Page 4 - Revista da Armada
P. 4

A “Arte da Guerra do Mar”

Otratado da Arte da Guerra do Mar, pu-                mo primeiro capítulo, a logística de produção     ção. Estes capítulos intitulam-se: Do tempo de
         blicado no ano de 1555, revela-nos           constitui a tónica dominante dos temas. Estes     navegar as armadas, e a mudança dos tempos;
         com clareza o pioneirismo do padre           capítulos intitulam-se: Do ofício de almirante;   Dos sinais das tempestades e variações dos
Fernando Oliveira no tratamento dos assuntos          Das taracenas e seus provimentos; Da madeira      temporais; Dos ventos e suas regiões, e nomes;
navais, segundo uma abordagem focalizada              para as naus; De quando se cortará a madeira;     De alguns avisos necessários para navegar; Das
no plano da estratégia. Apesar de escrito há          Dos armazéns e seus provimentos; Das victua­      marés, correntes e aguagens do mar. O texto
mais de quatro séculos, este tratado continua         lhas. Do décimo segundo ao décimo quinto          adopta uma característica militar-naval do ca-
a revelar-se extremamente proveitoso e incon-         capítulo, o tratado aborda temas relativos ao     pítulo nono ao décimo terceiro, nos quais são
tornável para o estudo da estratégia naval por-       pessoal, de modo bastante diversificado. Estes    apresentados os requisitos para a navegação
tuguesa quinhentista, nas suas três vertentes:        capítulos intitulam-se: Dos homens do mar;        em formatura de combate, para as tácticas e
genética, estrutural e operacional. Porém,            Dos capitães do mar e seu poder; De como
é pouco conhecido em Portugal e pratica-              devem ser escolhidos, e assentados os solda-         para a área de operações.Também é anali-
mente ignorado no estrangeiro.                        dos; Do exercício dos soldados.                      sado um caso de estudo relativo a uma ba-
                                                                                                           talha. Estes capítulos intitulam-se: De como
  Este artigo aborda a estrutura da Arte da             A segunda parte da Arte da Guerra do Mar           as armadas farão vela; Da batalha no mar
Guerra do Mar, sintetizando o essencial do            trata «de como se porá em execução essa              / e alguns ardis necessários nelas; Do lu-
prólogo e das duas partes, cada uma delas             guerra, da esquipação das frotas armadas, de         gar para pelejar; De como se perderam os
composta por quinze capítulos. Também                 quando navegarão, e se combaterão com avi-           navios que foram com El rei de Belez; Das
realça a fundamentação apresentada pelo               sos certos e vivos ardis». Esta parte contém um      ordenanças da guerra do mar. No capítulo
padre Fernando Oliveira para, sendo sacer-            conjunto de matérias que, actualmente, são           catorze, intitulado D’algumas regras gerais
dote, tratar o tema da guerra do mar.                 do âmbito da logística operacional, da ciência       da guerra, o autor identifica padrões e as-
                                                      náutica e da táctica, e também possui três nú-       pectos que regulam os combates. O capí-
  No prólogo, depois de justificar o que o            cleos temáticos, a que acrescem, na parte final,     tulo quinze encerra o tratado e intitula-se:
leva a escrever tal tratado, o padre Fernando         dois capítulos singulares. Do primeiro ao ter-       Da conclusão da obra.
