Page 19 - Revista da Armada
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DOIS TESTEMUNHOS

Poder escrever sobre um momento tão único, é         Nada de ensaios, nada de rede! Toda a adrenalina à                     TESTEMUNHO
      no mínimo um desafio; um agradável desafio!    flor da pele! Um verdadeiro chegar, apostar e vencer!                 DO FOTÓGRAFO
       Tratando-se de um momento tão espe-
cial, poderia julgar-se tal desafio como um sim-      Desde logo era impressionante a quantidade de          nhavam o desfile, permitiu que conseguisse captar
ples exercício de transcrever recordações desse      barcos a navegar no Tejo. Um rio que nos habituá-       imagens magníficas da Sagres.
dia, num discurso fluído e tranquilo em análoga      mos a tão majestosamente ver abraçar Lisboa, pare-
comparação com o Rio Tejo que serenamente se         cia nesse dia tão pequeno com tão grande quantida-       Após a primeira aproximação, fomos obrigados
dirige para o mar.                                   de de barcos a navegar nele! E por entre todos eles,    a abandonar o local e a regressar novamente para
                                                     por entre esse alegre frenesim de que o Tejo era palco  a Cova do Vapor.
  Mas efectivamente não o é! E não o sendo, não      vinha a “nossa” Sagres, imponente e encantadora
significa contudo que exista algo de negativo nis-   deslizando serena e jovialmente aos pés de Lisboa.       Quando novamente nos foi autorizado avançar,
so. Muito pelo contrário!                                                                                    sabia que não haveria nova oportunidade, pois
                                                      Tivemos de permanecer junto à Cova do Vapor,           o tempo de voo esgotava-se. Foi novamente um
  Sinto-me como no centro de um enorme trope-        sem que nos fosse dada autorização pela torre           tudo ou nada!
ço de emoções e recordações que se atropelam         de controlo para avançar. Assim, foi daí que vi a
na necessidade de querer ver a luz do dia quando     Sagres passar por baixo da Ponte 25 de Abril, e a        Fizemos uma primeira aproximação, mais ao
enclausuradas por um longo ano!                      todo o pano rasgar as águas do Tejo e abrir cami-       largo e a menor altitude, subindo gradualmente
                                                     nho a todos os barcos que se lhe seguiam.               enquanto passávamos pela popa da Sagres e se-
  Enquanto fotógrafo, independentemente do que                                                               guíamos para estibordo.
vou fotografar, ou do que me é pedido para foto-      Se de longe o cenário era fantástico, o melhor
grafar, existe sempre um ego para alimentar. Existe  estava realmente para vir.                               A segunda aproximação foi em tudo idêntica mas
a necessidade de querer fazer sempre melhor e a                                                              não tão afastada quando estávamos a bombordo.
necessidade de captar algo que nos surpreenda a       Quando finalmente avançámos, já a Sagres se
nós próprios.                                        encontrava quase a chegar ao actual museu da             E finalmente, a última aproximação. Recordo-
                                                     electricidade. Sabia que seria o tudo ou nada, pois     -me perfeitamente que voávamos à mesma alti-
  Fotografar o NRP Sagres foi sem dúvida um dos      fui alertado pelo piloto que teríamos pouco tempo       tude da segunda aproximação, pelo que disse ao
momentos em que todas as medidas foram am-           para permanecer no local.                               piloto para descer gradualmente e tentar passar
plamente preenchidas. Mais do que a simples                                                                  pela proa o mais devagar e estável possível.
fotografia desses momentos é preciso realçar não      Era efectivamente impressionante a quantidade de
só o quão surpreendente poderão ter sido as fotos,   barcos que escoltavam a Sagres. E mais do que tudo       Foi nesse momento que foi efectuada toda a se-
mas sobretudo, o quão surpreendente foi o mo-        isso a quantidade de pessoas que à beira-rio viam o     quência de fotos da qual se retirou a imagem que
mento e toda a sua envolvente.                       desfile! Foram momentos breves mas ao mesmo             serviu de capa à última edição do Livro da Sagres
                                                     tempo eternos. Todo o conjunto de acontecimentos        do Comandante António Manuel Gonçalves.
  Estava inicialmente previsto, após levantar voo    era tão único que todas as fracções de segundo pa-
da base aérea de Tires, ter aproximadamente 30 a     recem ficar claramente gravadas na retina.               Orgulhosamente, mas igualmente de forma bas-
40 minutos para poder fotografar o desfile. No en-                                                           tante modesta, é uma alegria enorme sentir que no
tanto, por todos os constrangimentos associados       Em termos fotográficos as condições eram perfei-       jogo do “tudo ou nada” foi um “tudo” que vingou,
ao espaço aéreo, o tempo efectivo para fotografar    tas. Não obstante o enorme calor que se havia sen-      tendo conseguido captar a emoção de um mo-
terá sido reduzido a uns meros 10 a 15 minutos.      tido no dia anterior, nessa manhã soprava uma brisa     mento tão único e especial para tantas pessoas.
                                                     bastante agradável e o céu estava limpo. Mas mais
  Se o momento já era de nervoso miudinho, toda      importante que tudo, a atmosfera estava bastante         Enquanto fotógrafo, sentir que uma fotografia mi-
essa espera fez aumentar exponencialmente esse       límpida. Além disso um cenário magnifico tanto          nha conseguiu ser o tão falado espelho de mil pa-
sentimento. No entanto, essa situação também teve    em terra, com a zona dos Jerónimos como fundo e         lavras, é indescritível. Condensar todo um conjunto
os seus pontos positivos! Aguçar os sentidos, e ter  uma multidão à beira rio, como no Tejo com a pon-       de sensações e sentimentos numa imagem que
a consciência que não haveria espaço a deslizes!     te 25 de Abril e as centenas de barcos que acompa-      tem a magia de os despertar novamente em todos
                                                                                                             aqueles que o viveram directamente ou que de ou-
                                                                                                             tro qualquer modo o presenciaram é sem dúvida a
                                                                                                             prova de dever cumprido!

                                                                                                              Assumindo uma vez mais que uma imagem vale
                                                                                                             mais do que mil palavras... o que dizer quando sinto
                                                                                                             que a emoção desse momento tão único vale mais
                                                                                                             do que mil fotografias?...

                                                                                                              Obrigado por tão grande privilégio e um agradeci-
                                                                                                             mento especial à APORVELA que planeou e contra-
                                                                                                             tou esta sessão fotográfica.

                                                                                                                                        João Pereira Gomes

                                                                                                               REVISTA DA ARMADA • NOVEMBRO 2013 19
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