrâneo, os marinheiros que centralizava todas as atividades relacio-
No entanto, a generalidade dos marinheiros franceses opõem-se a uma medida dos ser- nadas com a cartografia das colónias, tanto a
continuou a preferir as antigas cartas quadra- viços hidrográficos centrais, que pretendia nível dos espaços terrestres como dos maríti-
das. Uma explicação para esta opção reside que eles passassem a usar cartas de Mercator. mos. Nestes trabalhos que conduziram à pro-
na forma como eram transmitidos os conheci- Como consequência desta oposição foi neces- dução de cartografia desses territórios parti-
mentos dos pilotos. Tratava-se de um proces- sário voltar a produzir cartas-portulano, que ciparam inúmeros elementos da Marinha.
so de aprendizagem essencialmente empírico, eram aquelas a que eles estavam habituados
em que o mestre ensinava ao aprendiz aquilo e que serviam perfeitamente para a navega- As cartas de Mercator são exibidas na ter-
que tinha aprendido com o seu mestre. Este ção naquele mar interior. ceira parte da exposição. As mais antigas, do
processo tem como consequência que os no- século XVIII, e anteriores aos mencionados
vos conhecimentos demoram bastante tem- Na segunda parte da exposição apresen- levantamentos geodésicos, datadas de 1772
po a ser adotados. Isto apesar de muitos dos tam-se diversos exemplares de cartas que e de 1774 são ainda manuscritas. Finalmen-
marinheiros irem percebendo as limitações seriam certamente semelhantes às que eram te, para o século XIX existem imensas cartas,
do tipo de cartas que usavam. Nalguns ca- usadas a bordo dos navios. Trata-se de cartas especialmente portuárias, que resultaram dos
sos eram mesmo introduzidos artifícios para quadradas, quase todas manuscritas, existin- trabalhos da Comissão de Cartografia.
minimizar essas limitações sem ser necessário do apenas uma delas que é impressa. Entre
alterar os métodos, de condução dos navios, as cartas mais antigas merecem destaque dois A exposição encerra com o tema da histó-
que estavam habituados a utilizar. Entre es- fragmentos de cartas do século XVI, sendo ria da cartografia. São diversas as razões que
ses artifícios conta-se os «troncos particulares que um deles tem representadas linhas isogó- explicam o elevado interesse que esta disci-
de léguas» que serviam para nicas, isto é linhas que unem pontos de igual plina tem merecido. Em Portugal ela nasceu
medir as distâncias no senti- declinação magnética. Trata-se da mais anti- no século XIX por intermédio do 2º Visconde
do Leste-Oeste em diferentes ga carta que se conhece com a representação
latitudes, compensando as- destas linhas. Para o século seguinte merecem de Santarém. O seu objetivo
sim o facto de as cartas não realce dois interessantes atlas de João Teixeira era demonstrar a prioridade
considerarem a convergên- Albernaz, com a descrição da costa de Por- das navegações portuguesas
cia dos meridianos. tugal; e outro de José da Costa Miranda, no para além do Bojador. Para
qual se apresentam diversas cartas do Índico. tal, pesquisou em bibliote-
Se na prática dos mari- Ainda deste último cartógrafo existem duas cas e arquivos em busca de
nheiros demoraram a adotar magníficas cartas iluminadas, representando cartas antigas. Dos resulta-
a nova projeção, algo dife- oAtlântico e o Índico, respetivamente. Nestas dos da sua investigação sur-
rente aconteceu com aque- últimas podem observar-se os já menciona- giu um Atlas no qual repro-
les que estudavam os pro- dos troncos particulares de léguas. Para a cen- duziu em fac-símile as cartas
blemas da navegação de um túria de Setecentos realçamos o planisfério de que encontrou e que abran-
ponto de vista teórico. Os Eusébio da Costa, pela sua beleza e dimensão. giam vários séculos. No es-
textos dos cosmógrafos e dos paço expositivo é mostrado
professores de náutica come- Na transição para a centúria de Oitocentos um dos quatro exemplares
çam a incluir explicações so- ocorre em Portugal a primeira tentativa de do seu Atlas que o Museu de
bre o modo de construir car- levar a cabo um levantamento geodésico do Marinha possui. A beleza e
tas na projeção de Mercator, território. Nos primeiros anos do século XIX a espetacularidade da gene-
assim como a forma de resol- surgem algumas cartas que têm por base os ralidade das cartas também
ver os problemas de navegação nessas car- resultados desse levantamento. No entanto, o ajudam a aumentar o inte-
tas. Os espólios cartográficos do Museu de país conheceu imensas perturbações naquela resse pelo seu estudo. Daí
Marinha e da Biblioteca Central da Marinha época, nomeadamente as Invasões Francesas que o assunto tenha sido tema de inúmeras
possuem diversos exemplares de cartas que e a Guerra Civil. Em meados do século foram exposições e obras monumentais. Entre as
abrangem um período que vai desde o século retomadas as atividades ligadas à cartografia várias que estão expostas merece ainda des-
XVI até praticamente aos nossos dias. Nesta e à geodesia. Foram criados os cursos de enge- taque a que foi publicada por ocasião das co-
exposição procurou-se mostrar parte desse nheiro geógrafo e de engenheiro hidrógrafo. memorações henriquinas de 1960: Portugaliae
espólio que reflete essa lenta transição para Iniciou-se um levantamento sistemático dos Monumenta Cartographica.
as cartas na projeção de Mercator. portos do Reino, sendo essa atividade esten-
dida aos territórios ultramarinos. No final do CICLO DE CONFERÊNCIAS
A primeira parte da exposição é dedica- NO INSTITUTO HIDROGRÁFICO
da aos referidos textos, abrangendo todo o
período coberto pela mesma. Para o século Como complemento da exposição patente
XVI, embora não esteja exposto nenhum tex- no Museu de Marinha, organizou-se um ci-
to original da época, existe uma edição fac- clo de conferências sobre a mesma temática,
-símile do texto de Pedro Nunes editado em no dia 14 de Março, no Instituto Hidrográ-
1537 e onde ele expõe pela primeira vez os fico. Assistiram às mesmas cerca de sessen-
problemas que identificou em relação às car- ta pessoas. Para este ciclo de conferências
ta de marear. Da centúria seguinte exibe-se foram convidados quatro especialistas da
uma obra do Padre Carvalho da Costa onde área da cartografia: Professor Doutor Fran-
se representa uma quadrícula de Mercator e cisco Contente Domingues, Comandante Jo-
o modo de a construir. Expõe-se ainda textos aquim Alves Gaspar, Comandante Adelino
teóricos de cosmógrafos e oficiais de Marinha Rodrigues da Costa e Comandante António
que analisam as cartas de marear e a sua apli- Estácio dos Reis.
cação na náutica.
Após as boas-vindas pelo Diretor-geral do
Em Portugal, no século XVIII surgem cada Instituto Hidrográfico, Vice-almirante Ramos
vez mais cartas de Mercator, ou cartas redu- da Silva, usou da palavra o Diretor da Co-
zidas como se dizia na época. Isto apesar de missão Cultural de Marinha, Vice-almirante
continuarem a ser usadas imensas cartas qua- Vilas Boas Tavares. Chamou a atenção para
dradas. Esta resistência à introdução desta a efeméride que se comemora este ano e que
18 MAIO 2012 • REVISTA DA ARMADA serviu de pretexto para a realização da ex-