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REVISTA DA ARMADA | 521
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rais dificuldades aos Estados no exercício da sua soberania, sobre uma ou Twitter? Mesmo sendo possível, o quotidiano seria muito
área ou um ambiente que não domina e pouco controla. diferente do que as sociedades ocidentais conhecem. Tal pode
Efetivamente, o ciberespaço desafia em larga medida os concei- ser comprovado pelos milhões de chineses ligados à internet,
tos tradicionais de fronteira de um Estado. Em virtude do advento forçados a utilizá-la com as restrições impostas pelo governo.
de fenómenos como a globalização e de uniões económicas e O Facebook e o Twitter, por exemplo, foram bloqueados em
políticas, como a União Europeia, o conceito de fronteira tem julho de 2009, depois de violentos tumultos étnicos no Xinjiang,
evoluído bastante. No entanto, esta mantêm-se como um dos noroeste da China, que, segundo o governo chinês, terão sido
elementos que contribuem para que um Estado soberano seja alegadamente instigados através da internet por separatistas e
distinto dos demais, por circunscrever, num determinado territó- extremistas religiosos radicados no estrangeiro.
rio, um povo, a sua cultura e o alcance dos órgãos de governação. Deste modo, o caso da China demonstra, claramente, que é
Porém, perante a natureza do Ciberespaço, a fronteira geográ- possível existir um controlo no ciberespaço, verificando-se que
fica perde força, dado que o espaço virtual é um só. Por con- a total liberdade é essencialmente uma opção social e política, e
seguinte, o funcionamento do ciberespaço em rede aberta, sem não uma inevitabilidade da tecnologia. De igual modo, o exem-
delimitação de fronteiras ou barreiras, comporta riscos para a plo da “Grande Firewall da China” demonstra, claramente, que
segurança e defesa nacionais, tal como ficou evidente nos casos se está perante o início de um processo de criação de fronteiras
dos ciberataques à Estónia em 2007 e à Geórgia em 2008 ¹. no ciberespaço.
Em consequência, alguns Estados demonstram uma tendência
para a colocação de limites no mundo virtual, sendo o exemplo CONSIDERAÇÕES FINAIS
mais evidente a tentativa da China em controlar internamente o
acesso dos seus cidadãos à internet. Este caso concreto, de con- O facto de o ciberespaço se assumir como uma dimensão de
trolo da China no seu ciberespaço, é denominado de “Grande comunicação livre e praticamente isento de regulação jurídica,
Firewall da China”. desafia em larga medida os conceitos tradicionais de Soberania
e de Fronteira. Perante isto, e tomando os Estados consciên-
O CASO DA “GRANDE FIREWALL DA CHINA” cia do impacto que os ataques cibernéticos podem causar nas
suas Infraestruturas Críticas, e na sociedade em geral, verifica-
A grande firewall da China, também denominada por Escudo -se que a utopia de uma liberdade desmedida, que dominou
Dourado, é um sistema de vigilância e censura, implementado nos primórdios da internet, está progressivamente a dar lugar a
internamente naquele país, para controlar a utilização da inter- mecanismos de controlo e de afirmação da soberania estadual,
net pelos seus cidadãos, tendo sido assim apelidado em alusão à nomeadamente através da criação de “fronteiras” no ciberes-
Grande Muralha da China. Este sistema tem como objetivo moni- paço. Neste âmbito, o caso da “Grande Firewall da China” é o
torizar, filtrar e/ou bloquear conteúdos considerados sensíveis claro exemplo desta tendência. Porém, perante esta realidade,
pelas autoridades chinesas. emerge uma nova questão com que os Estados, sobretudo os
Em consequência da implementação deste sistema, emerge a que possuem regimes democráticos, se debatem: Quais são os
seguinte questão: Pode viver-se sem Facebook, Google, Youtube limites que um Estado poderá colocar no acesso dos cidadãos
ao Ciberespaço?
Ramos de Carvalho
1TEN
Nota
¹ Em 2008, durante uma escalada de tensão entre Rússia e Geórgia, hackers pro-
moveram ataques distribuídos de negação de serviço (também conhecidos como
DDoS Attack, a abreviação em inglês para Distributed Denial of Service) para sobre-
carregar sites e servidores da Geórgia nas semanas que antecederam a invasão
militar russa. Na época, o governo da Geórgia afirmou que a Rússia era responsável
pelos ataques DDoS, mas o Kremlin negou a acusação, alegando que os ataques
poderiam ter sido realizados por qualquer pessoa, dentro ou fora da Rússia. Em
2007, houve ataques parecidos contra os serviços de internet na Estónia, causando
distúrbios no seu sistema financeiro. Estes ataques coincidiram com divergências
DR entre Estónia e Rússia sobre a realocação de um memorial soviético de guerra.
AGOSTO 2017 13