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A MARINHA DE D. SEBASTIÃO (30)

D. António de Noronha e o estado
    de guerra por toda a Índia

No ano de 1571, quando Francisco Bar-            que abandonasse Chaul, alegando que não         de Setembro de 1571. D. Luís de Ataíde andava
        reto vogava na costa oriental africana,  seria possível defender-se em todas as fren-    pelo Passo de Benestarim, acompanhando sol-
        hesitando no avanço para o Mono-         tes, mas entendeu que não deveria fazê-lo.      dados e acorrendo a tudo o que podia, mas vol-
motapa, chegava a Moçambique uma armada Nomeou Francisco de Mascarenhas para de- touimediatamenteparaacidadeparaentregar
de cinco naus, comandada por D. António de fender Chaul, dotando-o de uma armada de prontamente o cargo ao novo vice-rei da Índia.
Noronha, que iria substituir D. Luís de Ataíde quatro naus, cinco fustas e várias embarcações Poucos dias depois recolheu-se em Pangim e
nocargodevice-reidaÍndia.Paraalémdaren- miúdas carregadas com munições, pólvora e aos Reis Magos e partiu na armada seguinte,
dição normal do vice-rei, com esta armada ia abastecimentos diversos, enquanto prepara- chegando a Lisboa a 21 de Julho de 1572.
também uma instrução específica que visava va a defesa de Goa, enchendo os armazéns e Nessa altura, a guerra de Chaul já tivera um
reestruturarogovernodoEstadoPortuguêsda guarnecendoaspassagensdeacessoàilha,por desfecho que satisfazia os portugueses, com
Índia: D. Sebastião entendeu dividir o espa-                                                            um acordo de paz assinado a 24 de Julho.
ço de influência portuguesa em três partes,                                                             O conflito tinha sido de uma violência inu-
entregando a região ocidental, do Cabo da                                                               sitada, mas a guarnição aguentou-se heroi-
Boa Esperança ao Cabo Guardafui, a um                                                                   camente, forçando um tratado satisfatório,
governador que ficaria em Moçambique;                                                                   no contexto global em que as posições na-
em Goa continuaria um vice-rei, com tute-                                                               cionais eram atacadas em várias frentes, por
la do espaço compreendido entre a entrada                                                               uma imensa aliança ofensiva. Em Chalé,
do Golfo de Adém até à ilha de Ceilão, e em                                                             contudo, a situação piorava de dia para dia,
Malaca ficaria um governador com jurisdi-                                                               com as gentes da fortaleza sufocadas pela
ção em todo o Extremo Oriente. Francisco                                                                força inimiga e sem capacidade de abaste-
Barreto acrescentava assim os poderes que                                                               cimento por causa da monção de sudoeste.
lhe tinham sido conferidos para a conquis-                                                              Defendia-a D. Jorge de Castro, um veterano
ta do Monomotapa, D. António substituiria                                                               com oitenta anos de idade que corria pelos
D. Luís de Ataíde, em Goa, e para Malaca                                                                adarves de espada em punho, exaltando a
seguia António Moniz Barreto, partido de                                                                defesa. Mas a fome venceu os sitiados, obri-
Lisboa na mesma armada do vice-rei. A 6                                                                 gando a um acordo, em que a guarnição se
de Setembro de 1571 os navios entravam                                                                  entregou ao rei de Tanor, para garantir a sua
juntos na barra de Goa, depois de uma via-                                                              sobrevivência, entregando a praça ao Samo-
gem abençoada, surpreendendo D. Luís,                                                                   rim que a arrasou completamente, ficando
que andava em preparos de guerra com o                                                                  apenas com a artilharia.
Hidalcão. Digamos que a situação militar                                                                O Hidalcão, que mantivera uma enorme
da Índia não era nada favorável aos por-                                                                pressão sobre a ilha de Goa, durante mais
tugueses, ainda na sequência dos aconteci-                                                              de um ano, viu com apreensão a chegada
mentos que se seguiram à queda do império                                                               do novo vice-rei e, sobretudo, de mais uma
do Vi­jaynagar e da grande aliança contra a                                                             esquadra poderosa. A sua vontade enfra-
pr­esença nacional, referida nas Marinha                                                                queceu e apressou-se a pedir a paz. Apa­
de D. Sebastião (10) e (11), aproximando-                                                               rent­emente tudo acalmava com a chegada
-se tempos ainda mais violentos e difíceis.                                                             de D. Antão de Noronha, mas a sua glória
  Por alturas de 1570, começaram a correr        D. António de Noronha, vice-rei da Índia (1571-1573).  viria a ser efémera, vítima provável das in-
                                                 Livro de S. Julião.                                    trigas da Índia ou do reino. No ano de 1573
rumores de que o Hidalcão se preparava
para atacar Goa. As notícias não eram muito onde era possível invadir a cidade. Constava chegou a armada de Lisboa, comandada por
concretas, mas – como diz um autor da épo- que o Hidalcão dispunha de 35 000 homens D. Francisco de Sousa. Aportou a Cochim em
ca – “as coisas que assim começam a soar, vão de cavalo, 70 000 infantes e 2000 elefantes de Outubro, mas o capitão-mor seguiu de ime-
adquirindocréditocomacontinuaçãodesedi- combate, com que avançavam em direcção diato para Goa, onde devia entregar instruções
zer”. Pela mesma altura, chegou a informação a Pondá, preparando-se para atravessar no urgentesemanadasdeD.Sebastião.D.António
de que, mais para o norte, o Nizâmu’l-mulk “Passo de Benestarim”, na parte leste (sueste) deNoronhaeradesapossadoantecipadamente
– ou Nizamaluco na forma aportuguesada – da ilha, onde estava a fortaleza de Santiago. E, do cargo de vice-rei da Índia e nomeado como
avançava com todo o seu poder sobre Chaul. em Novembro, já se viam na outra margem governadorAntónio Moniz Barreto, que ainda
Estes ataques eram concertados entre aliados, as tendas inimigas, movimentando-se as gen- não seguira para Malaca. Deste caso diz Diogo
propositadamente feitos num momento em tes para atulhar o canal, não só para facilitar a do Couto que “foi o mais novo, e escandaloso
que D. Luís já tinha despedido duas armadas passagem de soldados, como para impedir a caso que na Índia aconteceu, do qual muitos ti-
para outras missões de guerra e Goa ainda es- acção dos navios portugueses que se podiam veram culpa, porque deram ocasião a se desa-
tava diminuída da sua guarnição, porque os aproximar pelo rio Zuari.                             possar do governo um fidalgo tão honrado e
homens se dispersavam pelo interior durante Enquanto Goa e Chaul viviam estas horas tãobenemérito”.Eramostemposeoscostumes.
a época das chuvas, só regressando à cidade de aperto, a rainha de Onor atacava a fortaleza                                         

durante esse mês de Setembro.                    portuguesa e o Samorim – inimigo persistente –         J. Semedo de Matos
Em face de todas as notícias e rumores, D. punhacercoaChalé.Eraestaasituaçãomilitar
Luís de Ataíde ouviu conselhos e tomou as da Índia, quando a armada de D. António de N.R.                                           CFR FZ
suas próprias decisões. Recomendavam-lhe Noronha entrava a barra de Goa, no princípio O autor não adota o novo acordo ortográfico.

16 MAIO 2012 • REVISTA DA ARMADA
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