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REVISTA DA ARMADA | 517




















           A primeira grande tarefa foi inventar um sistema que permitisse   Sextante de horizonte artificial
          controlar a estima do trajecto, em razoáveis condições de preci-
          são. Foi isso que fizeram conjuntamente Gago Coutinho e Sacadu-
          ra Cabral, ao criarem o instrumento a que chamaram “plaqué do
          abatimento” (mais tarde designado de corrector de rumos). Com
          ele determinavam, de forma gráfica e rápida, o efeito do vento na
          aeronave e como deviam orientá-la para que seguisse sobre a rota
          pretendida.
           Seguia-se a dificuldade (maior) com as observações astronómi-
          cas e os respectivos cálculos, cuja solução viria a ser estudada e
          resolvida por Gago Coutinho, entre 1919 e 1921. Com um sistema
          de bolha de nível criou um horizonte artificial adaptado ao sextan-
          te, permitindo medir alturas de astros a qualquer hora do dia ou
          da noite, com ou sem visibilidade no horizonte. Mais tarde, veio a
          desenvolver e aperfeiçoar esse sistema, com duas bolhas, que ficou
          patenteado com o seu nome e foi usado na navegação aérea du-
          rante muitos anos.
           As observações, contudo, teriam de ser muito rápidas, ajustadas   com um rigor de navegação extra-
          à velocidade do avião, e Gago Coutinho encontrou solução para   ordinário  no  ponto  onde  deveria
          isso através de um planeamento detalhado da viagem, sobre uma   ser reabastecido de combustível.
          projecção cartográfica especial, com observações pré-planeadas e   A aeronáutica teria ainda de evo-
          cálculos já realizados. Em cada observação efectuada era apenas   luir  bastante,  nomeadamente  na
          necessário fazer pequenas correcções, de que resultava uma recta   capacidade dos aviões e da sua autonomia, mas estava resolvida a
          de posição, a traçar/ajustar sobre o rumo previsto, corrigindo a po-  maior dificuldade dos voos de longo curso: a navegação aérea au-
          sição estimada do avião. As sucessivas rectas e ajustes permitiam   tónoma. Usando a técnica e os instrumentos idealizados e aperfei-
          garantir uma rota com o rigor necessário à abordagem de qualquer   çoados por Gago Coutinho, os aviões poderiam alcançar qualquer
          destino.                                            destino que estivesse ao alcance das suas capacidades mecânicas
           Concebido  que  foi  o  método,  experimentaram-no  numa  via-  e da sua autonomia em combustível. Foi ele o grande criador desta
          gem curta, entre Lisboa e o Funchal, realizada em 1921.  Fez novos   nova técnica e o obreiro de um futuro de viagens aéreas, inimaginá-
          ajustes e, no ano seguinte, avançaram para a grande travessia do   vel no princípio do século XX e que é hoje o nosso presente.
          Atlântico-Sul, entre Lisboa e o Rio de Janeiro. Foi notável o longo   Dentro em breve se completarão 100 anos deste feito que come-
          percurso entre a Ilha de S. Vicente (Cabo Verde) e os rochedos de S.   çou em 1919 e se completou em 1922, aquando da grande traves-
          Pedro e S. Paulo, onde o avião pilotado por Sacadura Cabral amarou   sia aérea do Atlântico-Sul. Altura muito própria para homenagear
                                                              o homem que abriu os céus ao mundo, dando o seu nome a uma
           Corrector de rumos                                 estrutura aeroportuária portuguesa, de dimensão internacional.
                                                                São vários os exemplos internacionais em que os pioneiros da
                                                              aviação são relembrados a quem aterra nos aeroportos que têm o
                                                              seu nome. Saint-Exupery (Lyon), Santos Drumont (Rio de Janeiro) e
                                                              Kingsford Smith (Sidney) são alguns exemplos disso, mas os Estados
                                                              Unidos têm mais de uma dezena de aeroportos que homenageiam
                                                              a iniciativa e a coragem destes aventureiros.
                                                                “Almirante Gago Coutinho” seria assim um nome a recordar, a
                                                              quem nos visita, o engenho e a capacidade criativa da gente por-
                                                              tuguesa.


                                                                                                    Semedo de Matos
                                                                                                           CFR FZ
                                                              N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico


                                                                                                     ABRIL 2017  19
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