Page 22 - Revista da Armada
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13 A ZONA CONTÍGUA
secular a necessidade de exisƟ r um espaço conơ guo às Aquela menção às 12 milhas resultava, sobretudo, do enten-
É águas sob soberania dos Estados Costeiros sobre o qual dimento proferido pela Comissão de Direito Internacional
estes pudessem, para lá do seu Mar Territorial (MT), exer- (CDI) – que estabelecera as premissas que sustentaram os
cer um conjunto de actos e medidas, sobretudo com fi ns de debates cienơ fi cos e técnicos ocorridos na Conferência –, no
segurança – militar ou outra –, para protecção dos recursos de senƟ do de que “…o direito internacional não permite a exten-
pesca ou com vista a impor a autoridade de molde a prevenir são do mar territorial para lá das 12 milhas.”, defendendo,
que produtos contrabandeados entrassem no território. Tal- ainda, a ilustre CDI, que a ZC “não pode estender-se para lá
vez os mais remotos exemplos que se podem encontrar nesta das 12 milhas a contar da linha de base que serve de ponto de
matéria específi ca de um espaço conơ guo sejam os Hovering parƟ da para medir a largura do mar territorial.”.
Acts publicados na Inglaterra no Séc. XVIII, que visavam esta- Mas o referido nº 1 do arƟ go 24º qualifi cava, também, a
belecer um instrumento de fi scalização contra o transporte abrangência de fi scalização pública que poderia ser efectuada:
ilícito de algumas cargas, e, em parƟ cular, sobre os navios de teria ela que ser necessária, defi nindo a alínea a) do normaƟ vo
bandeira não inglesa que faziam contrabando de chá e de o senƟ do material que tal restrição queria signifi car: a interven-
DIREITO DO MAR E DIREITO MARÍTIMO
bebidas alcoólicas. ção fi scalizadora do Estado Costeiro, quer a ơ tulo prevenƟ vo,
Ainda que se esteja a falar de um direito de intervenção quer a ơ tulo repressivo, apenas deveria ter como fi ns as “infrac-
necessariamente limitado perante navios de outras Bandeiras, ções às leis de polícia aduaneira, fi scal, sanitária ou de emigra-
cujo propósito seria criar um espaço de segurança que per- ção sobre o seu território ou no seu mar territorial.”, até porque,
miƟ sse uma acção mais imposiƟ va do Estado Costeiro, a sua na expressão jurídica do próprio arƟ go 24º, a ZC era uma “zona
insƟ tucionalização defi niƟ va no direito internacional demora- de alto mar”, e a Ɵ pologia de poderes que nela podem ser exer-
ria muito tempo. Já no decurso da segunda metade dos anos cidos está, à parƟ da, limitada e condicionada pelo conceito.
30 do Séc. XX, foi decretada, em França, a proibição de navios A falta de uniformidade na defi nição dos espaços, as diversas
estrangeiros se aproximarem mais de 3 milhas da linha de conjunturas de cariz geopolíƟ co que se foram desenvolvendo
costa francesa. Por outro lado, e como já havíamos referido desde os anos 50 do Séc. XX, e o aumento exponencial do
em arƟ go anterior , Barbosa de Magalhães propôs, na Confe- transporte de mercadorias por mar propiciaram novas e mais
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rência para a Codifi cação do Direito Internacional em Haia de alargadas discussões sobre a largura do MT e da ZC, e, conse-
1930, que fossem reconhecidos aos Estados Costeiros direitos quentemente, foi mais notória e evidente a necessidade de se
especiais de regulamentação de pesca no senƟ do da protec- promoveram os estudos e projectos de unifi cação do direito
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ção dos recursos, medida que não viria a ser aceite , também do mar, desiderato que viria a ocorrer durante as sessões reali-
pelo facto desse mecanismo poder ser visto como uma zona zadas a parƟ r de 1971 e que durariam até 1973, data em que,
especial de pesca além do MT, temendo-se, então, que ocor- nas Nações Unidas em Nova Iorque, de 3 a 15 de Dezembro
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resse uma mulƟ plicação de diferentes Ɵ pos de mares territo- (1973), decorreram as primeiras sessões .
