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REVISTA DA ARMADA | 527


          MISTIFICAÇÃO GPS



          UMA REALIDADE CADA VEZ MAIS FREQUENTE?



            aquela fria manhã de 22 de junho de 2017 a tripulação  do
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         Nnavio mercante estava atarefada com os preparaƟ vos para
          demandar o porto de Novorossisk, no Mar Negro – Federação
          Russa. O Capitão , ao entrar na ponte, quesƟ ona o Ofi cial  de
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          Quarto à Ponte (OQP) – “onde estamos?”. Este responde pron-
          tamente, “mantemo-nos cerca de 30 milhas náuƟ cas a Sul de
          Novorossisk”. SaƟ sfeito com a resposta, o Capitão aproxima-se
          da carta náuƟ ca e do Electronic Chart Display and InformaƟ on
          System (ECDIS) para planear a manobra de atracação quando
          verifi ca que a posição Global PosiƟ oning System (GPS) do navio
          está muito próxima do aeroporto de Gelendzhik, 25 milhas náu-
          Ɵ cas a Nordeste da posição geográfi ca que lhe fora indicada
          segundos antes pelo OQP.
           O incidente acima resumidamente descrito, que moƟ vou um
          alerta relaƟ vamente à segurança da navegação naquela região
          do Mar Negro por parte da U.S. Department of TransportaƟ on   Imagem 1 - Discrepância entre a posição geográfi ca verdadeira e a posição GPS
          MariƟ me AdministraƟ on e da U.S. Coast Guard , representa um   do navio mercante, indicada no ecrã do equipamento de bordo (Dana Goward,
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                                                              2017 – adaptado pelo autor).
          exemplo dos cada vez mais frequentes registos de misƟ fi cação
          do sinal GPS.                                       cos metros, a sua posição geográfi ca e a integridade do sistema
           Com efeito, a degradação (através da misƟ fi cação ou do empas-  ao uƟ lizador. O referido sinal GPS chega aos equipamentos nos
          telamento) do sinal GPS tem ocorrido com uma frequência cres-  navios com uma frequência baixa (∼1500 MHz) e uma potência
          cente desde o início da década de 2010, com consequências   igualmente baixa (∼-130 dBm), o que o torna parƟ cularmente
          negaƟ vas para o funcionamento de diversos serviços e organiza-  vulnerável a ações de empastelamento e misƟ fi cação.
          ções em terra, no ar e no mar.                       O empastelamento ou jamming, consiste na irradiação, re-irra-
           Nos espaços maríƟ mos é possível idenƟ fi car áreas geográfi cas   diação ou refl exão intencional de energia eletromagnéƟ ca com
          onde no passado recente se verifi caram este Ɵ po de fenómenos:   o objeƟ vo de limitar ou impossibilitar a uƟ lização de um equi-
          regiões limítrofes da Federação Russa, i.e. da península escandi-  pamento ou sistema. No caso específi co do GPS este efeito é
          nava ao Mar Negro e Mar Mediterrâneo, sendo que há também   provocado através da operação de um equipamento transmis-
          registos signifi caƟ vos destas ações no Golfo Pérsico (ao largo   sor (cfr. Imagem 2) que, gerando um sinal de potência franca-
          do Irão) e no Mar da China (junto à China e Coreia do Norte).   mente superior relaƟ vamente ao sinal fi dedigno , impossibilita
                                                                                                    3
          Pretende-se com o presente arƟ go caracterizar a misƟ fi cação do   a receção deste negando a uƟ lização do GPS nas proximidades
          sinal GPS, enquanto crescente ameaça à segurança da navega-  do empastelador. Não obstante ser um fenómeno que tem um
          ção, analisar o seu impacto nos sistemas de radioposicionamento   impacto tremendo no funcionamento de vários serviços públi-
          geográfi co  uƟ lizados a bordo, concluindo sobre que medidas   cos e privados, entre os quais a condução da navegação no mar,
          poderão ser tomadas para incrementar a resiliência do referido   permite ao uƟ lizador a perceção de que o seu equipamento GPS
          sistema e das equipas que o operam.                 não está a receber o devido sinal, permiƟ ndo-lhe optar por outro
           O princípio de funcionamento do GPS, como muitos saberão,   sistema de navegação. O mesmo não acontece em caso de mis-
          consiste na medição extremamente precisa da distância entre os   Ɵ fi cação do sinal GPS, em que a sobreposição intencional de um
          satélites em órbita e a antena recetora à superİ cie da terra. Para   sinal erróneo ao sinal fi dedigno (adulterando os dados referentes
          tal, o sistema uƟ liza a transmissão pelos satélites de um sinal que   à posição geográfi ca, sincronização horária ou ambos) tem como
          contém a sua própria localização, a hora a que o sinal foi transmi-  intuito fornecer dados/informação erradas ao equipamento
          Ɵ do, informação paramétrica sobre o estado do funcionamento   recetor, sem que o uƟ lizador disso tome conhecimento.
          da constelação de satélites e os outros elementos que permiƟ rão   De facto, a misƟ fi cação GPS tende a ser um processo mais com-
          aos equipamentos GPS a bordo fornecerem, com o rigor de pou-  plexo comparaƟ vamente com o empastelamento, cumprindo a
                                                                                         seguinte sequência (cfr. Ima-
                                                                                         gem 3):
                                                                                          – Instante T , o equipamento
                                                                                                   0
                                                                                         misƟ fi cador recebe e pro-
                                                                                         cessa o sinal GPS  fi dedigno.
                                                                                         Replica-o e transmite-o a
                                                                                         uma baixa potência e com os
                                                                                         valores corretos ao recetor
                                                                                         a bordo do navio, evitando
                                                                                         discrepâncias e oscilações na
          Imagem 2 - Equipamento empastela-                                              receção do sinal;
          dor de sinal GPS para automóvel, dis-
          ponível na internet com o valor apro-  Imagem 3 – Processo de misƟ fi cação do sinal GPS (Mark L. Psiaki e Todd E. Humphreys,   – Instante T , o equipa-
                                                                                                    0+2
          ximado de 120$ dólares americanos.  2016 – adaptado pelo autor).               mento misƟ fi cador  aumenta

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