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A PERDA DA
LANCHA-CANHONEIRA TETE
o dia 20 de Fevereiro de 1917 perdeu-se devido a uma explosão a dos navios da Armada Portuguesa a 26 de Março desse mesmo ano.
Nlancha-canhoneira Tete, pertencente à Armada Portuguesa e inte- Como caracterísƟ cas principais Ɵ nha de comprimento de fora a fora
grada na Esquadrilha do Zambeze, em Moçambique. 34 metros, de boca 6,10 metros e de calado máximo apenas 0,49
Encontrava-se atracada junto à povoação de Mutarára quando o metros, o que lhe permiƟ a navegar em caudais muito reduzidos.
súbito rebentamento da caldeira provocou a sua destruição total e Possuía dois motores de dois cilindros de alta pressão cada um, com
imediata. Entre elementos da guarnição e passageiros civis a explosão uma potência de 100 cavalos, que movimentavam uma roda de pás
causou 10 víƟ mas mortais, uma delas o seu comandante, o 2º Tenente colocada à popa, aƟ ngindo uma velocidade máxima de 10 nós. Tinha
Mário Barcelos Nascimento. Não demorou até que surgissem rumo- uma caldeira que podia queimar carvão ou lenha, e era dotada de ilu-
res de sabotagem, realizada por agentes a soldo do inimigo alemão. minação eléctrica, possuindo mesmo um projector.
Cumprindo-se o 101º aniversário da sua perda no mesmo ano Depois das provas de recepção foi desmontada e enviada para
em que se assinala o centenário do término da Grande Guerra, Chinde no fi nal de Maio, a bordo de um cargueiro Inglês.
o momento é oportuno para evocar este episódio da História da No dia 1 de Dezembro de 1904 passou ao estado de completo
Armada Portuguesa e, com base em documentos ofi ciais, quesƟ onar armamento, estando arƟ lhada com duas peças Hotchkiss de 37 mm a
se realmente se tratou de uma acção de sabotagem. vante e com uma metralhadora Hotchkiss de 6,5 mm a ré. Com uma
Várias gerações de canhoneiras e lanchas-canhoneiras foram con- guarnição de 28 homens passou a integrar a Esquadrilha do Zambeze
sequência de um programa de estratégia naval que teve início em operando naquele rio e no rio Chire, onde Ɵ nha missões não só de
1892, após o UlƟ mato Inglês, quando a Armada foi constantemente patrulhamento e fi scalização dos rios, exercendo a soberania portu-
chamada a intervir em múlƟ plos incidentes nas colónias africanas. guesa, como também de apoio às populações, transportando gado,
As canhoneiras revelaram-se as embarcações ideais para dar apoio mercadorias várias e mesmo elementos civis que por alguma razão
às acções militares que se desenrolaram no âmbito das campanhas Ɵ vessem que se deslocar ao longo do rio, nomeadamente por moƟ -
de pacifi cação. Portugal reforçou assim as Esquadrilhas das colónias vos de saúde.
em detrimento da restante frota e entre 1891 e 1898 adquiriu nada Foi a cumprir uma missão deste Ɵ po que se deu a sua perda em
menos do que 16 lanchas-canhoneiras. 1891 é também o ano em que Fevereiro de 1917 quando, atracada numa margem do rio Zambeze,
foi criada a Esquadrilha do Zambeze, antecipando a possibilidade de junto à povoação de Mutarára, aguardava pelo embarque de alguns
Cecil Rhodes poder invadir o território de Moçambique. Em Março do elementos.
mesmo ano foram as canhoneiras Limpopo e Rio Tâmega que impedi- Portugal parƟ cipava ofi cialmente na Grande Guerra desde 9 de
ram o desembarque na cidade da Beira das tropas de Rhodes, que se Março de 1916, praƟ camente há um ano, mas antes disso, a 25 de
deslocavam a bordo do vapor Norseman. Agosto de 1914, forças alemãs já Ɵ nham atravessado de surpresa a
A área a patrulhar pela Esquadrilha do Zambeze estendia-se ao fronteira norte de Moçambique, no rio Rovuma, e atacado o posto de
longo de quase 1000 quilómetros de rio, desde a região fronteiriça Maziúa, causando várias baixas às tropas portuguesas.
com os territórios da Rodésia, até à foz, junto a Chinde. O panorama A 20 de Fevereiro de 1917 já o confl ito ia avançado, e há muito que
colonial não se alterou substancialmente até às vésperas da Grande a presença militar alemã se fazia senƟ r no norte de Moçambique atra-
Guerra, apesar dos vários planos navais que pretendiam reestruturar vés das acções do general alemão von LeƩ ow-Vorbeck que levava a
a Armada. Desse modo, a lancha-canhoneira Tete foi construída no cabo uma guerra de guerrilhas, atacando as posições portuguesas
estaleiro da empresa H. Parry & Son, Lda., no Ginjal, em Cacilhas, com quando e onde menos se esperava, para reƟ rar de seguida, sem man-
o objecƟ vo de ser empenhada nas colónias. ter posições no terreno. É neste contexto de guerra irregular que se dá
Ficou pronta no início de 1904, tendo sido aumentada ao efecƟ vo a perda da Tete e que surgem os rumores de sabotagem.
16 MARÇO 2018