Page 17 - Revista da Armada
P. 17

Dia da Marinha 2012
Afesta do Dia da Marinha deste ano
       teve como palco a cidade deAlmada,       paz chegasse ao estuário, deixando que Alma-
       um concelho onde há décadas atrás        da desenvolvesse a sua vocação. No tempo de
se estabeleceu a Base Naval, o Arsenal da       D. João II e D. Manuel I, o seu papel já era evi-
Marinha e a Escola Naval, que constituem o      dente nesta região alargada, em torno da cida-
núcleo central da nossa Armada e por onde       de mercantil de uma Lisboa a despontar para
já passaram quase todos os marinheiros. Foi     a aventura ultramarina quinhentista: nas mar-
a primeira vez que esta comemoração aqui        gens dos esteiros cresciam inúmeros estaleiros
teve lugar, apesar da proximidade do dia-a-     de construção e reparação naval que vinham
-dia, e da quantidade de residentes e filhos    até à praia de Cacilhas e ao Ginjal, protegidos
desta terra que prestam ou prestaram serviço    que estavam das intrusões pelo rio; e em toda
nas nossas fileiras. A cidade, contudo, teve    a planície que se estende para sul, resguarda-
sempre uma ligação muito próxima com            da pelo morro do castelo e pela falésia, des-
o mar e com as actividades marítimas, in-       pontava a produção de trigo, azeite e vinho;
tegrando o vasto complexo dos elementos         e nas muitas caldeiras interiores proliferavam
que circundam a capital, e que foram su-        os moinhos de maré, cuja farinha era levada
porte directo da epopeia da Expansão Ma-        à capital ou às fábricas de biscoito pelo formi-
rítima, desde o século XV. É verdade que        gueiro de embarcações que circulava no rio.
encontramos navegadores em toda a parte
do país, desde Bragança a Lagos, passando         Deve dizer-se, porém, que o maior desenvol-
pelas terras do interior ou pelas póvoas marí-  vimento de Almada, que acentua a sua relação
timas, mas o centro da actividade marinhei-     com a vida marítima nacional, tem lugar no
ra que impeliu os portugueses para a explo-     século XIX e XX, com o processo de industria-
ração dos oceanos foi a cidade de Lisboa,       lização que trouxe à margem sul, e a Almada
sustentada por um multifacetado e coerente      em particular, as indústrias corticeiras, as moa-
sistema de apoios diversos que envolveram       gens, as indústrias químicas, os têxteis, a pesca
todo o estuário do Tejo. Nos seus recantos      e, finalmente, a construção naval em aço, já
e múltiplos esteiros cresceram estaleiros de    no final do século XIX. O Arsenal da Marinha
construção e reparação, nasceram dezenas        inscreveu o seu nome nesta história quando,
de moinhos de maré, foram exploradas sa-        em 1852, contratou o oficial caldeireiro inglês
linas, fabricou-se o biscoito das naus, pro-    Hugh Parry, numa fase em que pretendeu re-
duziram-se artefactos e bens alimentícios, e    novar o seu sistema produtivo e adaptar-se às
tudo isto envolvendo um tecido social alar-     novas tecnologias. Parry trabalhou ali durante
gado, num processo que só foi viável por-       dois anos, cumpriu o seu contrato, e saiu para
que se desenvolveu à volta do rio. E Almada     fundar um estaleiro privado na Boa Vista, en-
foi o principal núcleo da ampla região que      tre o Cais do Sodré e Santos. Criou a firma H.
ficou conhecida como a “Outra Margem”,          Parry & Son que começou a construir vapores
aquele que mais perto fica da capital e que     de pequena dimensão para clientes privados e
a ela ficou mais ligado, por razões de defesa   para a própria Marinha. Mas a construção do
militar e de suporte logístico.                 aterro onde hoje circula o comboio inviabili-
                                                zou o estaleiro e, em 1890, Parry passou para
  É profunda a relação da margem sul com        a Outra Margem, ocupando um pequeno es-
o destino português no mar, e foi decisivo o    paço do Ginjal. Foi ali que foi construída a
papel deste município onde hoje a Marinha       canhoneira Chaimite, patrocinada pela subs-
tem a maior parte do seu dispositivo opera-     crição nacional decorrente do ultimatum bri-
cional. Encontramos vestígios desta remota      tânico. Mais tarde comprou outros estaleiros
ligação nas ruínas romanas de Cacilhas e nas    que existiam na praia da Margueira, junto ao
descrições da conquista de Lisboa aos mou-      pontal de Cacilhas, onde cresceu a empresa
ros, em 1147, quando Portugal construía         extraordinária de construção e reparação na-
a sua identidade e independência. Nesses        val que veio até 1986. É numa das suas docas
tempos, contudo, toda a península de Setú-      que está hoje a fragata D. Fernando II e Gló-
bal vivia a instabilidade da Reconquista, e     ria, e será numa outra que vai ficar o subma-
só a consolidação da presença portuguesa        rino Barracuda, associando-se ao núcleo vivo
a sul do Tejo, no século XIII, permitiu que a   do Museu Naval de Almada. Este museu, que
                                                recebeu uma parte do espólio da Companhia

                                                REVISTA DA ARMADA • JUNHO 2012 17
   12   13   14   15   16   17   18   19   20   21   22