Page 12 - Revista da Armada
P. 12
A MARINHA NO FINAL DA DINASTIA DE AVIS (5)
A MORTE DO CARDEAL REI
E O EPÍLOGO DA DINASTIA DE AVIS
Uma certa historiografia, apaixonada e
menos cuidadosa, considerou que foi o não lhe permitiu mais do que um assomo de que não esperavam. Pensaram em retirar de for-
cardeal rei D. Henrique quem criou as resistência destroçada na ribeira de Alcântara. ma ordenada, quando as populações resolve-
O candidato português ao trono foi ferido e viu- ram largar e acossar sobre eles uma manada de
condições para que Filipe II assumisse a coroa -se obrigado a fugir para o norte, onde perma- touros bravos, tocados à retaguarda com ímpeto
de Portugal, mas não é rigorosa a sua análise neceu homiziado e perseguido até conseguir e seguidos pelos homens ao assalto. Os espa-
e conclusão. É verdade que o cardeal rejeitou embarcar para França, em Junho de 1581. nhóis entraram em pânico e a aventura resultou
veementemente a candidatura de D. António A entrada de Filipe II em Portugal continen- num desastre total, não havendo notícia de que
Prior do Crato, mas a sua simpatia recaía na Du- tal não ofereceu outras dificuldades, mas nos algum tenha escapado com vida. O touro bravo
quesa de Bragança, Dª Catarina, e não no sobe- Açores a situação não se afigurou tão fácil. E as permanece hoje, na ilha Terceira, como sím-
rano espanhol. Contudo, não conseguiu suster ilhas tinham uma importância estratégica fun- bolo da liberdade das gentes com monumento
o ritmo alucinante dos acontecimentos, próprio na baía da Salga.
num momento em que a sua saúde era A resistência nos Açores foi encorajado-
muito frágil e o tempo lhe escasseava. ra para os partidários de D. António e deu-
Faleceu a 31 de Janeiro de 1580, pou- -lhes condições para obter apoios inter-
cos dias depois de ter aberto as cortes em nacionais para a sua causa. Em Inglaterra
Almeirim, onde se deveria discutir uma chegou a estar preparada uma expedição,
proposta de acordo que evitasse a guerra. com a colaboração de Hawkins e Drake,
Tudo ficou por decidir. mas a rainha Isabel I inviabilizou-a por te-
O governo foi entregue a um grupo mer o confronto directo com Filipe II. Foi
de cinco “governadores e defensores em França que o projecto ganhou melhor
do reino”, cujo poder era provisório e consistência, devido à acção diplomática
regido por regimento próprio, com po- do Conde do Vimioso, D. Francisco de
deres muito limitados. Eram eles o Ar- Portugal, junto de Henrique III e, sobretu-
cebispo de Lisboa, D. Jorge de Almeida, do, da rainha-mãe, Catarina de Médicis.
partidário da sucessão por Dª Catarina, Conseguiu-se a organização de uma ex-
D. João de Mascarenhas, Francisco de Sá pedição, comandada por Filippo Strozzi,
e Diogo Lopes de Sousa, partidários do rei que deveria retomar a soberania de D.
castelhano, e D. João Telo de Meneses, António nas ilhas de S. Miguel e Santa
apoiante de D. António Prior do Crato. Maria, e tomar a armada das Índias com
O Arcebispo adoeceu pouco depois de todas as suas riquezas. Ao seu encontro foi
assumir o cargo e as crescentes pressões enviada uma força naval comandada pelo
dos enviados filipinos criaram as con- hábil Marquês de Santa Cruz, que deveria
dições para afastar Telo de Meneses da impor-se contra estes intentos. Dispunha
cena política. Chegaram a convocar-se D. António Prior do Crato. de 31 naus e galeões (entre os quais os
novas cortes mas foram adiadas pela Angra do Heroísmo. portugueses S. Martinho e S. Mateus) e,
ameaça de peste em Almeirim. damental, porque por ali passavam as armadas sobretudo, estava mais bem comandada e ma-
D. António estava em Santarém, onde se vindas do México e das Antilhas, bem como nobrava com maior agilidade e destreza. Os lu-
concentravam os procuradores para as cortes, as naus da Índia e do Brasil. Além do mais, as so-franceses tinham mais embarcações miúdas,
quando correu o boato de que um exército populações da Ilha Terceira não aceitaram a mas isso não lhes dava vantagem, desde que
castelhano, comandado pelo Duque de Alba, soberania de Filipe e declararam-se fiéis a D. Santa Cruz os atraísse para o largo, como acon-
entrara pelo Alentejo. Com este acto, Filipe II António Prior do Crato, no que foram segui- teceu. As armadas defrontaram-se em frente de
passava de candidato ao trono a agressor e in- das por todas as do grupo central e ocidental. Vila Franca do Campo, no dia 26 de Julho de
vasor do país, perdendo a legitimidade própria Só S. Miguel e Santa Maria aclamaram o rei 1582, com uma derrota total dos luso-franceses.
e permitindo que qualquer outro candidato to- castelhano. O novo poder de Lisboa e Madrid Perderam a vida neste confronto mais de 2500
masse a iniciativa da defesa do reino contra tentou tratar do assunto com pinças, sem afron- homens, portugueses, castelhanos e franceses,
o agressor. A informação não era verdadeira, tar directamente as pessoas, mas a resistência entre os quais o próprio Strozzi e o condestável
mas foi com base nela que o Prior do Crato foi terceirense obrigou a medidas mais duras. D. Francisco de Portugal. D. António Prior do
aclamado rei por uma populaça em alvoroço. Em 1581 organizou-se a primeira armada Crato ainda conseguiu outros apoios em Fran-
Os três governadores que ainda ocupavam o para submissão da ilha Terceira, comandada ça, levando mais soldados para a Terceira, mas
poder assustaram-se com as alterações e fugi- por Don Lopo Figueiroa, mas seguindo ante- o domínio do mar era de Don Álvaro de Bazan
ram para o sul, proclamando a realeza de Fi- cipadamente Don Pedro Valdez, com 8 naus, e a resistência da ilha soçobrava em Julho de
lipe II, em Castro Marim, e viabilizando uma duas caravelas e outros navios miúdos. Levava 1583. Caía assim o último bastião fiel ao Prior
invasão que agora tinha o pretexto válido da a recomendação para que apenas intimasse a do Crato e finava-se a gloriosa dinastia de Avis.
reposição da ordem e da legalidade. rendição da ilha, sem outras medidas de guerra
Num ápice o Duque de Alba submeteu todo antes da chegada do resto da esquadra. Mas a
o Alentejo até à foz do Sado, enquanto o Mar- ânsia de um sucesso antecipado precipitou-o J. Semedo de Matos
quês de Santa Cruz, Don Álvaro de Bazan, fe- para uma batalha desastrosa com pormenores CFR FZ
chava a barra de Lisboa com uma armada saída curiosos. Os castelhanos desembarcaram cerca
de Cádiz. Na capital, D. António preparava-se de seiscentos homens na baía da Salga, a leste N.R.
para combater, mas a desproporção de forças de Angra, deparando-se com uma resistência O autor não adota o novo acordo ortográfico.
12 JUNHO 2013 • REVISTA DA ARMADA