Page 28 - Revista da Armada
P. 28

A História Real dum Astrolábio Falso

No dia 31 de Dezembro de 1998,               ram sempre pelo telefone –, a verdade é       Só que, passados alguns meses, tive de ir
         eram 11 horas da manhã, recebi      que nada recebi da Quinta das Acácias.      a Beja. E não resisti. Decidi fazer uma últi-
         um agradável telefonema. Um         Admiti que tal situação resultasse do fac-  ma tentativa. O entusiasmo pela identifica-
 jovem simpático, de nome António Edu-       to do António Eduardo andar preocupado      ção dum novo astrolábio em Portugal era
 ardo, informava-me de que tinha sido        com problemas escolares. E, consideran-     superior às minhas forças. Telefonei para a
 achado um astrolábio náutico na Quinta      do a gentileza de me ter sido dada          Quinta das Acácias. Eram 10 da manhã. O
 das Acácias, pertencente à família, havia   a notícia do achado, julguei que            António Eduardo não estava. Respondeu-
 longos anos, e situada a cerca de 10 km     a melhor solução seria ir ao local          -me o pai, o Engenheiro Manuel Ribeiro.
 de Beja. E mais, que identificara o astro-  para tentar acelerar o processo de          Disse-me que ia sair e que deixava o re-
 lábio por comparação com exemplares         identificação do astrolábio.                cado ao filho. Dei-lhe o nome do hotel e
 reproduzidos no meu livro Medir Estrelas.                                               o número do quarto. “Que descansasse,
                                              Combinei, então, um encontro               que o filho me telefonaria quando che-
  O facto deu-me grande satisfação, não      com o António Eduardo para 28               gasse”. Assim aconteceu. Confirmámos o
 só por se tratar de mais um astrolábio      de Março de 1999. Saí de Lisboa
 náutico – um instrumento que os Por-        dois dias antes, aproveitando para
 tugueses não souberam guardar, apesar       visitar um amigo que vivia nas
 de terem usado um número incalculável       proximidades e, na tarde do dia
 de exemplares durante o período dos         acordado, descobri, com alguma
 Descobrimentos – mas, também, pela          dificuldade e muita ansiedade, a
 circunstância dum livro meu ter sido de     Quinta das Acácias.
 alguma utilidade.
                                              Curiosamente, vim a saber, pelas
  Mas a notícia acarretava uma grande        conversas que fui tendo com as
 novidade: o astrolábio estava enterrado     pessoas a quem pedi informações
 numa quinta, quando o grande fornece-       sobre o itinerário, que a proprie-
 dor destes instrumentos tem sido, sem       dade que procurava se achava
 qualquer dúvida, o mar. Efectivamente,      muito próxima duma herdade no
 nos últimos trinta anos, desse depósito     Redondo, há mais de quatro sécu-
 imenso, inesgotável, imprevisível, ha-      los na posse da família dum afa-
 viam sido resgatados dezenas de astro-      mado almirante que também fora
 lábios náuticos. Ainda perguntei ao An-     figura grada na nossa Índia. “Será
 tónio Eduardo se a descoberta não teria     que pode haver alguma ligação
 sido feita num velho baú encafuado em       entre este célebre herói das Índias
 sótão poeirento. Respondeu-nos que          e o astrolábio agora encontrado?”,
 não. O astrolábio estava mesmo debaixo      pensei.
 da terra. Tinham dado com ele quando
 preparavam o chão de cimento duma             Ao chegar à Quinta das Acácias,
 casota para arrumação de apetrechos de      fui recebido pelo caseiro que me
 lavoura. Ainda viemos a saber que o feliz   entregou uma carta do António
 achador fora o caseiro, a quem ele, Antó-   Eduardo dizendo “que tentara
 nio Eduardo, gratificara com 3.500$00 (o    comunicar comigo por todos os
 que agora correspondente a 17,50 euros.)    meios, mas em vão”. E continua-
                                             va: “Sucede que, logo após a nos-
  Procurei saber ainda se na Quinta das      sa conversa telefónica recebemos
 Acácias teriam sido encontrados outros      um telefonema de Viseu, e, devido
 objectos. De facto, alguns anos atrás, ha-  à gravidade do assunto em ques-
 viam sido achadas algumas moedas. Bom       tão, não tivemos outra alternativa
 sinal. Sempre muito amável, o António       senão deslocarmo-nos esta ma-
 Eduardo ficou de me enviar uma lista das    drugada àquela cidade, onde pas-
 moedas, cujas datas poderiam ajudar a       saremos a Páscoa”.
 descobrir a do achado.
                                              Apesar de acreditar que a des-
  No que dizia respeito ao astrolábio,       culpa era sincera, fiquei magoado
 e enquanto eu não o pudesse ver, pedi       por a carta me ter sido entregue
 ao António Eduardo que me enviasse          pelo caseiro, o feliz achador, a
 fotografias com boa definição, para as      quem poderia ter sido confiado o
 examinar. O passo seguinte seria levar      astrolábio para eu o examinar.
 o astrolábio ao laboratório do Museu de
 Conímbriga, sem dúvida a maior autori-       Depois deste desagradável epi-
 dade em bronzes antigos do nosso país,      sódio, e com bastante pena, re-
 para se atestar, na medida do possível, a   solvi desligar-me completamente do
 sua autenticidade e ajudar a determinar     assunto, ficando sem resposta a várias
 a idade do astrolábio. Isto, porque, como   dúvidas, como por exemplo: o astrolá-
 se sabe, os metais não podem ser datados    bio teria sido deitado fora como se fosse
 pelo carbono 14.                            uma inutilidade? Pouco provável. Ou
                                             escondido como se se tratasse duma va-
  As semanas foram passando e, apesar        liosa peça de baixela de prata? Não fazia
 de várias insistências – as conversas fo-   sentido.
28 FEVEREIRO 2013 • REVISTA DA ARMADA
   23   24   25   26   27   28   29   30   31   32   33