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OS EQUÍVOCOS DA CONDIÇÃO MILITAR
Acondição militar foi objeto de uma Artigo 15.º Claro que são evidenciados os valores
Lei1 em 1989, que estabeleceu as militares e as situações que podem exigir
bases gerais em que assentam o 1- Atendendo à natureza e características o sacrifício da própria vida. Todavia, não
exercício dos direitos e o cumprimento dos da respetiva condição, são devidos aos mili- é menos verdade que nas guerras morrem
deveres por parte dos militares dos quadros tares, de acordo com as diferentes formas de civis e militares indiscriminadamente,
permanentes das Forças Armadas, em qual- prestação de serviço, os benefícios e regalias independentemente das missões comba-
quer situação. Aplica-se aos outros militares, fixados na lei. tentes. A diferença é que os militares se
enquanto na efetividade do serviço, e, igual- comprometem a fazê-lo e não podem fu-
mente, aos militares da GNR. 2- É garantido aos militares e suas famílias, gir às responsabilidades, mesmo em tem-
de acordo com as condições legalmente po de paz. Perante o perigo e no contexto
A análise das disposições desta Lei permite estabelecidas, um sistema de assistência e de ordens legítimas, o militar é obrigado
contribuir para o esclarecimento de alguns proteção, abrangendo, designadamente, a enfrentar os riscos, mesmo que as pro-
equívocos que foram criando raízes no âm- pensões de reforma, de sobrevivência e de babilidades de escapar com vida sejam
bito civil e até no seio dos militares. preço de sangue e subsídio de invalidez e diminutas.
outras formas de segurança, incluindo assis-
Existem, pelo menos, duas razões princi- tência sanitária e apoio social. Afastando as situações excecionais,
pais para esta necessidade de clarificação. precisamos de uma linguagem simples e
Em primeiro lugar, não se cuidou de estabe- Atenta a letra da lei, o maior equívoco e, direta para abordar os principais deveres
lecer princípios gerais nos primeiros artigos talvez, o mais generalizado, é considerar-se e restrições que fazem a diferença entre
que explicassem o enquadramento desta im- que os militares têm um conjunto de privilé- militares e não militares, dentro da norma-
portante legislação para os militares, o que gios relativamente aos funcionários públicos
não deixa de ser surpreen- lidade da paz ou no qua-
dente. Em segundo lugar, e aos trabalhadores das empresas públicas. dro da preparação para
verifica-se que a quase De facto, os militares têm um estatu- qualquer eventualidade.
totalidade das disposições
não são transparentes, isto to próprio, diferente dos não militares, Como se exprimem,
é, não indicam com rigor apesar de serem igualmente servidores em termos simples, es-
os direitos que a própria do Estado. Quando se referem os “bene- ses “especiais deveres”?
Lei pretende garantir. fícios e regalias” dos militares, seria mais São muitos e variados.
apropriado designar “contrapartidas” ou A exemplificação que se
Vejamos então os pre- “compensações”, porque é disso que efe- segue pretende eviden-
ceitos mais salientes que a tivamente se trata. A Lei, apenas na alínea ciar alguns dos mais es-
citada Lei encerra: i) do Art.º 2º refere “compensações”, sem pecíficos, sem cuidar de
explicar minimamente porquê. qualquer ordem.
Artigo 2.º
No Art.º 2º, alíneas a) a h), lista-se o Prontidão para
A condição militar carac- conjunto de deveres que justificam os o serviço
teriza-se: “especiais direitos”, mencionados generi-
camente e apenas na alínea i). Porém, tais Os militares podem ser
a) Pela subordinação ao deveres, também referidos no Art.º 1.º (não chamados a comparecer
interesse nacional; transcrito), não são apelidados de “espe- num local de serviço, a
ciais deveres”, o que seria mais adequado, qualquer hora do dia ou
b) Pela permanente dis- em paralelo com os “especiais direitos”. da noite, em qualquer dia da semana. Os
ponibilidade para lutar compromissos eventualmente assumidos
em defesa da Pátria, se necessário com o Na minha perspetiva, o equívoco surge com terceiros e os interesses pessoais são
sacrifício da própria vida; porque se pode entender que os militares irrelevantes. As licenças podem ou não
ficam favorecidos com as regalias atribuí- ser concedidas, em função das neces-
c) Pela sujeição aos riscos inerentes ao das, quando a análise rigorosa mostra que, sidades de serviço, incluindo a licença
cumprimento das missões militares, bem quando muito, se atenua a exigência e diária, quando aplicável. Por exemplo,
como à formação, instrução e treino que penosidade da vida militar, com algumas a licença por falecimento de um familiar
as mesmas exigem, quer em tempo de contrapartidas compensatórias. próximo será normalmente concedida,
paz, quer em tempo de guerra; mas se o militar estiver em missão longín-
qua ou a navegar, não será possível obter
d) Pela subordinação à hierarquia mili- tal licença.
tar, nos termos da lei;
Ética militar
e) Pela aplicação de um regime discipli- Na maioria das profissões um indiví-
nar próprio;
duo pode ser um excelente profissional,
f) Pela permanente disponibilidade para mas ter uma vida privada com compor-
o serviço, ainda que com sacrifício dos in- tamentos desviantes ou pouco aceitáveis.
teresses pessoais; Isso não é permitido aos militares. Os
comportamentos inadequados, mesmo
g) Pela restrição, constitucionalmente respeitando à sua vida privada, podem
prevista, do exercício de alguns direitos e ser sujeitos a sanções disciplinares, con-
liberdades; soante as normas que forem infringidas.
A pena pode chegar à passagem à reserva
h) Pela adoção, em todas as situações, de ou à reforma de modo compulsivo.
uma conduta conforme com a ética mili-
tar, por forma a contribuir para o prestígio
e valorização moral das forças armadas;
i) Pela consagração de especiais direitos,
compensações e regalias, designadamente
nos campos da segurança social, assistên-
cia, remunerações, cobertura de riscos,
carreira e formação.
14 JUNHO 2013 • REVISTA DA ARMADA