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A MARINHA DE D. SEBASTIÃO (31)

Paulo Dias de Novais e a fundação
de S. Paulo da Assunção de Loanda

Uma Relação da Costa de Guiné, de autor             dar a D. Afonso e ao seu sucessor, D. Diogo,                                de Novais, um neto do navegador Bartolomeu
        anónimo, datada de 1607, diz-nos que        mas o comportamento dos capitães de S. Tomé                                 Dias. Partiram de Lisboa a 22 de Dezembro de
        “O comércio de Angola se descobriu          contrariava estas determinações, assumindo                                  1559, passaram por Cabo Verde e S. Tomé, ti-
desde o tempo de El-Rei Dom João o segundo,         pormenores de grande violência com os fun-                                  veram grande dificuldade em vencer a foz do
posto que com pouca frequência. E neste tempo       cionários régios que, de algum modo, preten-                                Zaire, por causa da corrente, e aportaram em
o Rei de Angola era amigo e quase súbdito de        diam fazer cumprir as normas emanadas de                                    Mpinda (S. António do Zaire), onde fizeram
Rei do Congo e lhe mandava cada ano seu tri-        Lisboa. Eram as arbitrariedades dos tempos e                                aguada e embarcaram lenha. Chegaram à bar-
buto, em modo de presentes, e com sua licença       do isolamento que permitiam que quem lá es-                                 ra do Cuanza em 3 de Maio de 1560, ficando
iam os portugueses negociar à Ilha de Luanda        tava fizesse a sua própria lei, ao arrepio de uma                           fundeados ao largo, numa posição muito fra-
[...] E tudo o que ali se resgatava se vinha des-   política externa concertada que promovia uma                                gilizada pelas condições do mar. Paulo Dias
pachar à Ilha de S. Tomé...” São palavras escri-    relacionamento próprio com o primeiro reino                                 esperou 6 meses até se decidir a ir ao encontro
tas alguns anos depois dos acontecimentos mais      convertido em África. Na base desta postu-                                  do Ngola, que já não era o mesmo que enviara a
relevantes que marcaram o estabelecimento das       ra dos comerciantes de S. Tomé estava o co-                                 embaixada a Lisboa dez anos antes. O processo
relações de Portugal com o reino do Congo, mas                                                                                  que se seguiu não é muito claro, sabendo-se que
revelam a forma como, paulatinamente, os na-                                 Imagem cedida pela Biblioteca Municipal de Almada  o rei os recebeu muito bem e os agasalhou du-
vegadores lusos se foram aventurando mais a                                                                                     rante algum tempo, mas, subitamente, mudou
sul, nas imediações da actual cidade de Luan-       Paulo Dias de Novais, segundo a efígie das antigas notas                    de comportamento: mandou executar todos os
da e da barra do Cuanza, onde procuravam            de dois angolares e meio, da Junta da Moeda de Angola.                      elementos da embaixada que seu pai enviara a
escravos, cobre, marfim e muitas outras merca-      mércio negreiro em ascensão, a requerer cada                                Lisboa e que agora regressavam com os portu-
dorias ricas. Recordemo-nos como Diogo Cão          vez mais escravos para o Brasil, que o Congo                                gueses, mantendo estes presos em condições
chegou ao rio Zaire, como o rei do Congo quis       já não conseguia alimentar. Contudo, há ou-                                 que os relatos dizem ter sido precárias e sem-
estab­ elecerforteslaçosdeamizadecomoreide          tras co­ mponentes importantes deste comple-                                pre em perigo de vida. E, se pouco se sabe dos
Portugal, fazendo-se baptizar com o nome de         xo sistema que mostram uma decadência do                                    pormenores deste cativeiro, o mesmo acontece
D. João (do Congo) e deixando que no seu ter-       poder de D. Diogo no contexto africano, uma                                 com as circunstâncias em que Dias de Novais
ritório ficassem os sacerdotes necessários à con-   sequente ascensão do rei de Angola (o Ngola)                                foi libertado em 1565, conseguindo chegar a Lis-
versão dos seus súbditos. Um dos seus filhos –      e uma convicção portuguesa de que nas suas                                  boa em 1567, onde tudo relatou a D. Sebastião.
