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REVISTA DA ARMADA | 485
O QUARTEL DE MARINHEIROS
EM ALCÂNTARA
Oquartel de Marinheiros em Alcântara não foi construído por aca- tambémMarinheiros.NoreferidorelatóriodeInspecçãosobreestes
so. A sua história prende-se muito com o facto de Lisboa ter, factos foi escrito: ”A Comissão viu com desagrado este empre-
desde sempre, uma alma Marinheira. go que se dá aos Marinheiros da Armada Real tanto mais quan-
to fora indispensável que eles recebessem a instrução e o ensino
Na verdade tudo começa quando a família Real parte para o próprios e privativos da sua profissão… e que desgraçadamente
Brasil em 29 de Novembro 1807. lhes falta como o provam entre muitos factos, os desastres fu-
nestos e tão repetidos de que hão sido victimas alguns d’aquelles
Escoltando a Família Real segue a Brigada Real de Marinha. infelizes na ocasião das salvas de artilheria”.
Aquando do regresso de D. João VI a Portugal em 1821, a maior
parte da Brigada fica no Brasil e dela nascem os Fuzileiros Navais Para a construção de um quartel amplo e harmonioso houve
daquele país. No entanto, parte dela regressa com o Rei. Tinham-se que subtrair espaço à cerca do Convento do Sacramento que lhe
passado 13 anos desde a sua partida e Portugal nesse período, tinha ficava contíguo pelo lado Oriental. O Convento ainda estava ha-
passado por uma das maiores crises económicas da sua história. bitado por freiras que temeram perder a sua privacidade caso o
Os aquartelamentos que em Lisboa vão ser destinados à Bri- Quartel tivesse janelas para Nascente.
gada não têm condições mínimas para a albergar. Primeiramente
são-lhe atribuídas instalações na Boa Vista, em seguida vão para O Convento dava sinais de estar prestes a ser desactivado e daí
Xabregas, a que se segue Vale de Pereiro (perto do Largo do Rato) que o Arquitecto José da Costa Sequeira nos diga que mandou fa-
e por último umas antigas instalações, quase em ruínas, em Al- zer janelas para aquele lado mas teve o cuidado de as tapar com
cântara, as quais tinham albergado um Regimento de Cavalaria. argamassa pouco sólida, a fim de se poderem vazar quando as
Este quartel era, numa descrição da época, constituído por “ca- freiras deixassem o edifício.
sas impróprias, acanhadas e insalubres com cavalariças baixas,
Embora os Marinheiros tivessem começado a usar as Instalações
húmidas e pouco ventiladas nas quais se haviam feito à pressa em 1857, só em 1863, já no reinado de D. Luís, é que o quartel foi
finalmente concluído e inaugurado.
tarimbas provisórias e outros arranjos para poderem receber as
praças de Marinha”. A obra foi totalmente paga, ao contrário do que tinha sucedido
com o edifício do Hospital da Marinha para cuja construção tinha
Nenhum destes quartéis reunia, como se disse, a dignidade mí- sido contraída uma dívida que nunca foi liquidada. É claro que o
nima para albergar a Brigada tão querida da população de Lisboa. Hospital prestou durante os duzentos anos da sua existência, mui-
tos serviços a dependentes de quem tinha emprestado o dinheiro
Já reinava em Portugal a Rainha D. Maria II quando a situação para a sua construção. Talvez por esta razão se possa pensar que a
se tornou insustentável. Havia que dar quartel condigno aos Ma- dívida ficou bastante diminuída, feitas as contas.
rinheiros. A população de Lisboa exigia-o.
Retornando ao tema deste artigo, podemos afirmar que o Quartel
O governo convocou, com a anuência da Rainha, o Arquitecto de Marinheiros em Alcântara
José da Costa Sequeira e incumbiu-o de desenhar e construir um foi construído com o apoio de
Quartel que se destinasse às “equipagens permanentes dos nos- uma forte vontade popular e
sos navios e para os Veteranos da Armada”. tem vindo a servir ao longo dos
tempos, de forma notável, a
José da Costa Sequeira era, ao tempo, professor da Academia Real Marinha Portuguesa.
das Belas Artes e um dos mais insignes Arquitectos do seu tempo.
Em próximo artigo fare-
A obra iniciou-se em Junho de 1845 e foi feita à medida que o mos referência a factos ocor-
erário público ia disponibilizando verba. Sabe-se que se conseguiu ridos neste Quartel que em
economizar bastante quando foram empregues na construção al- muito contribuíram para o
guns dos materiais que resultaram da demolição das primitivas desfecho da revolta de 5 de
edificações. Por outro lado, sabe-se também que não faltaram vo- Outubro de 1910, isto é, para
luntários, entre elementos da população, para ajudar a construir a Implantação da República
os alicerces do edifício.
Rocha e Abreu
Em 1855 foi feita uma Inspecção à parte do edifício já construí- CMG
do e, no relatório da mesma, é dito que ”todas as paredes estão
construídas com necessária solidez e todos os materiais empre- N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico
gados são da melhor qualidade”.
Durante a acção inspectiva foram, no entanto, encontra-
dos Marinheiros a mover e a acarretar terras e numa parte
do edifício foi vista uma forja de ferreiro na qual trabalhavam
Foto Arquivo do Museu de Marinha
16 MAIO 2014