Page 23 - Revista da Armada
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fala (deficiências na produção linguísti-   dade de públicos é um desafio que ultra-     Foto Rui Saltafactores que por via de uma qualquer
ca), restrições na realização de activida-  passa os limites da acessibilidade espa-     forma de discriminação, mais ou menos
des físico-motoras (coordenação motora,     cial, quando a inclusão está na agenda       explícita, vedam ou dificultam a participa-
precisão ou mobilidade), mas também         das nossas preocupações.                     ção das pessoas na vida dos museus.
outras restrições, como as que são do
foro sociocultural, como aquelas que en-     Do ponto de vista teórico é relativamen-      A acessibilidade no Museu é ainda uma
frentam determinados grupos das nossas      te simples e (quase!) consensual esta aber-  provocação, um desafio sem limites e um
comunidades, como sejam as minorias         tura à diversidade nos museus, porém,        processo em permanente construção.
étnicas, os imigrantes, ou ainda outros,    no que diz respeito às práticas efectivas,   Defendê-la é uma das missões essenciais
alvo de segregação social/moral, como       verificamos que são longos os caminhos       do Serviço Educativo, num compromis-
pessoas reclusas, ou pessoas sem-abrigo     ainda a percorrer. Nestes percursos, as      so com o futuro e de mãos dadas com
por exemplo.                                componentes físicas apresentam-se como       a secular divisa da Marinha Portuguesa:
                                            aquelas de solução mais simples: rampas,     «Talant de bien faire» – é esta mesma
 Para o efeito, estas visitas requerem      elevadores, legendagem em braille, áu-       «vontade de bem-fazer» que norteia hoje
preparação prévia, preferencialmente        dio guias e todos os recursos que a tecno-   o rumo das acessibilidades no Museu de
envolvendo docentes de ensino especial      logia, os orçamentos e a imaginação nos      Marinha.
e técnicos de serviço social. Para cada     permitam operacionalizar, para tornar o
caso e em função das características es-    museu num lugar fruível por um leque                               Olímpia Gordon Pinto
pecificas dos visitantes em causa, são      cada vez mais alargado de pessoas, com
planeadas formas de abordagem, deli-        as mais diversas características.                               Técnica de Serviço Educativo
neados circuitos e formatos de visita,
disponibilizados materiais.                  Com efeito, as barreiras mais difíceis de   Notas:
                                            transpor não são as físicas, mas aquelas
 Com vista ao alargamento desta oferta,     que se prendem com as mentalidades           1 "Acessibilidade é uma característica do am-
o Museu tem também in-                      – são o preconceito e a discriminação        biente ou de um objecto que permite a qualquer
vestido na produção de                      os principais responsáveis por uma boa       pessoa estabelecer um relacionamento com
novos recursos. Um bom                      parte das inacessibilidades intelectuais,
exemplo disso é o mode-                     sociais, lúdicas, tanto nos museus, como                          esse ambiente ou objecto,
lo de caravela (vd foto)                    noutros espaços. Face a esta constatação                          e utilizá-los de uma forma
recentemente produzido                      importa traçar o diagnóstico e definir que                        amigável, cuidada e segura.
pelas Oficinas de mode-                     nível de acessibilidade efectivamente al-                         (…) Portanto a acessibili-
lismo do Museu e que                        mejamos para o Museu de Marinha.                                  dade promove a igualdade
brevemente integrará o                                                                                        de oportunidades e não a
circuito da exposição                        Abrir o Museu, torná-lo mais acessível                           uniformização da popula-
permanente.                                 num exercício constante e permanente,                             ção em termos de cultura,
                                            rompe provocatoriamente com as cons-                              costumes ou hábitos (…)"
 Sabemos no entanto                         tantes de um universo há tanto tempo                              in: Conceito Europeu de
que nem todas as pessoas                    submetido a unidades redutoras e a uma                            Acessibilidade - Relatório do
com necessidades es-                        suposta “ordem natural das coisas”. Esta                          Grupo de Peritos criado pela
peciais visitam o Museu                     mudança de paradigma implica neces-                               Comissão Europeia - 2003