Oliveira defende a importância da guerra              ceiro capítulo, faz uma apresentação das em-
do mar, pelo muito lucro, prestígio e poder           barcações, dos efectivos e dos mantimentos a            O padre Fernando Oliveira justifica o
que os portugueses obtiveram rapidamente              bordo. Estes capítulos intitulam-se: Dos navios      seu interesse e defende o seu trabalho re-
através do seu uso: «É matéria esta proveito-         para as armadas; Do número de gente para os          lativo à guerra do mar, dizendo: «E por
sa e necessária, em especial para os homens           navios; Da esquipação dos mantimentos, mu-           ser eu sacerdote não pareça a matéria
desta terra que agora mais tratam pelo mar            nições e enxerceas. Do quarto ao oitavo capí-        incompetente à minha pessoa, porque aos
que outros, donde adquirem muito provei-              tulo, debruça-se sobre as condições de navega-       sacerdotes convêm ir à guerra quanto mais
to e honra, e também correm ventura de                                                                     falar dela. (pp. 6 e 7). Depois de várias refle-
perderem tudo isso, se o não conservarem                                                                   xões sobre as tarefas do sacerdote na guerra,
com esta guerra, com que seus contrários                                                                   que considera serem o apoio moral, religio-
lho podem tirar. Dando-se a esta guerra                                                                    so e disciplinar às tropas, o padre Fernando
têm ganho os nossos portugueses muitas                                                                     Oliveira refere-se à guerra da seguinte for-
riquezas e prosperidade, e senhorio de ter-                                                                ma: «... a guerra dos cristãos que temem a
ras e reinos, e têm ganho honra em poucos                                                                  Deus não é má, antes é virtuosa, cá se faz
tempos quanta não ganhou outra nação em                                                                    com desejo de paz sem cobiça nem cruel-
muitos» (pp. 5 e 6).                                                                                       dade, por castigo dos maus e desopressão
                                                                                                           dos bons.». Desta forma, o padre Fernan-
  Logo de seguida, o padre Fernando Oli-                                                                   do Oliveira, evocando de forma crítica o
veira atribui ao seu tratado a primazia de                                                                 conceito canónico medieval de “guerra
abordar a guerra do mar, dizendo: «Da qual                                                                 justa”, clarifica que a guerra se destina à
nenhum autor, que eu saiba, escreveu antes                                                                 prática do bem, que é alcançar uma paz
de agora arte nem documentos, ou se al-                                                                    mais justa entre as partes em contenda. De
guém dela escreveu confesso que não veio                                                                   seguida, acrescenta: «Pois escreverem de
a minha noticia sua escritura, somente de                                                               tal matéria, e ensinar meios por onde os bons
Vegécio coisa pouca.». Assim, comprova que                                                              saibam resistir aos maus, não mo estranharam
conhecia a obra intitulada Epitoma rei milita-                                                          os que entendem quanto isto releva nesta vida,
res, sive institutiorum rei militaris libre quinque,                                                    e como não é disforme da dos céus, onde os
da autoria do escritor romano Flávio Renato                                                             bem-aventurados têm, diz o salmista, espadas
Vegécio, cuja fama era grande no século XVI.                                                            para castigar as nações das gentes pecadoras,
                                                                                                        em cujo sangue lavaram suas mãos.». Neste
  A primeira parte da Arte da Guerra do Mar                                                             parágrafo o padre Fernando Oliveira realça
trata «de como é necessário fazer guerra e                                                              que os textos e o ensino das matérias milita-
apercebimento dela», ou seja, da necessida-                                                             res não devem causar estranheza aos que en-
de da guerra do mar e do seu estudo. Esta par-                                                          tendem a sua relevância nas relações entre as
te contém um conjunto de matérias que, ac-                                                              nações, porque a ordem terrena, baseada no
tualmente, são do âmbito da ciência política,                                                           recurso à guerra, condiz com a ordem divina,
da estratégia, da organização e da logística de                                                         onde os santos também usam a força para pu-
produção, e pode ser dividida em três gran-                                                             nir os pecadores.
des núcleos temáticos. Do primeiro ao quin-
to capítulo são apresentados os fundamentos                                                                                                                
morais que justificam a guerra. Estes capítulos                                                                                  António Silva Ribeiro
intitulam-se: Que é necessário fazer guerra;
De quem pode fazer a guerra; Que é neces-                                                                                                                      CALM
sário guerra no mar; Qual é guerra justa; e Da
tenção e modo de guerra. Do sexto ao déci-                                                              N.R.
4 JULHO 2012 • REVISTA DA ARMADA                                                                        O autor não adota o novo acordo ortográfico.
   1   2   3   4   5   6   7   8   9