riais com diversos fi ns (aduaneiros, de pesca e de imposição O texto fi nal da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito
de políƟ ca sanitária, entre outros). do Mar (CNUDM) que viria a ser assinada em Montego Bay
Aliás, mesmo com a Convenção sobre o Mar Territorial e a – adoptado na reunião plenária de 30 de Abril de 1982 – foi,
Zona Conơ gua de 1958, como se verá de seguida, não passou de facto, o resultado de uma avaliação sistémica de regras e
a exisƟ r um reconhecimento expresso de uma zona conơ gua costumes de direito internacional, sendo a Convenção, assim,
de pesca ou que visasse a salvaguarda de questões de segu- considerada um verdadeiro código, Ɵ da por alguns autores
rança, sendo a mesma, como parte de Alto Mar, limitada ape- desde então como a ConsƟ tuição do Mar.
nas a 4 âmbitos: aduaneiro, fi scal, sanitário ou de emigração. A CNUDM, de 10 de Dezembro de 1982, conhecida como
No ordenamento jurídico nacional, pelo Decreto-Lei nº Convenção de Montego Bay, defi ne, no seu arƟ go 33º, o
44490, de 3 de Agosto de 1962, foi decidida a raƟ fi cação de 4 regime aplicável à ZC, mantendo, no que é estrutural, o regime
convenções, aprovadas na 1ª Conferência de Direito do Mar, aprovado pelo arƟ go 24º da Convenção de Genebra.
realizada em Genebra em 1958 , nas quais se incluía a Conven- Ocorreram, contudo, alterações evidentes em termos da
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ção sobre o Mar Territorial e a Zona Conơ gua , um arƟ culado semânƟ ca e da formulação. Desde logo, o carácter designa-
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de 32 arƟ gos que seria absolutamente fundamental no per- Ɵ vo em si da Zona. O legislador de 1982 qualifi ca este espaço,
curso da defi nição do direito internacional do mar . designando-o, expressamente, como “Numa zona conơ gua
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A expressão usada logo no início do nº 1, do arƟ go 24º, ao seu mar territorial, denominada “zona conơ gua”, o Estado
daquela Convenção, permite concluir que a consƟ tuição de costeiro pode…”. Há, inegavelmente, uma formulação jurídica
uma Zona Conơ gua (ZC) é facultaƟ va para os Estados Costeiros; mais sistémica, mais expressiva, e um qualifi caƟ vo do espaço,
com efeito, esƟ pulava aquele preceito que “1 – O Estado ribei- o que permiƟ u desde a vigência da CNUDM um desenvolvi-
rinho pode exercer a fi scalização necessária sobre uma zona mento muito mais notório ao nível doutrinal da ZC .
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do alto mar conơ gua ao seu mar territorial para os seguintes Em complemento, quer quanto à sequência semânƟ ca do
fi ns: (…)”. O preceito defi nia, ainda, no seu nº 2, que a ZC não arƟ culado da alínea a), do nº 1, do arƟ go 24º, da Convenção de
se poderia estender mais além do que 12 milhas contadas “da Genebra, quer mesmo no que respeita ao verbo empregue no
linha de base que serve de ponto de parƟ da para medir a lar- normaƟ vo, há uma diferença que não é meramente adjecƟ va
gura do mar territorial.”, normaƟ vo que, para muitos Estados, entre os textos de 1958 e de 1982; de facto, em 1958 usou-se
acabaria por ser de execução nula, porquanto, para aqueles o termo “Prevenir as infracções às suas leis…”, enquanto que
que Ɵ vessem fi xado a largura do MT em 12 milhas , era impos- 24 anos depois se privilegiou a expressão “Evitar as infracções
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sível reivindicar uma ZC. às leis e regulamentos…”. Dir-se-á que da expressão de 1958 se