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Dia da Marinha 2013
Afesta anual do Dia da Marinha teve mercadorias, ou dedicando-se à pesca, nos es-
lugar este ano na cidade do Barreiro, teiros interiores ou na barra. E dele fazem parte
cumprindo-se uma tradição que leva os também as populações ribeirinhas que se dedi-
marinheiros para fora da Base Naval e das insta- cam à agricultura ou trabalham nas dezenas de
lações militares, para festejarem este dia no mais estaleiros que encheram os esteiros de ambas as
estreito convívio com o povo português. É um margens, em locais protegidos das intempéries
desígnio consignado numa lei de 1936, ao insti- e das incursões de flibusteiros. É um espaço de
tuir o Dia da Marinha com estas características, gentes que integram um vasto e complexo siste-
mas que temos interiorizado da melhor forma, ma produtivo virado para a capital, espalhadas
com a consciência de que a nossa missão e as pelas múltiplas especificidades geográficas que
nossas tarefas resultam desta ligação estreita com rodeiam o estuário, organizado em intimida-
as gentes desta nossa Pátria que nos contempla. des municipais ou paroquiais e unidas por este
Fazê-lo na cidade do Barreiro, repetindo o con- magnífico rio que, até há bem pouco tempo,
vívio que já tinha ocorrido em 1997, é homena- era um formigueiro de faluas, botes, canoas e
gear uma população de onde já saíram muitos fragatas, movimentando-se incessantemente ao
marinheiros, mas, sobretudo, onde hoje vive ritmo dos ventos e das marés, desde a ribeira de
uma parte significativa dos militares da Armada, Santarém até à foz.
onde formaram a sua família, criam os seus filhos
e partilham o dia-a-dia com uma sociedade civil A margem sul tem um lugar de destaque no
que os acolhe e os reconhece como seus. O Bar- sistema de que tenho vindo a falar; e particu-
reiro é, além de tudo o mais, um local de estreita larmente o Barreiro, ou o que é hoje o seu mu-
e secular relação com a Marinha e com o mar, nicípio, incluindo todo o vale do esteiro e do
com um papel definido no complexo sistema rio Coina até Vale de Zebro e Palhais. É bem
humano do estuário do Tejo, que viabilizou a sabido como as actuais instalações da Escola de
gesta dos Descobrimentos e da Expansão, como Fuzileiros contêm o que resta dos antigos fornos
permitiu a continuação mais recente do porto de de biscoito para abastecimento das naus – os
Lisboa como grande porto comercial. fornos de el-rei –, associados a um moinho de
maré, cuja caldeira coincide com a emblemá-
Diz-se que Lisboa é uma dádiva do Tejo, e tica pista de lodo, estendendo-se para leste nos
é verdade. Mas este Tejo que criou a capital é terrenos que foram aterrados para construir a
muito mais do que um simples curso de água, parada actual. Aliás, a jusante, no mesmo rio,
a correr para o mar e a banhar as praias onde se numa e noutra margem, funcionaram até ao
debruçam as sete colinas míticas da cidade. A século XIX importantes estaleiros da Marinha,
grandeza de Lisboa é obra das gentes que soube- nos lugares da Telha e da Azinheira, no local
ram construir a metrópole virada para o mundo, onde até há pouco tempo funcionou a seca do
de onde saíam e chegavam constantemente na- bacalhau da Parceria Geral de Pescarias. Diz
vios que alcançaram o Brasil, a Índia e o Extremo uma história mal documentada que os navios
Oriente. E esta empresa, que se fez a partir de um da armada de Vasco da Gama, de 1497, ali
porto, num país que se cumpriu no mar, deve foram construídos e que el-rei D. Manuel as-
muito a este estuário amplo e abrigado, mas so- sistiu ao seu baptismo, junto da antiga capela
bretudo a um sistema humano produtivo, com- de Santo André, hoje parcialmente destruída.
plexo e diversificado, que a sustentou. Dele fa- Testemunhos directos garantiam que o registo
zem parte os artesãos da cidade, os homens dos deste evento estava gravado numa lápide desa-
estaleiros e aprestos, as tabernas e os albergues, parecida que existia à entrada dessa mesma ca-
mas também todos aqueles que produziram os pela. É difícil comprovar com rigor que as naus
abastecimentos aos navios e às populações do S. Gabriel e S. Rafael ali foram construídas, mas
espaço citadino. Ao sal, o biscoito, o azeite e os a memória destes factos (mitificada ou não)
vinhos que embarcaram para o Oriente ou para revela a importância da construção naval nos
o Norte da Europa juntam-se os legumes, as fru- esteiros da margem sul do Tejo, que remontam
tas, o pescado ou a farinha com que se alimenta- ao reinado de D. Diniz. É bem provável que,
va diariamente a capital. como acontece ainda hoje, os cascos fossem
construídos num estaleiro, como a Ribeira de
O Tejo de que falo é este fervilhar constante Lisboa, mas os trabalhos se prolongassem por
de velas, pequenas e grandes, transportando
REVISTA DA ARMADA • JUNHO 2013 17