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REVISTA DA ARMADA | 511
Os crimes ou delictos cujas consequências ultrapassam a bor-
da do navio ou o grupo de pessoas fazendo parte do navio, são
submetidos à jurisdição penal do Estado costeiro, em tudo o que
eles representem factos puníveis segundo a sua ordem jurídica
estabelecida e em tudo o que os seus tribunais sejam competen-
tes para conhecer. Como delictos cujas consequências ultrapas-
sam a borda do navio ou o grupo de pessoas fazendo parte do
navio, devem ser considerados todos os delictos que perturbem
a paz pública ou a boa ordem do mar territorial.
Artigo Xº
Dentro das suas águas territoriais o Estado costeiro fará a sua
legislação e exercerá a sua administração em todos os domínios
da actividade social, salvas as restrições estabelecidas pela pre-
sente convenção, e poderá empregar os meios necessários para
fazer respeitar a sua jurisdição, reagindo contra os infractores
e punindo-os.
O Estado costeiro tem o direito de continuar no alto mar a
perseguição iniciada nas águas territoriais, de deter e de jul-
gar o navio que tiver cometido uma infracção dentro das suas
águas. No caso de captura no alto mar, o facto será contudo no-
tificado com a possível brevidade ao Estado cuja bandeira içar o
navio ou embarcação capturada. A perseguição é interrompida
desde que o navio entre no seu mar territorial do seu país ou
duma terceira potência. O direito de perseguição termina desde
que o navio tenha entrado num porto do seu país ou duma ter-
ceira potência.
Artigo XIº
O Estado costeiro exerce nas suas águas territoriais em seu
proveito e no dos seus nacionais um direito de exclusivo de pes-
ca e de ocupação das outras riquezas do mar, do solo e do sub-
-solo.
Artigo XIIIº
Nos portos marítimos, os navios de comércio estrangeiros
estão submetidos sem restrição à jurisdição civil assim como à
jurisdição não litigiosa do Estado costeiro.
A jurisdição penal do Estado costeiro restringe-se ao castigo
dos crimes e delictos cometidos a bordo que não tenham sido
dirigidos contra uma pessoa pertencente à tripulação ou contra
os passageiros e seus bens. A jurisdição penal é também restrin-
gida no caso em que o auxílio das autoridades do porto tenha sido sa de Magalhães, Almirante Almeida D´Eça e Dr. Mário Pinheiro
pedido pelo capitão do navio, e ao caso em que a paz pública ou a
boa ordem no porto tiverem sido perturbadas. Chagas tiveram um papel fundamental.
Observações inclusas no Projecto: É revelador o interesse que resulta do facto de, já em 1925,
1. Portugal não pode prescindir duma extensão muito superior à de Portugal defender, em articulado de projecto, que a extensão
três milhas para as suas águas territoriais, por absolutamente ne-
cessária à conservação das espécies que povoem os seus mares, do Mar Territorial deveria ser de 12 milhas, considerando ainda
porque da pesca destas espécies recolhe elementos importantes que, no decorrer dos trabalhos das décadas seguintes, em es-
para a alimentação da sua população e para a laboração das suas pecial das várias (4) sessões de trabalho da Comissão de Direito
indústrias. Com o rareamento ou desaparição dessas espécies,
Portugal veria consideravelmente agravada a sua já tão intensa Internacional das Nações Unidas, ocorridas em 1951 e 1952 – e
crise económica. dos diversos grupos de peritos constituídos no seu âmbito –,
2. O que se dá em Portugal dá-se com muitos outros países, não sen- se ter concluído pelo reconhecimento de que o limite do Mar
do portanto esta pretensão de Portugal um caso especial. E sendo
esta maior extensão um uso já há muito estabelecido em Portugal Territorial se deveria situar entre as 3 e as 12 milhas, propondo-
e noutros países e um facto consignado nas legislações de Por- -se que cada Estado costeiro, atentas as suas próprias necessi-
tugal e de diversos países, como exuberantemente o demonstra dades, o poderia fixar de acordo com um conjunto de critérios.
o eminente Professor Dr. Schucking no magistral relatório que
primeiro apresentou ao Comité de Experts para a Codificação Todos estes elementos mostram, também, à saciedade, a com-
Progressiva do Direito Internacional, e sendo certo que mais que plexidade deste processo, e os cuidados extremos que existi-
as tradições e antigos usos, podem as necessidades actuais dos ram até à solução final estatuída em 1982, e que optou por uma
povos, Portugal defende a extensão para as 12 milhas das águas
territoriais, extensão esta mais harmónica com a prática actual e definição precisa em termos de limite.
com as necessidades presentes da maioria dos estados. O ponto 3 das Observações é particularmente interessante,
3. Se porém, por qualquer circunstância, esta extensão não poder atento o facto de ter sido pensado e redigido quase 34 anos
ser desde já consignada, Portugal julga que o limite mínimo de
seis milhas deverá ser desde já fixado, podendo os Estados, para antes de se produzir, em 1958, uma fórmula jurídica para uma
satisfazer às suas necessidades vitais ou acorrer à sua defesa, Zona Contígua, e permitir-nos-á uma avaliação específica, àque-
exercer direitos administrativos numa outra zona de seis milhas le tempo, sobre o tipo de exercício que era cogitável os Estados
para lá da sua zona de soberania.
4. As extensões consignadas para os casos das ilhas, arquipélagos, costeiros poderem ter em tal espaço.
baías e estreitos, foram-no supondo a extensão das águas terri- Sobre os aspectos essenciais que um estudo sobre o Mar Ter-
toriais alargada até às 12 milhas; sendo menor esta extensão, ritorial naturalmente impõe, nos debruçaremos em próximos
preciso será diminuir as extensões consignadas para aqueles ca-
sos especiais. artigos.
Lisboa, 15 de Setembro de 1926.”
Este documento é da maior importância para a percepção do Dr. Luís da Costa Diogo
essencial na discussão, que já decorre nestes moldes em Portugal CHEFE DO GABINETE JURÍDICO DA DGAM
há quase um século (desde 1924), sobre a natureza e regime do
Mar Territorial, estudos em que os ilustríssimos Prof. Dr. Barbo- N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
16 SETEMBRO/OUTUBRO 2016