que viria a suceder-lhe no trono – foi também       terras se encontrariam outros metais preciosos                              Aparentemente, o Ngola pedia ao rei de Portu-
baptizado, recebendo o nome de D. Afonso (por       de que carecia a moeda nacional.                                            gal que o ajudasse numa guerra difícil com um
ser esse o nome do herdeiro da coroa de Portu-                                                                                  seu rival, mas os documentos são muito escas-
gal), tornando-se cristão fervoroso que mante-        O nome deste reino está na origem do que foi                              sos e pouco explícitos.Averdade é que voltaria
ve uma vida assimilada aos padrões europeus         a colónia e a província portuguesa, e do que é                              à costa angolana em 1575, dotado de uma carta
até à sua morte em 1543. Entretanto, o comér-       hoje a República deAngola, mas era, no século                               de doação concedida pela coroa, com o cargo de
cio com o Congo manteve uma regularidade            XVI, apenas um estreito território entre os rios                            capitão e governador e com o objectivo claro de
significativa, durante as primeiras décadas do      Dande e Cuanza, estendendo-se para o inte-                                  sujeitar e conquistar o reino de Angola, “para se
século XVI, resgatando cobre, marfim e, sobre-      rior até ao rio Lucala ou à região de Malange.                              nele haver de celebrar o culto e ofícios divinos”
tudo, escravos, que seguiam para S. Tomé onde       No final da década de quarenta do século XVI,                               e “pelo muito proveito” para o rei de Portugal
eram redistribuídos para Lisboa, para o Brasil      o Ngola enviou uma embaixada a D. João III,                                 e para os seus naturais. Partiram de Lisboa no
ou para utilização local.                           pedindo-lhe missionários e outros apoios para                               final do ano de 1574 e alcançaram a baía de
                                                    o seu reino, mas os seus emissários ficaram re-                             Luanda, da parte de dentro da ilha, no mês de
  Sabemos também que as finanças portugue-          tidos em S. Tomé durante 9 anos só chegando a                               Fevereiro do ano seguinte. O local era bastante
sas foram sempre deficitárias ao longo de todo      Lisboa em 1558. Nessa altura, porém, Dª Catari-                             mais aprazível e próprio para uma invernada
o século XVI – mesmo no auge do comércio rico       na preparou a ida de uma missão diplomática,                                do que a barra do Cuanza, registando-se que já
da Índia – com uma endémica carência de mo-         para a chefia da qual foi nomeado Paulo Dias                                ali viviam alguns portugueses. Em 1576 Pau-
eda, devida à falta de metais nobres. E este facto                                                                              lo Dias de Novais decidiu fixar-se em terra, no
levou a que se tomassem várias iniciativas no                                                                                   morro onde veio a ser construída a fortaleza de
sentido de buscar esses metais por toda a parte.                                                                                S. Miguel, e onde foi criada a vila de S. Paulo da
No Zaire havia cobre, mas chegavam ali notí-                                                                                    Assunção de Loanda, núcleo primitivo da cida-
cias de que lá para o sul existiriam abundantes                                                                                 de que ainda hoje existe.Apresença portugue-
jazidas de prata, de que apareciam alguns vestí-                                                                                sa não foi, de todo, pacífica, sobretudo porque
gios. De forma que a tentação de explorar esses                                                                                 pressupunha um esforço de conquista, mas foi
territórios era enorme, apesar da oposição de D.                                                                                definitiva. Paulo Dias de Novais viria a falecer a
Afonso I, do Congo, que via nessas iniciativas                                                                                  9 de Maio de 1589, em Massangano, onde fun-
uma concorrência nefasta para os seus interes-                                                                                  dara uma pequena povoação e implantara a
ses. A Relação anónima, acima citada, diz que                                                                                   igreja que lhe viria a servir de sepultura.
os portugueses iam à ilha de Luanda procu-
rar outros tratos, mas a documentação mostra                                                                                                                                       
que isso era de muito desagrado para o rei do                                                                                                               J. Semedo de Matos
Congo que sempre reclamou junto de D. João
III para que não se fizessem essas vi­agens. De                                                                                                                                      CFR FZ
facto, a postura da coroa foi sempre a de agra-
16 JUNHO 2012 • REVISTA DA ARMADA                                                                                               N.R.
                                                                                                                                O autor não adota o novo acordo ortográfico.
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