com o apoio da equipa                       sariamente uma nova visão do Museu e                              2 Tal como é apresentado
do Serviço Educativo, da                    daquilo para que este serve, naquilo que                          por Chris Barker Vd (BAR-
mesma forma, estamos                        gostamos de designar por uma museo-                               KER, 2005, P. 448)
também certos que as acessibilidades        logia de agência, tomando a liberdade
no Museu não dizem apenas respeito,         de importar para a museologia o con-                            Bibliografia:
muito menos se esgotam, nos públicos        ceito de agência, das ciências sociais.2
portadores de deficiência, muitas vezes     No caso vertente, reportando para a ne-                             AA. VV.; (2004); Museus
referidos como “minorias”. Padrões re-      cessidade de envolver todos os interve-                           e Acessibilidade; [Temas
ducionistas da designada normalidade        nientes no processo (decisores/directores,                        de Museologia]; Lisboa:
não nos devem fazer esquecer que os di-     profissionais e visitantes) como agentes de  Instituto Português de Museus; ISBN 972-
tos “normais” (e suposta “maioria”) terão   transformação e intervenção para, colec-     776-229-8.
ao longo da sua vida momentos em que        tivamente, derrubarmos as barreiras (as       AA. VV.; (1991); Museums Without Bar-
saem do padrão: ou por acidente, ou por-    físicas, mas também todas as outras) que     riers – A new deal for the disabled: Fon-
que têm filhos pequenos (ao colo ou em      constituem factores de exclusão social,      dation de France / ICOM / Routledge; ISBN
carrinho de bebé), por vicissitudes diver-                                               0-415-06994 .
sas, ou tão-somente e inevitavelmente,                                                    BARKER, Chris; Cultural Studies: Theory
porque envelhecem – os mais recentes                                                     and Pratice; (2005); London; SAGE; ISBN: 0
dados demográficos evidenciam um cres-                                                   761 95774 X.
cente envelhecimento da população eu-                                                     HOOPER-GREENHILL, Eilean; The Educa-
ropeia. A ligação óbvia entre o processo                                                 tional Role of the Museum; (2006); [2nd ed.
de envelhecimento e algumas das ditas                                                    1999]; s. l.: Routledge, ISBN – z13: 978-0-
deficiências não pode ser esquecida nos                                                  415-19827-1.
Museus, muito menos quando sabemos                                                        INSTITUTO NACIONAL PARA A REABI-
que o turismo (e o turismo sénior está em                                                LITAÇÃO, I. P.; (2007); Plano Nacional de
desenvolvimento) é um sector que ne-                                                     Promoção da Acessibilidade; Lisboa: Insti-
nhum museu deve negligenciar.                                                            tuto Nacional Para a Reabilitação, I. P.; ISBN:
                                                                                         978-989-8051-06-6.
 Centrados no presente e com o futuro                                                     VALE, José Augusto da Costa Picas do; Mu-
no horizonte, defendemos que este é o                                                    seu de Marinha. Contributos para a defini-
tempo de ampliar este conceito de aces-                                                  ção de um projecto cultural (2009); Lisboa:
sibilidade no Museu, não deixando que                                                    tese de mestrado em Museologia, Faculdade
este se limite à eliminação das barreiras                                                de Ciências Sociais e Humanas, Universidade
físicas. Atender a uma crescente diversi-                                                Nova de Lisboa.

                                                                                         Nota:

                                                                                          Este artigo é repetido porque o título saiu trun-
                                                                                         cado na RA nº 476 / julho de 2013.

                                                                                         N.R.
                                                                                          O autor não adota o novo acordo ortográfico.

                                                                                           REVISTA DA ARMADA • NOVEMBRO 2013 23
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