Page 20 - Revista da Armada
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REVISTA DA ARMADA | 511
Reconstituição da viagem do escaler (Fateful Voyage).
Marinha em Outubro de 1790. Nesse mesmo ano deu à estampa libras (nada menos do que o dobro da do seu antecessor no cargo!).
a sua versão dos acontecimentos: A Narrative of the Mutiny on Não tinha, ainda, cumprido ano e meio nas novas funções quando,
Board His Majesty Ship Bounty; And the Subsequent Voyage of em Agosto de 1808, enfrentou nova revolta (parecia ser o seu des-
Part of the Crew in the Ship’s Boat. tino!), a Rebelião do Rum, chefiada pelo major dos Royal Marines
Entre 1791 e 1793, já como oficial superior, comandou o HMS George Johnston. Ao que parece, o motim ter-se-á devido às medi-
Providence, a bordo do qual cumpriu com sucesso uma nova mis- das rigorosas empregues pelo novo Governador no combate à cor-
são de transporte de fruta-pão para as Índias Ocidentais. Desta rupção instalada. Colocado sob prisão domiciliária, viu o Rei ceder
vez dispunha de um estado-maior composto por oficiais de pa- à exigência dos revoltosos que pretendia a sua substituição. Contu-
tente, um destacamento de marines a bordo e outro navio em do, após regressar à Inglaterra, em 1810, assistiu ao julgamento e à
companhia. A fruta-pão acabou, efectivamente, por tornar-se condenação dos cabecilhas da revolta, embora as penas atribuídas
um alimento muito popular naquelas paragens, o que trouxe gló- – entre as quais a demissão desonrosa de Johnston – tivessem sido
ria ao homem que ali a introduziu. consideravelmente brandas para o que era uso na época.
Promovido a Capitão-de-Mar-e-Guerra em Janeiro de 1796, Bligh A 31 de Julho de 1811 foi promovido a contra-almirante e, a 4
vir-se-ia, no ano seguinte, envolvido em novo motim, uma revol- de Junho de 1814, a vice-almirante. Mas a sua carreira no activo
ta geral alastrada por vários navios devido a questões salariais que tinha terminado. Viúvo desde 1812 e após um longo período de
acabou por fracassar. Embora não tivesse directamente a ver com enfermidade, retira-se para Farningham, Kent, com as suas qua-
as causas da rebelião, ficou, na altura, a saber que era conhecido tro filhas solteiras. Morre de um colapso cardíaco, em Londres, a
entre a marinhagem como “that Bounty bastard”. É que os dois an- 7 de Dezembro de 1817, com 63 anos. No topo do seu túmulo foi
tigos membros da guarnição do Bounty acusados de passividade na colocada a escultura de uma fruta-pão.
revolta e posteriormente perdoados, o aspirante Peter Haywood e
o marinheiro James Morrison, que tinham ganho inusitado prota- Jorge Moreira Silva
gonismo durante o seu julgamento, vieram, entretanto, a publicar CFR
o seu relato dos acontecimentos, mostrando Bligh como um tirano
cujo comportamento brutal levara os seus homens a reagir. Outro N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
contributo decisivo para a sua má imagem pública foi dado pelo
irmão de Fletcher Christian, Edward, professor de Direito em Cam-
bridge, que juntou um apêndice pouco abonatório às minutas do Notas
conselho de guerra. Consta que John Fryer, provavelmente ainda 1 Optámos pela utilização de artigo definido masculino por nos parecer mais
adequado à armação em brigue – substantivo masculino – aplicada no navio,
ressentido com Bligh, terá ajudado a redigir este apêndice. ao contrário do que sucede, por exemplo, com o navio-escola português NRP
Mas como a carreira de um oficial da Marinha Real não se fazia Sagres, cujo aparelho é o de uma barca – substantivo feminino –, sendo, portanto,
de simpatias, baseando-se, antes, nas aptidões demonstradas e na designado como “a «Sagres»”.
experiência de mar, Bligh continuou a acumular créditos. Comba-
teu bravamente os holandeses em Camperdown, tendo a nau que
comandava levado a melhor sobre três navios inimigos. Em 1801
distinguiu-se, sob as ordens de Nelson, na Batalha de Copenhaga, Fontes e Bibliografia
onde a sua acção, no comando da nau Glatton foi muito louvada. • ALEXANDER, Caroline, The Bounty: The True Story of the Mutiny on the Bounty,
Londres, Viking Penguin, 2003
Infelizmente, parecia continuar a não ser muito popular en- • BLIGH, William, A Narrative of the Mutiny on Board His Majesty Ship Bounty;
tre os seus homens. Em 1804 levou a conselho de guerra o seu And the Subsequent Voyage of Part of the Crew in the Ship’s Boat, Londres, imp.
George Nicol, 1790
imediato na nau Warrior, John Frazier, devido a desentendimen- • DENING, Greg, Mr Bligh’s Bad Language: passion, power and theatre on the
tos entre ambos. Frazier acabou por ser ilibado, enquanto o seu Bounty, Cambridge, Cambridge University Press, 1992
comandante, na sequência de uma contra-acusação do réu, foi, • MCKINNEY, Sam, Bligh: A True Account of the Mutiny Aboard His Majesty’s Ship
Bounty, Maine (EUA), International Marine Publishing Company, 1989
desta vez, alvo de admoestação por comportamento incorrecto. • MACKANESS, George,The life of Vice-Admiral William Bligh, R.N., F.R.S., edição
Pouco tempo depois, Bligh foi nomeado Governador da Nova revista, Sydney, Angus and Robertson, 1951
Gales do Sul, na Austrália, com uma remuneração anual de 2.000
20 SETEMBRO/OUTUBRO 2016